Operação Marquês. Sócrates regressa a tribunal e quer continuar a falar
Está marcada para esta terça-feira a sexta sessão de julgamento do Marquês. Sócrates pretende continuar a falar naquelas que são (ainda) só as alegações iniciais do arguido.
Na última sessão de julgamento da Operação Marquês antes das férias judiciais, realizada em Julho, José Sócrates abordou o tema do TGV, acusando os governos de António Costa e Pedro Passos Coelho de “covardia” por abandonarem projeto de alta velocidade. O antigo primeiro-ministro comparou ainda o Ministério Público à Inquisição, sublinhando ser vítima da acusação e que a linguagem do órgão público é tão “vaticânica” que mostra o que “está por detrás”.
E será este o tom que o ex-primeiro-ministro socialista levará à sexta sessão de julgamento que decorre esta terça-feira, em Lisboa. Por explicar está ainda o capítulo relativo a Vale do Lobo e os circuitos financeiros que começam em Carlos Santos Silva – seu amigo e arguido – e acabam em Sócrates. E devem ser esses os temas das próximas sessões.
José Sócrates e os restantes 20 arguidos da Operação Marquês estão a ser julgados no Campus de Justiça, mais de uma década depois de se ter conhecido o processo que acusa um ex-primeiro-ministro de corrupção. Após decisões instrutórias, confirmações de recursos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, extinções de sociedades acusadas pelo Ministério Público (MP) e prescrições, a acusação inicial do Ministério Público já perdeu sete arguidos, dos 28 iniciais.
O principal arguido, José Sócrates, inicialmente acusado de 31 crimes, vai responder por 22, entre os quais três de corrupção passiva de titular de cargo político, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal qualificada.
Ao longo das cinco sessões de julgamento, realizadas todas em Julho, José Sócrates adotou uma postura combativa, marcada por ironias, interrupções e confrontos diretos com a juíza Susana Seca e os procuradores. Já se perdeu a conta aos raspanetes que a juíza deu ao ex-líder socialista.
Idas à casa de banho sem autorização do coletivo de juízes, um tom de voz próximo do grito, apelidar as questões do Ministério Público como ‘idiotas’, teses da acusação que chamou de “amalucadas”, obrigar o procurador a tratá-lo por ‘senhor’, dizer constantemente que a juíza tem uma profunda hostilidade perante o arguido, interromper a juíza várias vezes falando mais alto são apenas alguns exemplos.
Lá fora, perante as inúmeras questões dos jornalistas, não deixou também de relembrar as reservas que tem aos meios de comunicação social. Ridículos, perguntas que só têm o objetivo de audiências, episódios em que alertou por diversas vezes algumas jornalistas ‘para não gritarem’.
O arguido apontou as suas ‘smoking guns’ – palavras usadas pelo próprio – às três juízas do coletivo, ao Ministério Público, ao Conselho Superior da Magistratura, ao procurador-geral da República e aos jornalistas. E insistiu que se trata de uma acusação “fantasiosa, delirante” e que segue “a lógica de que: há uma fortuna escondida porque há corrupção, há corrupção porque há uma fortuna escondida, uma justifica-se à outra, a premissa justifica a conclusão, e a conclusão justifica a premissa”.
Pelo meio, Sócrates foi alvo de várias advertências por parte da juíza e entregou vários requerimentos, dois que pretendiam afastar a magistrada do processo e denunciar a alegada má-fé de Amadeu Guerra. Na primeira sessão, começou pelo núcleo de factos relacionados com a PT, quer sobre sobre a OPA da Sonae, quer sobre o processo de alienação da participação na Vivo e passagem para a Oi no Brasil. Falou ainda da sua relação com Ricardo Salgado ou, mais precisamente, pela não relação, segundo contestou o arguido.
E foi na terceira sessão de julgamento que o Ministério Público questionou diversas vezes o principal arguido, sendo assim a primeira vez – em sede de julgamento – que os procuradores confrontaram Sócrates com a acusação.
Perante as críticas, o procurador Rui Real pediu ao tribunal para avisar o arguido no sentido de impedir um “bate-boca” no tribunal e “desrespeito” perante os magistrados. E Sócrates insiste: “Se o MP achou que me dirigi ao MP em termos desrespeitosos tem toda a razão. Depois de o que aconteceu esta manhã não tenho qualquer respeito pelo Ministério Público”, defendeu-se.
O MP optou por revelar (para que todos ouvissem na sala de tribunal) uma escuta de uma conversa entre Henrique Granadeiro e José Sócrates – de julho de 2013 – em que se ouve o último a relatar uma conversa ao jantar com Mário Soares e Almeida Santos em que comentavam as relações sexuais de Salazar. Sócrates ficou ainda mais irritado, acusando o tribunal de produzir um “momento de puro voyeurismo”.
O MP considerou pertinente a audição desta escuta – que continha “certos vernáculos” – para se perceber a proximidade da relação entre ambos. A juíza, porém, discordou dessa interpretação: “O tribunal lamenta o incidente ocorrido”.
Sócrates disse então que essa escuta era, nada mais nada menos, que um exercício de voyeurismo. Um exercício “indigno e que envolvia pessoas falecidas, e por um procurador que decide pedir ao tribunal uma coisa destas. Custa-me vê-los assim expostos de uma forma lamentável por um Ministério Público que não tem o direito de usar isto”, atirou.
