Demora no “licenciamento é um entrave” às renováveis, dizem sócios da Sérvulo

Sofia Carreiro e Pedro Silveira Borges defendem que é necessário capacitar os organismos públicos e assegurar uma intervenção organizada das entidades públicas que promovem as políticas ambientais.

As energias renováveis em Portugal têm atraído uma atenção crescente de vários players internacionais, mas a demora nos processos de licenciamento tem sido um entrave ao investimento, afirmam Sofia Carreiro e Pedro Silveira Borges, sócios no departamento Comercial e Societário da Sérvulo & Associados.

“Vemos que muitos processos de licenciamento se arrastam no tempo, o que tem um impacto negativo para os investidores, mas também para Portugal, uma vez que atrasa a implementação de novos projetos, com prejuízo, em última instância, para o preço da energia que é praticado no mercado”, assinala Pedro Silveira Borges. Defende, por isso, que os organismos públicos que são chamados a pronunciar-se nestes processos sejam capacitados.

A Sérvulo organiza no dia 7 de junho a conferência “Manter a competitividade no mercado português das energias renováveis”, em parceria com a Amarenco, Glennmont Partners/BNZ e Triple Watt, onde serão debatidos temas como o investimento e financiamento do setor, as questões ambientais e o envolvimento das comunidades. Sofia Carreiro considera que a subida das taxas de juro não terá um impacto substancial no setor: “O investimento em produção de energia é feito com base em planos a 10 ou mais anos. A flutuação dos preços de curto prazo não influencia as decisões de investimento.”

As fusões e aquisições também continuarão em alta. Será natural que “exista um processo de concentração destes projetos em grandes fundos de investimento ou em players com uma posição consolidada no mercado português”, afirma a sócia da Sérvulo.

A guerra na Ucrânia e as sanções à Rússia levaram a um fortíssimo aumento do preço das matérias-primas energéticas. O valor elevado está, por um lado, a incentivar o investimento em combustíveis fósseis como o gás natural, mas por outro a dar um impulso acrescido às renováveis. Vamos assistir a esta política dúplice nos próximos anos?

Sofia Carreiro: Na nossa perspetiva, o foco deve estar em manter e até acelerar o investimento nas energias renováveis, cumprindo-se as metas europeias. As políticas públicas deverão consolidar os mecanismos existentes que fomentam a produção de eletricidade e de gases de origem renovável (como biogás ou hidrogénio), bem como continuar a fomentar mecanismos que visam o armazenamento de eletricidade — e assim colmatar as dificuldades advenientes da intermitência de algumas fontes de energia renovável.

O atual contexto vem mostrar que o investimento em renováveis realizado por Portugal nas últimas décadas foi uma aposta certeira. Mas estão a ser dados os incentivos certos para garantir uma maior eficiência na produção de energia?

Pedro Silveira Borges: A política energética que tem vindo a ser seguida em Portugal permitiu aumentar o nível de independência energética do País, reduzindo a emissão de gases com efeitos de estufa e o sobrecusto das energias de fonte renovável. O contexto atual de risco de abastecimento energético, e consequente escalada dos preços da energia, não tem o mesmo impacto na economia portuguesa que teria caso Portugal tivesse seguido uma política energética diversa. De facto, as alterações legislativas que têm vindo a ser implementadas andam lado a lado com a evolução tecnológica e de mercado, o que permite fomentar a eficiência. A título de exemplo, vemos que, muito recentemente, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, que regula o Sistema Elétrico Nacional, foram consagradas as figuras jurídicas da hibridização e do reequipamento que visam precisamente incentivar a eficiência. Parece-nos que este é um caminho que poderá continuar a ser trilhado, com a criação de incentivos adicionais.

De um ponto de vista global do sistema, existe um incentivo claro em permitir a hibridização de centros electroprodutores, conjugando diversas fontes de energia, de forma a evitar a ociosidade de determinados pontos de receção de energia elétrica.

Sofia Carreiro

A intermitência na geração de energia é uma das desvantagens apontadas às renováveis. A tecnologia está a resolver de forma competitiva este problema?

