“Muitos dos alunos” de cursos profissionais acabam a trabalhar fora da área de formação
Cursos profissionais promovem transição mais rápida para o emprego e até estão associados a salários superiores aos do ensino secundário geral. Mas muitos alunos acabam a trabalhar fora da área.
Ainda que a maioria dos alunos de cursos profissionais consiga emprego no prazo de um a dois anos, muitos acabam a trabalhar fora da sua área de formação, aponta um novo estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). Os autores realçam, por isso, que é preciso alinhar melhor este tipo de ensino com as necessidades do mercado de trabalho, nomeadamente, através do aprofundamento das parcerias com empresas.
Comecemos por um retrato da participação nos cursos profissionais em Portugal. Se no início do século, o país estava atrasado face à maioria dos países da União Europeia, no que diz respeito à percentagem de jovens estudantes inscritos nos cursos de ensino e formação profissionais, hoje a realidade é outra.
Em concreto, no ano letivo de 2000/2001, 28% dos alunos do ensino secundário estavam inscritos nestes cursos, enquanto a média da União Europeia estava em 52%. Já “na sequência do aumento significativo da oferta, que se registou a partir de 2006“, a percentagem de alunos inscritos “subiu substancialmente”, tendo atingido um máximo de 45% no ano letivo de 2013/2014.
Desde então, a percentagem de inscritos diminuiu ligeiramente, mas mantém-se próxima dos 40%, o que significa que Portugal está, neste momento, mais próximo da média comunitária (que ronda os 50%) do que há duas décadas e meia.
“Em Portugal, há planos para expandir ainda mais o ensino e formação profissionais no futuro, tendo sido anunciado o objetivo de atingir 55% da totalidade dos alunos inscritos no secundário“, assinalam ainda os autores do novo estudo da FFMS.
“E tendo em conta o elevado investimento e os planos para novas reformas no ensino profissional, é fundamental avaliar o seu impacto”, defendem Pedro Martins, Luís Catela Nunes, Pedro Reis e Teresa Thomas.
Ora, de modo geral, a expansão do ensino e formação profissionais “teve resultados positivos“, indica o estudo conhecido esta sexta-feira. Por exemplo, o abandono escolar desceu de 39% em 2000 para menos de 10% no ano letivo de 2022/2023, e a taxa de inatividade entre os jovens (25 a 34 anos) que concluíram o ensino profissional é “notavelmente baixa“, em comparação com aqueles que concluíram o ensino geral (5,6% contra 10,6%).
Mais, os cursos profissionais estão a permitir uma “rápida transição para o mundo do trabalho“, com 72% dos alunos a conseguir emprego no prazo de um a dois anos. Entre os que concluíram o ensino geral, 56% conseguiram um posto de trabalho nesse timing.
E mesmo em temos salariais, os sinais são positivos: os alunos formados no ensino secundário profissional têm ordenados “mais elevados” do que os que concluíram o ensino secundário geral.
Muitos dos alunos que concluem os cursos profissionais acabam por trabalhar fora da sua área específica de formação, o que pode sugerir a necessidade de um melhor alinhamento dos cursos profissionais com as necessidades do mercado de trabalho.
Mas nem todas as notícias são boas. “Continua a existir um desfasamento entre a formação a colocação profissional“, destacam os alunos, que referem que “muitos dos alunos que concluem os cursos profissionais acabam por trabalhar fora da sua área específica de formação, o que pode sugerir a necessidade de um melhor alinhamento dos cursos profissionais com as necessidades do mercado de trabalho“.
“Embora os alunos formados no ensino e formação profissionais entrem no mercado de trabalho, muitas vezes não o fazem desempenhando funções diretamente relacionadas com a sua formação. Por consequência, muitos deles podem não vir a aplicar plenamente as competências desenvolvidas durante a sua formação“, insistem os autores.
E afirmam, resumindo, que estes cursos parecem estar, assim, a funcionar bem como via de acesso ao emprego, mas de forma menos eficaz enquanto ferramenta para desenvolver “de forma consistente competências profissionais específicas que correspondam às necessidades do mercado de trabalho”.
Perante este cenário, são deixadas várias recomendações para resolver o desfasamento entre o ensino e o mercado de trabalho, como o aprofundamento das parcerias com empresas (estabelecer parcerias formais entre as instituições de ensino e os empregadores para conceber, de forma conjunta, programas de estudo), a promoção da aprendizagem em contexto de trabalho (reforçando os estágios, por exemplo), a simplificação dos regulamentos que regem a formação em contexto de trabalho (mitigando os obstáculos) e a melhoria da orientação profissional (de modo a ajudar os alunos a escolherem vias profissionais em linha com as suas competências).
