Da economia aos juros: o que pensa Álvaro, o próximo governador do Banco de Portugal
Antigo ministro da Economia está longe de ser um 'falcão' na política monetária e é defensor acérrimo de reformas para pôr a economia a crescer e proteger as finanças públicas.
Álvaro Santos Pereira foi o nome escolhido pelo Governo liderado por Luís Montenegro para suceder a Mário Centeno à frente do Banco de Portugal (BdP). Economista-chefe da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) no último ano e meio, instituição na qual desempenhou funções desde que saiu do Governo de Pedro Passos Coelho, em 2013, com muitas críticas às “intrigas políticas” e a Paulo Portas, após o episódio da “demissão irrevogável” do centrista, onde o então ministro da Economia acabou por ser um dano colateral.
Antes, e durante a Troika, ficou conhecido por preferir que o tratassem por Álvaro em vez de ministro – influência da experiência académica internacional – e por defender a internacionalização dos produtos portugueses, como os pastéis de natas. Com percurso internacional e experiência governativa, o próximo governador a representar Portugal à mesa do Banco Central Europeu (BCE) está longe de ser um falcão. Álvaro Santos Pereira é sobretudo um economista e as suas declarações sobre inflação e taxas de juro mostram-no: pesa o efeito da política monetária nas famílias. Ao longo dos anos, é-lhe conhecida a quase obsessão pela defesa de reformas, sobretudo na justiça e na administração pública, que acredita ajudarão as finanças públicas.
Longe de ser um falcão
Álvaro Santos Pereira vai ser um dos banqueiros centrais a sentar-se à mesa do Conselho de Governadores e está longe de ter uma posição mais restritiva sobre a política monetária, não fazendo parte da equipa que em Frankfurt é conhecida como os falcões. O próximo governador do Banco de Portugal é sobretudo um economista preocupado com os efeitos que mexidas nos juros têm na economia real e no emprego.
Durante a pandemia elogiou o papel da instituição liderada por Cristina Lagarde. “Só a resposta do BCE ajudou-nos a comprar bastante tempo. Ajudou-nos bastante e vai continuar a ajudar”, disse na altura, em entrevista à Lusa. Mais tarde, em maio de 2022, disse estar preocupado com o aumento da inflação e alertou para potenciais “efeitos dramáticos”. “Estou preocupado com a perda de rendimento e poder de compra, e ainda mais preocupado se a inflação ficar fora de controlo, por isso vemos em vários países os bancos centrais a atuar de forma mais decisiva”, argumentou.
“Que consequências terá um aumento de 1% ou 2% das taxas de juro nos empréstimos das casas, e para os Estados? Terá um impacto dramático para as pessoas em muitos países”, disse o antigo governante, acrescentando que os governos “ou mexem nos impostos, ou tentam proteger os mais vulneráveis através de apoio aos rendimentos, que são mais eficazes, mas levam mais tempo” a surtir efeito.
Já em 2023 admitiu que era necessária a normalização das taxas de juro, mas que uma subida rápida, como a que se verificou, tem consequências. Pelo que defendeu que existiam várias políticas alternativas para as quais se devia olhar, que impulsionariam a economia.
Queda do BES? “A maior fraude e pirâmide financeira da nossa história”
Onze anos depois da resolução do Banco Espírito Santo, (BES) o processo continua a arrastar-se nos tribunais. Álvaro Santos Pereira poderá ter de lidar com o dossiê, na medida em que o supervisor é alvo de várias ações de investidores e ex-clientes do BES por conta da medida de resolução (2014) e da retransmissão de obrigações para o BES mau (2015). Em 2019, apontou o dedo à Justiça, criticando a lentidão do processo.
“Cinco anos volvidos após ter sido desvendada a maior fraude e pirâmide financeira da nossa história, ninguém foi preso ou sequer julgado“, escreveu o ex-ministro da Economia numa publicação no Twitter, em alusão à queda do BES. “Perante isto, como é que a nossa justiça pretende permanecer credível aos olhos dos cidadãos? Por que é que os partidos não fizeram mais?”, questionou.
Independência das instituições
Álvaro Santos Pereira tem defendido ao longo dos tempos o fortalecimento das instituições e a independência face ao poder político. Recentemente, em entrevista ao Expresso, salientou este mesmo argumento. “Jerome Powell, presidente da Reserva Federal dos EUA, disse algo fundamental na conferência: para os bancos centrais terem impacto e serem garantes da estabilidade financeira, bancária e de preços tem de haver independência”, disse.
“Portanto, para mim o mais importante é que o Banco Central seja independente do poder político. O Banco Central não pode ser político, tem de ser independente e técnico“, vincou.
“Lóbis nunca tiveram a minha simpatia”
O próximo governador do Banco de Portugal também ficou conhecido pelo seu combate às rendas excessivas no setor energético. Foi justamente por causa dos famosos CMEC que foi ao Parlamento criticar os “lóbis” que na energia são muito poderosos. “Os lóbis nunca tiveram a minha simpatia”, afirmou aos deputados. Mais tarde haveria de refutar a ideia de que tinha sido demitido de ministro pelo ‘lóbi da EDP’.
Em entrevista ao ECO, no ano passado, considerou que a regulamentação do lóbi ainda tem “caminho para andar”. “É uma área em que Portugal pode aumentar a transparência para que as empresas, que sejam mais dominantes, não tenham uma influência desmedida comparativamente às outras empresas”, disse.
“Quando o lóbi não é regulado não há transparência suficiente. Isso faz com que as empresas incumbentes, as empresas dominantes, possam ter uma influência na legislação ou junto do Governo ou dos concursos públicos muito superior àquela que devia ser. Algo que não sucederia se houvesse maior transparência”, advogou.
