Quando o tema é diversidade e inclusão, todos temos responsabilidades. No Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia, a Pessoas conta-lhe as medidas que as empresas estão a adotar.
Quem já recebeu comunicações assinadas pelo presidente do conselho de administração da TAP deve ter reparado num “detalhe”. Manuel Beja, que desempenha funções na companhia aérea desde junho, assina como chairperson e não como chairman, o mais habitual no mundo corporativo. Um pormenor que encerra em si uma forte mensagem: “Procuramos ser uma empresa na qual todos têm as mesmas oportunidades e responsabilidades, indiferentemente do género, etnia ou orientação sexual, por exemplo”, diz fonte oficial da TAP, acrescentando que este “pequeno” (e ao mesmo tempo enorme) detalhe na designação do cargo do gestor contribui para “promover a igualdade de género” numa empresa que “celebra a diversidade em todas as suas dimensões”.
A designação chairperson tem sido bem recebida pelos colaboradores e restantes gestores de topo, tal como todas as outras iniciativas que a TAP tem vindo a adotar para a promoção dos direitos da comunidade LGBTQI+ (sigla para lesbian, gay, bisexual, transgender, queer e intersex). Criou “serviços sociais” – que contam com um serviço de informação, aconselhamento e mediação para questões relacionadas com a diversidade LGBTQI+ no contexto do trabalho – e está ainda a implementar um canal que vai permitir denunciar todas as situações associadas à discriminação, violações do código de ética, infrações relacionadas ou fraude, assegurando “o anonimato e o tratamento confidencial de todas as situações denunciadas”.
A companhia aérea não está sozinha nesta preocupação. Na Free Now, a Speak Up tem um objetivo semelhante. Esta ferramenta digital, já operacional, “dá a todos os colaboradores a oportunidade de, anonimamente, partilharem as suas opiniões com a equipa de compliance”, explica Bruno Borges, general manager da Free Now em Portugal. “A ideia é incentivar os nossos colaboradores a socorrerem-se desta ferramenta caso alguém testemunhe ou experiencie alguma situação menos própria e que deva ser corrigida. Reforço, a ferramenta é 100% segura e anónima.”
A par da Speak Up, a empresa de mobilidade tem investido noutras iniciativas que solidificam o seu compromisso com a diversidade e inclusão (D&I). É o caso das Shift Talks – realizadas a cada trimestre em formato webinar ou workshop com base nas sugestões dos colaboradores e com o objetivo de consciencializar e educar –; das comunidades internas lideradas por funcionários, que pretendem incentivar um discurso positivo e a partilha de informações, criando espaços seguros para todos; e do guia de inclusão, criado para facilitar a adaptação e integração de todos os colaboradores, recém-chegados ou há mais tempo na empresa.
“Na Free Now impulsionamos a diversidade e a inclusão a todos os níveis, porque temos uma visão clara: queremos ser um empregador onde os mais diversos talentos possam encontrar lugar, ficar e dar o seu melhor para criar, em conjunto, uma plataforma que torne a mobilidade acessível a todos”, desde os colaboradores aos motoristas e até aos clientes.
“Somos a única plataforma de mobilidade no mercado nacional a dar formação aos seus motoristas e, precisamente, um dos módulos que compõem esta formação, incluído recentemente, é dedicado às boas práticas a assumir em relação aos clientes. Os temas da discriminação e do assédio são dois dos tópicos primordiais deste módulo”, continua Bruno Borges. Estas formações são obrigatórias para todos os motoristas ativos na plataforma e são dadas antes da primeira viagem.
Sem capas ou filtros no trabalho
No setor tecnológico, a Microsoft tem também mostrado empenho na criação de um espaço de trabalho seguro. “É a primeira empresa onde sinto que o tema de diversidade e inclusão é levantado como um ponto de discussão. Como imigrante de um país com baixo crescimento económico e social, sonhar com um futuro de oportunidades e inclusão era uma tarefa impossível. Quando a vida me deu a oportunidade de viver fora das minhas fronteiras e trabalhar numa empresa onde o meu valor reside em capacitar muitas perspetivas, qualquer necessidade de ocultar a minha verdadeira essência ficou completamente esvaziada”, conta Moisés Sousa, partner technical advisor da Microsoft Portugal, natural da Venezuela.