Sofia Carreiro: A produção de energias renováveis (seja eólica, geotérmica ou solar) é, por natureza, intermitente, uma vez que a respetiva produção está limitada à disponibilidade da respetiva fonte de energia. O armazenamento permite parcialmente colmatar esta desvantagem. Assim, o armazenamento de eletricidade é tendencialmente assegurado através do armazenamento da eletricidade em baterias ou através de tecnologias que permitam o aproveitamento de energia potencial, por exemplo, bombando água para as barragens com a eletricidade não aproveitada e, posteriormente, produzindo eletricidade com essa água. É no campo das baterias que se estão a realizar maiores progressos tecnológicos, mas que são ainda insuficientes para tornar esta tecnologia competitiva do ponto de vista económico. Verificamos ainda que, de um ponto de vista global do sistema, existe um incentivo claro em permitir a hibridização de centros eletroprodutores, conjugando diversas fontes de energia, de forma a evitar a ociosidade de determinados pontos de receção de energia elétrica.

Há quem defenda que se deve abandonar o mercado marginalista, que foi pensado para um contexto de custos variáveis, já que com o maior peso das energias renováveis a variabilidade tende para zero. Qual a vossa opinião?

Sofia Carreiro: O mercado marginalista, onde o preço da eletricidade é fixado pelo encontro da procura e da oferta, foi estabelecido para fomentar a eficiência do custo de produção de eletricidade, em benefício dos consumidores. Neste mercado, entram em concorrência tecnologias diferentes, onde algumas tecnologias se podem tornar estruturalmente menos competitivas – com tendência a desaparecer. Adicionalmente, a produção intermitente obriga à instalação de capacidade de produção potencialmente ociosa que, quando é necessária, pode aumentar de forma relevante os preços, nomeadamente em cenários de crise energética como o atual.

Com efeito, a baixa disponibilidade de produção de energia nuclear e renovável faz aumentar a necessidade da produção de eletricidade a partir de energias fosseis. Contudo, e apesar de a guerra ter feito disparar os preços das energias fosseis, é importante entender que se trata de um contexto único (excecional). Assim, no nosso entendimento, o debate deve centrar-se na forma de potenciar a produção de energias renováveis a partir de fontes de energia diferentes e complementares, bem como em fomentar a introdução de mecanismos que mitiguem a intermitência das fontes de energia renovável, como o armazenamento e hibridização.

O investimento nas redes de energia tem sido insuficiente? Que constrangimentos é que isso coloca?

Pedro Silveira Borges: Existem três tipos de investimento na rede: o que permite a descentralização dos centros de produção, o que permite aumentar a disponibilidade do transporte e distribuição e o que permite dar liquidez ao mercado.

O primeiro tipo de investimento pode ser considerado como um custo de produção e ser utilizado na consideração económica do licenciamento de uma unidade de produção descentralizada.

Os segundo e terceiros investimentos traduzem-se em capacidade que onera o custo fixo da rede (e indiretamente o custo da eletricidade no consumidor). Trata-se de uma decisão de planeamento político, com impactos, a curto prazo, no encarecimento do custo ao consumidor e, a longo prazo, na garantia do abastecimento energético e na competitividade internacional dos preços. Por conseguinte, a questão a ser colocada deverá incidir sobre o ritmo a que este investimento deve ser efetuado, sendo que o orçamento a ele dedicado implica uma redução do orçamento de outras despesas que poderão ser igualmente essenciais para o País.

O investimento nas energias renováveis ainda enfrenta vários constrangimentos, sobretudo ao nível do licenciamento. Estamos a afastar investidores?

Pedro Silveira Borges: Com efeito, existe uma noção clara de que o licenciamento é neste momento um entrave. O governo tem vindo a tentar simplificar o processo de licenciamento através de nova legislação. Não se pode dizer que estamos a afastar investidores, uma vez que o interesse em Portugal e, em particular, no setor das energias renováveis tem atraído crescente atenção de vários players internacionais. No entanto, vemos que muitos processos de licenciamento se arrastam no tempo, o que tem um impacto negativo para os investidores, mas também para Portugal, uma vez que atrasa a implementação de novos projetos, com prejuízo, em última instância, para o preço da energia que é praticado no mercado.

Parece-nos essencial assegurar que os organismos públicos, que são chamados a pronunciar-se nestes processos, sejam capacitados, no sentido de assegurar tomadas de decisão mais céleres.

Pedro Silveira Borges

O que seria necessário para encurtar os tempos de resposta e conferir maior previsibilidade aos processos?

