“Economia apresenta uma robustez inexistente nas últimas crises”, diz CEO do BCP
Miguel Maya considera que a economia portuguesa é agora mais resistente, mas alerta que "uma elevada agressividade na correção da política monetária poderá" conduzir a uma "exacerbação do risco".
A guerra na Ucrânia teve, no plano económico, como efeito mais nocivo o exacerbar dos riscos inflacionistas. O que se poderá traduzir “numa redução da procura agregada e condicionar o crescimento económico em Portugal e na Europa”, aponta o presidente executivo do BCP, em resposta a questões colocadas pelo ECO. Miguel Maya considera, no entanto, que “a economia portuguesa apresenta atualmente uma robustez inexistente nas últimas crises para enfrentar a presente conjuntura”.
O gestor, que é um dos nomeados na categoria de melhor CEO na relação com os investidores da 34ª edição dos Investor Relations and Governance Awards (IRGAwards), uma iniciativa da consultora Deloitte, assinala que “a posição periférica de Portugal na geografia europeia confere uma vantagem comparativa no setor do turismo, o qual constitui um importante elemento de suporte ao crescimento da economia nacional”.
Miguel Maya entrou para o conselho de administração do banco em 2009, com 45 anos, quase duas décadas depois de ter entrado para o Banco Português do Atlântico, entretanto adquirido pelo BCP em 1996. Chegou à presidência executiva em 2018, sucedendo a Nuno Amado.
Licenciou-se em Gestão de Empresas no ISCTE, que complementou com pós-graduações na AESE e INSEAD. Foi este mês eleito para um novo mandato que vai até 2025, tendo a seu cargo os pelouros da comunicação, recursos humanos, crédito, estudos económicos, sustentabilidade e criptoativos.
“A capacidade de decidir rapidamente com base na informação possível e disponível a cada momento”, a “ainda maior importância que o planeamento ganha em tempos de incerteza” ou “a importância da diversidade de pensamento”, são algumas das lições de gestão que tem aprendido com as sucessivas crises.
Que desafios é que a aceleração da inflação está a criar para o negócio e de que forma é que o Millennium BCP está a responder a eles?
Na transição para 2022 já era evidente uma trajetória de recuperação económica em Portugal subsequente à crise pandémica, estando a sua evolução algo condicionada pela incerteza sobre os efeitos adversos que poderiam estar associados a um eventual descontrolo das expectativas inflacionistas decorrentes da crise energética e de disrupções nas cadeias logísticas globais que os confinamentos ainda provocavam em algumas regiões.
O eclodir no passado mês de fevereiro da guerra na Ucrânia, para além do drama humano e social, absolutamente inqualificável e inaceitável, teve, no plano económico, como efeito mais nocivo o exacerbar dos riscos inflacionistas, que se poderá traduzir numa redução da procura agregada e condicionar o crescimento económico em Portugal e na Europa.
As principais consequências do conflito para a economia portuguesa, e naturalmente para o sistema financeiro, decorrem sobretudo dos seus efeitos indiretos, na medida em que as relações comerciais de Portugal com os países beligerantes, nomeadamente ao nível da dependência energética e relacionamento comercial com os mesmos, têm um peso muito diminuto na balança comercial nacional.
Não obstante o contexto externo adverso e as suas fragilidades estruturais, importa salientar que a economia portuguesa apresenta atualmente uma robustez inexistente nas últimas crises para enfrentar a presente conjuntura e que, nas atuais circunstâncias, a posição periférica de Portugal na geografia europeia confere uma vantagem comparativa no setor do turismo, o qual constitui um importante elemento de suporte ao crescimento da economia nacional.
O processo de recuperação da crise pandémica revelou-se célere e permitiu que a taxa de desemprego se situe em mínimos históricos, e que grande parte das famílias e as empresas apresentem uma condição financeira mais sólida, o que será crucial para atenuar os efeitos adversos do atual quadro económico. Adicionalmente, Portugal, bem como as restantes economias europeias, beneficiam de um estímulo sem precedentes de fundos europeus no quadro do NextGenerationEU, o que permitirá manter uma dinâmica favorável de investimento e de procura externa no espaço europeu.
O Millennium bcp, diria mesmo que o sistema financeiro português de uma forma geral, tem hoje uma condição financeira mais robusta e está muito melhor preparado para lidar com estes choques macroeconómicos do que tinha nas anterior crises. Nos períodos mais críticos e de maior incerteza da crise pandémica, o Millennium bcp destacou-se pela forma como apoiou a economia e esteve próximo dos clientes. A resiliência e agilidade que demonstrámos na adaptação a cenários extremos e de elevada imprevisibilidade, constituem competências que desenvolvemos e serão essenciais para continuarmos a apoiar os clientes ajustando a oferta e adaptando serviços de acordo com os diferentes contextos e necessidades.
Uma elevada agressividade na correção da política monetária poderá configurar um contexto de exacerbação de riscos.
A inflação trouxe também um novo ciclo de aumento das taxas de juro. Qual será a resposta do Millennium BCP a este novo enquadramento?
A política monetária europeia refletiu-se num longo período de taxas de juro negativas na zona euro, a qual, tendo sido essencial para assegurar a estabilidade financeira teve também implicações desfavoráveis, desde logo na significativa compressão da margem financeira dos bancos comerciais, mas também na perceção por parte de alguns agentes económicos de um enquadramento de taxas de juro ficcional, em que seria possível aceder indefinidamente a liquidez num quadro de remuneração quase inexistente ou mesmo negativa, o que obviamente poderá ter conduzido a determinadas bolhas de valorização em tipologias de ativos e a investimentos inviáveis em quadro de normalidade da politica monetária.