Moisés Sousa faz parte do GLEAM, uma plataforma constituída por voluntários da Microsoft com o objetivo de impulsionar mudanças nas políticas da empresa e no ambiente de trabalho relacionadas com a comunidade LGBTQI+. “O GLEAM foi impulsionado inicialmente pela Rita Piçarra, atual CFO da Microsoft Portugal, depois de ter vivido 12 anos em países como os EUA, França, Brasil e Espanha, e de ter notado que a Microsoft em Portugal estava a crescer a um ritmo muito elevado, e que ainda não tínhamos o chapter GLEAM localmente. Desafiou-me para avançarmos com a criação deste projeto em Portugal e arrancámos o grupo com apenas cinco membros”, recorda Sergio Matos, sr finance manager & GLEAM lead na Microsoft Portugal.
Um aliado é uma pessoa que toma intencionalmente a decisão de perceber, criar empatia e atuar para apoiar o outro; é um compromisso e uma prática ao longo da vida, que deve ser adotado por todos nós.
No primeiro ano, já contava com 60 membros internos e, atualmente, são mais de 90. “Como membro da comunidade LGBTQI+, é muito importante para mim ser fiel à minha personalidade. Parte da luta que mantemos pelos direitos da nossa comunidade começa por garantir que este é um tema de discussão no ambiente de trabalho, e que podemos trabalhar pela diversidade e inclusão em todas as atividades das nossas equipas. O GLEAM, para mim, representa a oportunidade de usar a minha plataforma laboral para informar e educar outras pessoas sobre temas importantes na luta LGBTQI+. Esta foi, sem dúvida, a razão que me incentivou a integrar esta equipa, e deixa-me muito orgulhoso pertencer a uma organização que promove os valores de diversidade e inclusão entre os seus colaboradores”, diz Moisés Sousa.
Na quase uma centena de membros do GLEAM, há colaboradores da comunidade LGBTQI+, mas também “aliados”. “Uma pessoa que toma intencionalmente a decisão de perceber, criar empatia e atuar para apoiar o outro; é um compromisso e uma prática ao longo da vida, que deve ser adotado por todos nós”, esclarece Sergio Matos. Os “aliados” são fundamentais no grupo, “de forma a eliminarmos as formas de discriminação e melhorarmos a empatia entre as pessoas das organizações”.
Este é também o ambiente com que a Ikea se identifica. “Todas as pessoas devem poder assumir-se como são no local de trabalho e entendemos que a inclusão LGBTQI+ é da responsabilidade de todos. Valorizamos as diferenças de cada indivíduo e encorajamos os nossos colegas de trabalho a serem eles próprios, porque acreditamos que a singularidade de cada um torna a Ikea melhor”, afirma Cláudio Valente, head of people & culture da empresa em Portugal.
Trazer o tema para a ordem do dia é importante, mas é preciso muito mais. É necessário que sejam assumidos compromissos e que este seja um objetivo central dentro das organizações.
À semelhança da Microsoft, a cadeia sueca criou um movimento de embaixadores interno que promove e celebra a diversidade. “Ter consciência dos nossos preconceitos inconscientes em relação a pessoas de diferentes orientações sexuais e identidades de género e tomar medidas para minimizá-los é um dos principais passos para sermos inclusivos. Por isso, é tão importante criar uma infraestrutura que permita tratar todas as pessoas com justiça, independentemente da sua orientação sexual ou identidade de género, promovendo ativamente na sociedade a igualdade de direitos e a não aceitação de comportamentos discriminatórios ou homofóbicos.”