Alinhar cursos com o mercado:
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-Aprofundar parcerias com as empresas;
-Promover aprendizagem em contexto de trabalho;
-Simplificar quadros jurídicos;
-Melhorar a orientação profissional.
O novo estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos assinala ainda que é preciso que os cursos direcionados para áreas de atividade sazonal (como o turismo e agricultura) incorporem “competências transferíveis”, de modo a que os formandos sejam empregáveis durante todo o ano. E a pensar na transformação tecnológica, recomenda que o conteúdo dos cursos seja atualizado, de modo a incluir competências atualizadas nesse domínio, especialmente face à automação e à inteligência artificial.
Por outro lado, os autores observam que há elevada mobilidade dos indivíduos que se formam neste tipo de ensino, sublinhando que tal sugere que, “ao planear os cursos, é necessário que haja um maior alinhamento regional”. Por isso, aconselham que a oferta seja gerida ao nível das comissões de coordenação regional, que esta seja integrada com as estratégias económicas regionais e que haja partilha de infraestruturas, isto é, que os municípios possam coinvestir em instalações e equipamentos de ensino profissional partilhados, “sobretudo em zonas de baixa densidade populacional“.
Sobre as distribuição destes cursos por região, o estudo da FFMS indica que é também preciso dirigir de forma estratégica os fundos nacionais e comunitários para as regiões de baixa cobertura e incentivar a criação de cursos em locais deficitários, “dando prioridade ao alinhamento com as necessidades de mão de obra”.
De resto, em conferência de imprensa, o economista Pedro Martins, um dos autores deste estudo, enfatizou que em países onde estes cursos têm maior expressão a taxa de desemprego jovem tende a ser mais baixa do que noutros países europeus. Estando hoje Portugal entre os Estados-membros com um dos piores registos a este nível (a taxa de desemprego jovem corresponde a cerca do triplo da taxa de desemprego global), “há margem para ganhos” com uma aposta reforçada neste tipo de ensino.
Melhorar a imagem pública
Entre as várias recomendações que constam do novo estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, consta a indicação de que é preciso melhorar a imagem pública do ensino e formação profissionais. “Apesar dos resultados positivos alcançados, persiste uma perceção pública pouco favorável“.
Questionado sobre este ponto, o economista Pedro Martins explicou aos jornalistas que é necessário dar a conhecer o impacto positivo destes cursos na empregabilidade e até nos salários.
A esta recomendação, soma-se uma outra: “assegurar o reconhecimento dos cursos por parte dos respetivos setores de atividade: estabelecer parcerias com os empregadores, de modo a aprovar formalmente as credenciais do ensino e formação profissionais, promovendo a paridade com os graus académicos”.
Cursos profissionais promovem empreendedorismo
Além do impacto dos cursos profissionais no emprego, o novo estudo da FFMS apresenta dados também sobre os efeitos na criação de empresas e no empreendedorismo, destacando também a esse nível sinais positivos.
“A criação de novas empresas aumentou significativamente após terem decorrido três a cinco anos desde a entrada no mercado de trabalho dos alunos que concluíram cursos de ensino e formação profissionais”, frisam os autores. “Este aumento foi mais significativo em termos de criação de sociedades do que de empresas em nome individual“, detalham os mesmos.
Perante estes dados, Pedro Martins, Luís Catela Nunes, Pedro Reis e Teresa Thomas recomendam integrar a formação empresarial nestes cursos, isto é, incluir módulos sobre desenvolvimento empresarial, inovação e criação do próprio emprego em todos os programas de ensino profissional.
Apoiar a criação de novas empresas por parte dos indivíduos formados no ensino e formação profissionais: proporcionar mentoria, financiamento inicial e acesso a incubadoras de forma a fomentar a criação de empresas alinhadas com a sua formação.
Defendem também que a criação de novas empresas por parte destes alunos seja apoiada, através de mentorias, financiamento inicial e acesso a incubadoras. Outra recomendação passa pela simplificação da burocracia e da orientação, criando balcões de apoio para ajudar os recém-formados no processo de registo de empresas em nome individual e no acesso aos regimes fiscais ou de Segurança Social adequados.
Por fim, os autores salientam que seria útil organizar feiras ou market places onde os recém-formados poderiam apresentar os seus serviços ou produtos, “ajudando-os a ganhar visibilidade e a estabelecer contacto com potenciais clientes”.
Numa última nota, este estudo deixa claro que é preciso monitorizar e avaliar o impacto do ensino e formação profissionais, de modo a manter a “capacidade de resposta e eficácia”. É recomendado, assim, que sejam, nomeadamente, desenvolvidas estruturas de avaliação sólidas (acompanhar a eficácia dos cursos com base, por exemplo, na taxa de emprego, rendimentos e resultados empresariais).
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