A expectável inversão das taxas de juro para terreno positivo, se efetuada de forma gradual, corresponderá à reposição de um ambiente de normalidade ao nível da remuneração que é requerida pela aplicação do capital, contribuindo para uma mais eficaz utilização de recursos.
Contudo, uma elevada agressividade na correção da política monetária poderá configurar um contexto de exacerbação de riscos num enquadramento em que se verifica uma moderação da economia mundial caracterizada por elevada incerteza sobre a evolução da atividade económica e significativas pressões inflacionistas. Neste processo de correção é crítico que as decisões sejam suportadas por dados, informação fiável, não dando espaço a reações emocionais intempestivas como por vezes surgem por parte de alguns comentadores.
Este enquadramento volátil e imprevisível exige um acompanhamento próximo efetuado por equipas de profissionais qualificados e profundamente conhecedores da realidade e necessidades dos clientes, explorando o potencial da relação simbiótica entre a rede de distribuição do Millennium bcp que os clientes valorizam e o recurso a tecnologia que permite níveis superiores de eficiência e conveniência.
O percurso efetuado nos últimos anos pelo Millennium bcp de substancial melhoria da qualidade do balanço, aliado ao rigor aplicado na concessão de crédito e ao relevante investimento efetuado nas estruturas para o respetivo controlo e acompanhamento, permitem-nos estar confiantes na capacidade do banco para, como fizemos durante a crise pandémica, identificar oportunidades para os clientes e contribuir para atenuar eventuais situações críticas com que se deparem.
Esforcemo-nos por cumprir com os compromissos de redução de emissões de carbono assumidos nos Acordos de Paris e com os princípios de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas e teremos tarefa suficiente para nos mobilizar no sentido correto.
“Shaping human lives through sustainability and technology” foi o tema escolhido para a edição deste ano dos IRGAwards, num convite à reflexão sobre a maneira como funcionamos enquanto sociedade e o legado que deixaremos às gerações futuras. O que é urgente mudar para deixarmos às próximas gerações um legado melhor?
As alterações climáticas têm conquistado uma relevância e atenção global, pois o impacto de fenómenos com intensidade e frequência crescente são hoje uma realidade inquestionável. Temos a responsabilidade de não comprometer as gerações futuras e só o conseguiremos se atuarmos agora, mudando comportamentos e rompendo com padrões que se revelaram extremamente nefastos para o planeta e para um desenvolvimento sustentável e equilibrado.
Esta não pode ser uma responsabilidade individual, nem é tema que se resolva com atuações isoladas ou coletivas de apenas alguns, por muito relevantes que sejam. A sustentabilidade das próximas gerações reclama cooperação e atuações concertadas ao nível global. Empenharmo-nos verdadeiramente em atingir os objetivos já traçados, pode não ser ambição suficiente nem garantia de sucesso, mas é certamente um caminho válido. Esforcemo-nos por cumprir com os compromissos de redução de emissões de carbono assumidos nos Acordos de Paris e com os princípios de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas e teremos tarefa suficiente para nos mobilizar no sentido correto.
Porque temos plena consciência do papel do sistema financeira neste propósito global, mas também da relevância do tema para a nossa própria sustentabilidade, incluímos a sustentabilidade como uma das prioridades estratégicas do Millennium bcp no ciclo 2021-2024.
Atuamos não apenas por via da redução das emissões que produzimos ou pela aplicação de políticas de diversidade e de desenvolvimento justo das pessoas ao nível da estrutura do Banco, mas também pela nossa atuação junto dos stakeholders externos e de apoio às comunidades em que nos inserimos.
Propomo-nos neste ciclo alcançar objetivos ambiciosos ao nível das finanças sustentáveis, com incorporação de fatores e critérios ESG nas soluções que disponibilizamos aos clientes, bem como nos processos de mensuração de risco e de decisão de crédito.
Da sua experiência como gestor, que lição considera mais valiosa para enfrentar o momento atual?
Nos últimos anos, temos vivido em Portugal uma sucessão de crises, financeira, divida soberana, pandemia, invasão da Ucrânia, que nos obrigaram a reforçar a capacidade de lidar com ambientes imprevisíveis e com enorme ambiguidade.
As lições foram múltiplas mas destacaria quatro que considero essenciais: (i) a capacidade de decidir rapidamente com base na informação possível e disponível a cada momento, tendo a agilidade para ir corrigindo rapidamente o que houver a corrigir; (ii) a ainda maior importância que o planeamento ganha em tempos de incerteza, pois não obstante sabermos que a realidade não coincide com nenhum dos cenários contemplados, a reflexão efetuada para os fazer revela-se da maior relevância para a qualidade das decisões que acabamos por tomar; (iii) a importância da diversidade de pensamento e a existência de fortes sistemas de governo e de controlo interno, que contribuem decisivamente para a qualidade das decisões e das atuações que empreendemos nos períodos de grande turbulência; (iv) o determinante que é o dispormos de equipas e profissionais altamente qualificados e com exímias capacidades de execução. Estar rodeado de equipas e profissionais de excelência, como felizmente estou (trabalhadores, equipa de gestão, conselho de administração) tem sido a pedra angular dos sucessos que temos alcançado.
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