Há novo líder no Largo de São Julião. Álvaro Santos Pereira, o ex-ministro dos “pastéis de nata” que chegou à OCDE

De Paris para o Largo de São Julião, Álvaro Santos Pereira deixa o cargo de economista-chefe da OCDE para abraçar o desafio de liderar o Banco de Portugal. Recorde o percurso do sucessor de Centeno.

Álvaro Santos Pereira é tudo menos um desconhecido para os portugueses. O novo governador do Banco de Portugal (BdP), escolhido esta quinta-feira pelo Governo liderado por Luís Montenegro, regressa a Lisboa, para um cargo de prestígio, depois de uma estadia de mais de dez anos em Paris, onde no último ano e meio era economista-chefe da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Mas se foi através dos cargos que foi executando na OCDE ao longo dos últimos 12 anos, e sobretudo desde que em junho do ano passado foi nomeado economista-chefe da instituição (embora já tivesse exercido duas vezes as funções interinamente), que trilhou o caminho para ganhar peso internacional, foi como ministro da Economia, entre junho de 2011 e julho de 2013, que em Portugal entrou pela casa dos portugueses e ficou conhecido simplesmente como Álvaro, como preferia ser tratado em vez de ministro.

O ex-ministro da Economia do Governo de Pedro Passos Coelho ficou conhecido em 2012 como o “ministro dos pastéis de nata“, cognome que colou publicamente depois de Álvaro Santos Pereira ter lançado o repto para a internacionalização do pastel de nata, como forma de potenciar as exportações.

Numa conferência dedicada ao tema do “Made in Portugal”, o então ministro considerava que Portugal estava a falhar na estratégia de internacionalização dos seus produtos e questionava porque o pastel de nata não tinha a igual a dimensão internacional de outros produtos internacionais, dando como exemplo a forte indústria de cogumelos produzidos no Canadá, “colhidos e exportados no mesmo dia para o Japão”.

Neste sentido, defendeu ainda que os pastéis de nata podem ser tão vendáveis “como os churrascos Nando’s ou os hambúrgueres”. Uma aposta em que a história, anos mais tarde, acabou por lhe dar razão. Em 2019, a Bloomberg contava como o doce português andava nas bocas do mundo.

Como ministro da Economia e do Emprego, Álvaro lidou, contudo, com mais do que a internacionalização, debruçando-se sobre dossiês como a reforma da legislação laboral, a privatização de empresas do Estado, a liberalização do setor energético, novas leis para os reguladores ou a renegociação de parcerias público-privadas (PPP).

Quando saiu do governo fez uma pausa de pouco mais de três meses, antes de ingressar na OCDE, onde, antes de ser nomeado economista-chefe, liderou o departamento de Estudos Sobre Países, no qual coordenou as atividades da direção e identificou desafios e desenvolveu processos para políticas de melhoraria do desempenho económico, a longo prazo. Foi nessas funções que uma polémica o opôs ao governo de António Costa, a propósito de um relatório sobre Portugal, no qual fazia menções sobre a corrupção.

Na altura, o PSD chamou Álvaro Santos Pereira ao Parlamento para o questionar sobre “se é ou não verdade que o Governo quis apagar menções a medidas de combate à corrupção” do relatório “Economy Survey of Portugal – 2019”, que coordenou na qualidade de diretor de Estudos Nacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Licenciado em economia pela Universidade de Coimbra, doutorou-se na mesma área pela Universidade Simon Fraser, em Vancouver, Canadá, onde lecionou desenvolvimento económico e política económica. Foi ainda professor visitante na Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, onde entre 2000 e 2004 deu aulas de economia, e docente de economia europeia e desenvolvimento económico no departamento de economia da Universidade de Iorque, no Reino Unido, entre 2004 e 2007.

É autor de diversos livros, entre os quais “Reformar Sem Medo” (2014, Gradiva), “Portugal na Hora da Verdade” (2011, Gradiva), “O Medo do Insucesso Nacional” (2009, Esfera dos Livros) e “Os Mitos da Economia Portuguesa” (2007, Edições Guerra e Paz), bem como de vários artigos em revistas académicas internacionais. Foi ainda colunista de meios de comunicação social como o Diário de Notícias, Público, Diário Económico, Expresso, Exame e Jornal de Notícias.