Pedro Silveira Borges: As alterações legislativas que têm vindo a ser implementadas vão no sentido de flexibilizar o processo de licenciamento e, deste modo, foram bem recebidas pelo setor. Parece-nos, contudo, que ainda existe espaço para melhorar e clarificar alguns aspetos do regime jurídico aplicável. Sem prejuízo destas considerações, parece-nos essencial assegurar que os organismos públicos, que são chamados a pronunciar-se nestes processos, sejam capacitados, no sentido de assegurar tomadas de decisão mais céleres, imprescindíveis aos players no mercado.

O impacto ambiental e paisagístico destas infraestruturas pode vir a tornar-se um entrave ao desenvolvimento dos projetos?

Sofia Carreiro: Tal como o orçamento, o território é finito. A utilização do território para fins de produção de eletricidade implica a descontinuidade da utilização do mesmo território para outros fins. Mais do que uma questão ambiental, haverá uma decisão a ser tomada entre a utilização do território para fins energéticos ou para fins agrícolas. Esta decisão não pode ser exclusivamente económica (porque a agricultura gera menos valor económico) e deve ser estratégica.

No que respeita às questões ambientais, é essencial assegurar uma intervenção organizada das entidades públicas que promovem as políticas ambientais, sendo esta a melhor forma de assegurar a sua preservação. Na nossa perspetiva, é igualmente importante assegurar certeza ao investimento, nomeadamente no que respeita às zonas em que poderá ser implementado um projeto desta natureza e conferir os incentivos adequados a reduzir o impacto visual destas centrais. De notar que os investidores e promotores que atuam no setor das energias renováveis são particularmente sensíveis às questões ambientais, tendo disponibilidade e capacidade para investir na proteção do meio ambiente, o que reforça a necessidade de ser conferida certeza ao investimento.

Vemos, ainda, com bons olhos a consagração da figura do reequipamento, que permite a substituição do equipamento utilizado por equipamento com tecnologia mais eficiente, permitindo reduzir a zona de implantação das centrais.

O aumento das taxas de juro pode restringir o investimento ou os preços mais elevados da energia acabam por ser um incentivo maior?

Sofia Carreiro: O investimento em produção de energia é feito com base em planos a dez ou mais anos. A flutuação dos preços de curto prazo não influencia as decisões de investimento. A decisão de investimento é influenciada pela perspetiva dos preços de eletricidade a longo prazo, que, em alguns casos, podem ser fixados através de contratos a longo prazo entre os produtores e os consumidores/Estado e, noutros, através da compra de instrumentos financeiros de mercado de fixação de preço.

Na verdade, como referido, um projeto desta natureza é projetado tendo em conta um horizonte temporal alargado. A incerteza, tanto no investimento como no retorno, é encarada com alguma naturalidade, existindo mecanismos para mitigar esta incerteza.

Será ainda natural que exista um processo de concentração destes projetos em grandes fundos de investimento ou em players com uma posição consolidada no mercado português.

Sofia Carreiro

É possível que a construção e alguns projetos sejam ameaçados? Quem licitou nos leilões do solar fotovoltaico com tarifas muito baixas está mais exposto à subida dos custos de financiamento?

Pedro Silveira Borges: Quem ganhou os leilões com o Estado, fixou, através desses leilões o preço de venda da eletricidade, e simultaneamente terá assegurado a taxa de juro dos financiamentos a longo prazo. Se for este o caso, esses projetos são indiferentes às condições atuais de financiamento. Se não foi o caso, então o agravamento das taxas de juro pesará no retorno de capital desses investidores.

Se considerarmos que os modelos de remuneração dos leilões foram estabelecidos para um período de quinze anos, tendo sido conferido um ponto de injeção sem prazo, parece-nos que estes mesmos projetos poderão continuar a ser interessantes – se necessário for – para outros investidores que tenham estratégias de investimento e expectativas de retorno no tempo mais alargadas.

O forte investimento no setor significa que este será um ano animado em termos de novos investimentos e fusões e aquisições? Que tipo de players têm estado mais ativos em Portugal?

Sofia Carreiro: Ao longo dos últimos quatro a cinco anos, temos verificado um crescimento substancial das transações de M&A neste setor e temos a expectativa que este movimento continue nos próximos anos. Trata-se de um setor com um enorme número de intervenientes, com capacidade e know-how diferentes, o que beneficia que os projetos acabem por “mudar de mãos” várias vezes. Será ainda natural que exista um processo de concentração destes projetos em grandes fundos de investimento ou em players com uma posição consolidada no mercado português.

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