A par deste grupo de embaixadores, a Ikea tem vindo a criar diferentes oportunidades de debate, consciencialização e compreensão, com iniciativas como a Semana da Diversidade; a celebração anual do Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia (IDAHOT); o apoio à Workplace Pride Foundation e Stonewall, duas organizações focadas na inclusão LGBTQI+ no local de trabalho; e o lançamento do podcast Igualmente, que dá voz a vários temas no âmbito da diversidade e inclusão. Num dos episódios, o podcast abordou a homofobia, transfobia e bifobia, com o objetivo de debater a discriminação da comunidade LGBTQI+ na sociedade e, especificamente, em contexto profissional.
Segundo um estudo da Ikea, realizado pela GlobeScan, apenas 58% dos inquiridos concorda que as pessoas devem ser livres de escolher o que vestir e como viver de acordo com o género com que se identificam, mesmo que tenham nascido com outro género.
Assumir compromissos. Agir. Participar
“É preocupante saber que ainda é comum as pessoas serem discriminadas na rua, em casa e no trabalho, com base na sua orientação sexual e identidade de género. Na Ikea isso não é aceitável. Procuramos, cada vez mais, inspirar outras empresas para que as políticas de igualdade e inclusão sejam mais ativas, fortes e constantes e para que estes comportamentos não sejam comuns nem aceitáveis. Trazer o tema para a ordem do dia é importante, mas é preciso muito mais. É necessário que sejam assumidos compromissos e que este seja um objetivo central dentro das organizações”, considera Cláudio Valente.
Apesar de o tema começar a receber a atenção e preocupação no mundo empresarial, o caminho ainda é longo. O estudo “Diversity at Work”, do ManpowerGroup, em Portugal dá conta da sua dimensão: apenas 34% dos profissionais e 41% do universo da comunidade LGBTQI+ sente abertura para revelar a sua orientação sexual no emprego. Mais de metade (59,52%) já assistiu a comportamentos não inclusivos no emprego e 20,24% diz que partilhar a sua orientação sexual já limitou as oportunidades de carreira. Números que fazem o general manager da Free Now em Portugal acreditar que é necessária “mais educação e consciencialização sobre a importância da diversidade e da inclusão nas empresas e na sociedade em geral”.
“Não se trata apenas de valores, é necessário implementar-se políticas para proteger e promover a diversidade e a inclusão no ambiente de trabalho. É muito importante ter uma estratégia e princípios sólidos de diversidade e inclusão para todos os colaboradores, bem como ferramentas para se aprender boas práticas ou para se punir o assédio e a discriminação no local de trabalho”, salienta.
É muito importante ter uma estratégia e princípios sólidos de diversidade e inclusão para todos os colaboradores, bem como ferramentas para se aprender boas práticas ou para se punir o assédio e a discriminação no local de trabalho.
Considerando que as empresas têm um papel fundamental nesta luta – não só para criar um espaço de trabalho inclusivo, como também para educar e provocar a mudança na sociedade – a TAP acredita que é fundamental combater o preconceito desde o início, a começar no processo de recrutamento. “Podemos destacar como boas práticas na área da diversidade, em geral, e às pessoas LGBTI+, em particular, as políticas de não-discriminação no recrutamento e seleção de profissionais”, refere fonte oficial da empresa, salientando que o tema tem de estar, obrigatoriamente, muito presente nos departamentos de RH.
Sergio Matos, da Microsoft, vai mais longe: “Quando falamos de LGBTQI+, falamos de 19 bandeiras e de vários conceitos que necessitam de ser desmistificados e compreendidos. As questões de D&I não são apenas de representatividade de género, orientação sexual, raça ou até antecedentes socioeconómicos, mas também de diversidade ao nível das competências e perspetivas; são complexas e têm diferentes velocidades, por isso devem ser sempre abordadas de forma holística”. Criar os grupos LGBTQI+ nas empresas é importante, mas, para o sr finance manager & GLEAM lead na Microsoft Portugal, o fundamental é “estimular a empatia por todas as dimensões de D&I nas organizações”, uma tarefa na qual “a gestão e lideranças têm um papel fulcral”.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Chairperson. Acima de tudo, somos pessoas
{{ noCommentsLabel }}