O Ministério Público recorreu ainda a escutas ao motorista de Sócrates, João Perna, para demonstrar que o antigo primeiro-ministro mentiu quando afirmou que nunca jantou com o ex-banqueiro Ricardo Salgado.
Depois de na anterior sessão terem sido ouvidas escutas de conversas entre Sócrates e Salgado – em que se ouviam vários convites para almoçar ou jantar, que o ex-governante negou que tivessem acontecido, nomeadamente o jantar em casa do antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) –, o procurador Rui Real tentou demonstrar que esse jantar aconteceu, reproduzindo duas escutas ao ex-motorista, João Perna, também arguido no processo.

Nessa escuta, João Perna é ouvido a dizer isto: “É mesmo à magnata, sabes quem é o Ricardo Salgado, dono das moradias da Boca do Inferno? O Sócrates foi ali comer e agora tenho de estar aqui a servir de vela até à meia-noite”.
No dia a seguir, Perna é apanhado numa outra escuta: “Fui levá-lo a jantar a casa do Ricardo Salgado, só saí de lá à uma da manhã, porra”.
“É verdade que tenha lá estado em casa de Ricardo Salgado?”, pergunta o procurador. “Essa investigação policial parece-me muito interessante, mas vou desiludi-lo, estive até às 22:00 e fui a outra casa no Estoril, não quero dizer qual”, disse Sócrates, acusando o procurador do MP de querer “fazer um vaudeville” com as escutas”. Sócrates reiterou que apenas foi a casa de Ricardo Salgado para lhe entregar um livro e que terá permanecido cerca de meia hora.
Ainda sobre as relações com Ricardo Salgado, o MP voltou à questão de Sócrates ter ou não o número de telefone do ex-banqueiro e de ter ou não uma relação de proximidade com este e reproduziu uma interceção telefónica do ex-primeiro-ministro com o ex-administrador do BES Internacional e primo de Salgado, José Maria Ricciardi, na qual se refere a Salgado apenas pelo nome próprio, Ricardo, e de quem diz ser “muito amigo”.
A chamada, gravada em 2011, é reproduzida e ouve-se o ex-primeiro-ministro a desejar-lhe um “abraço de boas festas”. “Sou muito vosso amigo e queria dizer-lhe que, nesta época natalícia, pensei em vós”. Sendo o “vós” Ricciardi e Ricardo Salgado.
“Quando uso o termo amigo, é um termo que eu uso coloquialmente no convívio social, mas que não deve ser interpretado na condição de amigo. O Ricardo Salgado não é meu amigo, ele não me ligava nas festas”, justificou-se na sala de audiências.
Segundo explicou Sócrates em tribunal, a escuta prova que não tinha o número de telefone de Ricardo Salgado, nem sequer na sua agenda, tendo tido necessidade de voltar a pedi-lo à sua secretária quando mudou de telefone. E explicou ainda que a referência a um número específico para ser usado diretamente por si nos contactos com Salgado significava apenas que era um número reservado, que não devia ser partilhado com terceiros, não se tratando de nenhuma linha direta com o ex-banqueiro.
“Então a sua secretária tinha o telefone?”, pergunta a juíza Susana Seca. “A minha secretária era secretária do primeiro-ministro. E tinha o número de telefone de outras pessoas, e tinha o número de telefone de Ricardo Salgado que a secretária disse para utilizar, mas só se fosse o primeiro-ministro”, respondeu Sócrates.
“Esse facto não se pode retirar. O facto de o primeiro-ministro ter um telefone dedicado a esse contacto”, sublinha a juíza. “Não é isso que está escrito. O que está escrito é que a minha secretária tinha um telefone para utilizar e se o fizer, que seja só o primeiro-ministro a utilizar. O Ricardo Salgado dava número de telefone e pedia use só você. O que eu quero dizer é… oiça eu não tinha contactos”, respondeu, já visivelmente exausto. A sessão acabou por terminar meia hora mais cedo do que o previsto, precisamente porque Sócrates admitiu estar muito cansado.
Belmiro de Azevedo também não foi poupado. “Não há nada melhor para reconhecer um arrogante do que outro arrogante, mas eu tento controlar-me”. Na quarta sessão de julgamento, José Sócrates classificou Belmiro de Azevedo como um “arrogante com pingos de hipócrita. A primeira vez que Belmiro de Azevedo se sentou comigo disse-me: venho aqui resolver-lhe um problema”, em tom crítico face à postura do presidente da Sonae.
“O tom do engenheiro Belmiro de Azevedo era sempre de arrogância de quem achava que estava a fazer um serviço ao país. Ele tinha este sentimento, coisa que não me afetava por aí além. Sempre achei que era um traço de personalidade… afinal de contas, não há homens perfeitos e o engenheiro fez um trabalho empresarial no país. Achei que fazia parte das minhas funções de primeiro-ministro aturar essa arrogância”, sublinhou.
Questionado sobre reuniões com Belmiro de Azevedo e se em alguma o presidente da Sonae teria pedido ao governo para mudar de posição quanto à OPA da PT, José Sócrates garante que “não tem memória de reuniões em que o dr. Belmiro de Azevedo tenha pedido ao governo para mudar de ideia”.
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