Na banca irá enfrentar outros problemas. Designadamente de concorrência de mercado, que se traduz em juros baixos nos depósitos e muitas barreiras na mudança de banco, como fez questão de apontar a Autoridade da Concorrência (AdC) recentemente. As críticas ao comportamento dos bancos no tema dos depósitos foram recorrentes em Centeno. Como atuará Santos Pereira?
O próximo governador sublinhou no passado ao ECO a importância da concorrência. “É importante, primeiro, que os reguladores continuem bastante ativos e que mostrem exatamente a importância de termos uma política de concorrência cada vez mais forte. E, por outro lado, é fundamental aumentarmos a concorrência nestes setores, principalmente no setor dos serviços, que continua a ter barreiras muito elevadas, para conseguirmos ter um país mais produtivo e mais dinâmico”, referiu.
“O importante é que a dívida continue a baixar”
É um defensor da disciplina fiscal, mas dá primazia à dívida pública face ao défice orçamental. Em entrevista ao ECO, em julho de 2024, sublinhou que a redução do rácio da dívida pública “tem de ser uma prioridade total”.
“O mais importante é que se houver medidas de despesa, tem de haver medidas compensatórias. O que é importante é que a dívida continue a baixar. Isso é fundamental. Haver prudência fiscal é fundamental para que o país continue a recuperar e, principalmente, continue a ser um país atrativo para o investimento e que não tenha problemas no futuro. É fundamental manter a prudência fiscal, sobretudo para um país que tem uma dívida pública perto de 100% do PIB, como sucede com Portugal”, argumentou.
Mas para fazê-lo insiste num tema que lhe é caro, a aposta em reformas estruturais. “As reformas que estamos a falar ao nível da concorrência, das reformas de mercado de produto e de tornar o país mais competitivo e menos burocrático, ajuda as finanças públicas. Ao fazermos estas reformas — ao aumentarmos a concorrência e ao diminuirmos a burocracia –, vai ajudar à criação de emprego, vai ajudar a atrair mais investimento, dando azo a mais crescimento e a um rácio da dívida face ao PIB mais baixo. Portanto, é fundamental baixar a dívida”, justificou.
Quando questionado em junho pelo Expresso sobre se é essencial manter excedentes orçamentais, afirmou que “depende das circunstâncias”. “Achamos que pelo menos pequenos excedentes orçamentais podem ajudar”, disse.
Defensor da reforma da Administração Pública e da Justiça
Defensor fervoroso de reformas estruturais, numa apresentação na Associação Empresarial de Portugal (AEP), Álvaro Santos Pereira advogou que uma “reforma da Administração Pública e da justiça” é essencial, bem como a aposta na educação e formação e na consolidação e revitalização do tecido empresarial. Para o novo governador, é imperativo “reduzir custos de contexto”, com “menos burocracia”.
“Estando a atravessar um período em que economia está a crescer de forma razoável é importante pensar o que podemos fazer para a economia crescer 3 ou 4%. E a forma [de o fazer] é fazer reformas”, destacou. Numa análise àquilo que são os principais constrangimentos e desafios futuros da economia nacional, o ex-governante destaca que “reformas é algo que está a faltar a Portugal”.
Estando a atravessar um período em que economia está a crescer de forma razoável é importante pensar o que podemos fazer para economia crescer 3 ou 4%. E a forma [de o fazer] é fazer reformas.
Álvaro Santos Pereira tem sido aliás um defensor do combate à corrupção, tema que o opôs ao governo de António Costa, em janeiro de 2019, depois de a corrupção ter sido destacada, pela primeira vez, num relatório da OCDE sobre a economia portuguesa, era o economista então diretor do departamento de estudos sobre países da OCDE. Na base da conclusão estava o trabalho da equipa do antigo ministro e terá levado o Governo a pressionar para a retirada do capítulo. A publicação manteve-se, mas Álvaro Santos Pereira não esteve na apresentação do documento. Mais tarde foi ao Parlamento defender o mesmo.
Meses mais tarde, em outubro, considerou que há impunidade para quem “levou o país à bancarrota”. “A cultura de impunidade que temos no nosso país é uma pouca-vergonha para a nossa democracia e para a nossa justiça. O combate à corrupção deve ser um desígnio de todos os partidos”, disse.
“É importante colocar na ordem do dia o combate à corrupção. Tantos anos depois de o país ter caído na bancarrota e de termos tido a maior crise financeira da nossa história, continuamos à espera que haja consequências”, afirmou Santos Pereira, à margem da conferência Fábrica 2030, organizada pelo ECO em parceira com a Fundação Serralves.
Mecanismos que permitam reforma mais tarde
Com as pessoas a viverem cada mais tempo, e de forma mais confortável, deveriam ser criados mecanismos para que, quem quiser, possa trabalhar até mais tarde, defendeu Álvaro Santos Pereira, em outubro de 2020. O próximo governador do Banco de Portugal apontou a necessidade de “mudar o mercado de trabalho” para contribuir para a sustentabilidade do sistema de pensões
Santos Pereira salientou a necessidade de reformar a Segurança Social, nomeadamente no que diz respeito à poupança. “Poupamos cerca de metade do que poupa a União Europeia”, disse, algo que está relacionado com o sistema de pensões, que “não incentiva a poupança”. O então diretor do departamento de Economia da OCDE argumentou que se deve “simplificar possibilidade” de se poupar através da Segurança Social, incentivando a poupança e usando o sistema para “poder aumentar a poupança nacional”.
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