Álvaro Santos Pereira, Acting Chief Economist, OECD© Herve Cortinat/OECD

“O Banco Central deve ser independente e técnico”

Há duas semanas, em entrevista ao Expresso durante o Fórum do Banco Central Europeu (BCE) em Sintra – onde tem sido presença assídua -, Álvaro Santos Pereira garantia estar “muito feliz na OCDE” e gostar “muito” do que fazia. No entanto, o desafio de se tornar banqueiro central falou mais alto. E tem um pensamento claro sobre qual deve ser o perfil.

Questionado pelo Expresso sobre como avalia o desempenho de Mário Centeno, o seu (agora) sucessor respondeu: “Jerome Powell, presidente da Reserva Federal dos EUA, disse algo fundamental na conferência: para os bancos centrais terem impacto e serem garantes da estabilidade financeira, bancária e de preços tem de haver independência. Portanto, para mim o mais importante é que o Banco Central seja independente do poder político. O Banco Central não pode ser político, tem de ser independente e técnico“, disse.

Na mesma entrevista, mostrou-se preocupado e expectante sobre o impacto económico das guerras militares e comerciais, embora tenha sublinhado que “Portugal, apesar de tudo, ainda é dos países que vai crescer mais na Europa“.

“Se pode crescer mais? É sempre possível”, acrescentou, recomendando no que toca à política orçamental a manutenção da “disciplina fiscal” para reduzir o rácio da dívida pública. No entanto, questionado sobre se é essencial manter excedentes, afirma que “depende das circunstâncias”. “Achamos que pelo menos pequenos excedentes orçamentais podem ajudar“, aponta.

Em entrevista ao ECO, em julho de 2024, já tinha sublinhado que “o mais importante é que se houver medidas de despesa, tem de haver medidas compensatórias” e que “o que é importante é que a dívida continue a baixar“. Um alerta que se junta às recorrentes posições sobre a necessidade de aumentar a produtividade e avançar com reformas estruturais.

Posições do novo governador do Banco de Portugal que, se seguir a tradição de Mário Centeno, dará a cara pelos boletins económicos do regulador, do qual constam previsões económicas, mas também muitas vezes diversos alertas. No entanto, não será apenas no Largo de São Julião onde Álvaro Santos Pereira marcará presença. Frankfurt também passará a ser recorrente no seu roteiro no exercício das novas funções, para estar presente nas reuniões do Banco Central Europeu (BCE). Instituição que lhe mereceu rasgados elogios sobre o papel na pandemia.

Só a resposta do BCE ajudou-nos a comprar bastante tempo. Ajudou-nos bastante e vai continuar a ajudar”, disse o economista na altura, em entrevista à Lusa.

Mais tarde, em maio de 2022, disse estar preocupado com o aumento da inflação e alertou para potenciais “efeitos dramáticos”. “Estou preocupado com a perda de rendimento e poder de compra, e ainda mais preocupado se a inflação ficar fora de controlo, por isso vemos em vários países os bancos centrais a atuar de forma mais decisiva”, argumentou.

Que consequências terá um aumento de 1% ou 2% das taxas de juro nos empréstimos das casas, e para os Estados? Terá um impacto dramático para as pessoas em muitos países”, disse o antigo governante, acrescentando que os governos “ou mexem nos impostos, ou tentam proteger os mais vulneráveis através de apoio aos rendimentos, que são mais eficazes, mas levam mais tempo” a surtir efeito.

Já em 2023 admitiu que era necessária a normalização das taxas de juro, mas que uma subida rápida, como a que se verificou, tem consequências. Pelo que defendeu que existiam várias políticas alternativas para as quais se devia olhar, que impulsionariam a economia.

Álvaro Santos Pereira sublinhou também, na ocasião, que “manter os mercados abertos vai ser muito importante”, já que o comércio internacional é uma das medidas que impulsiona a economia. “Houve um aumento no protecionismo e é algo que nos preocupa, porque o impacto de voltar a restrições vai ter efeitos em toda a gente”, alertou.

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