Guerra de números: as armas do Governo e da oposição sobre a economia

  • Margarida Peixoto
  • 8 Março 2017

Não foram só os offshores ou a supervisão bancária que marcaram o debate quinzenal. O Governo e a direita travaram uma verdadeira guerra de números sobre a atividade económica. O ECO explica.

Os indicadores são basicamente os mesmos e o ano de referência é o mesmo. Mas o país retratado pelo Governo e pela oposição no debate quinzenal desta quarta-feira não parece coincidir. António Costa diz que a economia acelerou e que os “bons indicadores” se confirmaram. Pedro Passos Coelho defende que esta é uma “visão idílica” e clama que os únicos dados positivos não resultam da ação do Governo. Descubra as diferenças entre o Portugal do Governo e o Portugal da direita. E de caminho, fique a saber o que cada um não disse.

Portugal, segundo Costa

O que o primeiro-ministro disse

“No quarto trimestre de 2016, Portugal registou um crescimento homólogo de 2%, acima da média da zona euro e do conjunto da União Europeia”, disse o primeiro-ministro. “A taxa de desemprego baixou em dezembro de 2016 para 10,2%, com uma criação líquida de 118 mil postos de trabalho” ao longo de 2016, somou.

Depois, Costa usou os indicadores de confiança dos consumidores, frisando que voltaram a “atingir em fevereiro o valor máximo desde 2000”. Frisou que o investimento cresceu 4,6% no último trimestre do ano passado, que as exportações cresceram 4,4% em 2016, “com uma clara aceleração na segunda metade do ano”, atingindo assim um crescimento de 6,4%. Aqui, aproveitou para sublinhar que “a balança de bens e serviços registou um aumento de 900 milhões de euros do excedente”.

O primeiro-ministro rematou com os dados do défice orçamental, reiterando que o desequilíbrio orçamental não irá além de 2,1% do PIB, “com um saldo primário superior a 2%.”

O que Costa não disse

António Costa referiu-se aos dados do PIB, revelados pelo Instituto Nacional de Estatística a 1 de março. O racional que está subjacente à afirmação do primeiro-ministro é o de que o ritmo de crescimento da atividade económica acelerou na segunda metade de 2016. Este foi o crescimento homólogo, registado num trimestre, mais elevado desde 2010.

Mas o que o primeiro-ministro não disse foi que este crescimento conseguido no final do ano foi insuficiente para cumprir a meta que tinha sido estabelecida em fevereiro, de 1,8%. Também não chegou para conseguir um resultado melhor do que o de 2015: o crescimento anual foi de 1,4% em 2016, contra 1,6% obtidos no ano anterior.

Sobre a taxa de desemprego, Costa usou o valor mensal de dezembro, que é um bom indicador da evolução, mas que não reflete o que aconteceu, em termos médios, ao longo de 2016. A taxa de desemprego do quarto trimestre foi de 10,5% e a média anual ficou em 11,1%.

No que toca ao investimento, o primeiro-ministro também optou por omitir o facto de, em termos anuais, se ter registado uma contração de 0,9%. Da mesma forma que não referiu que as exportações desaceleraram nos primeiros trimestres de 2016 e que em termos médios cresceram menos do que em 2015: 4,4% contra 6,1%.

Portugal, segundo Passos Coelho

O que o líder do PSD disse

“Os resultados em concreto, os que se referem ao crescimento, ficaram aquém do que o Governo propôs”, frisou Passos, acusando o Executivo de Costa de mostrar “regozijo por afinal as coisas não serem piores.” O líder dos social-democratas notou que o “crescimento [económico] desacelerou em relação ao ano anterior” e lembrou que apesar do aumento do investimento no quarto trimestre, este “contraiu durante todo o ano”.

Passos lembrou ainda que as agências de notação de crédito mantêm Portugal em nível de “lixo” e que o Governo “fica contente por não terem degradado mais o rating.” Sublinhou que “a dívida pública cresce no rácio do PIB” e argumentou que os únicos dois indicadores que se “salvam” são o “emprego e a balança externa” — sendo que para a balança externa não contou “o contributo do Governo”, defendeu.

Para o líder do PSD, nem o crescimento, nem a redução do défice têm por base melhorias estruturais. E retomou o exercício de cálculo do défice sem contar com alguns efeitos: “Sem medidas one-off, [o défice] terá sido reduzido em 0,4 pontos percentuais relativamente ao ano anterior. O Governo caiu no investimento metade de um ponto percentual e caiu na despesa pública cerca de 0,2 pontos. Se ao saldo sem one-off, somássemos o compromisso do Governo, o resultado em vez de ser um saldo melhor em 0,4 pontos seria um défice de 3,2% do PIB.”

Por tudo isto, o PSD não partilha “da visão idílica que [o Governo] aqui quer traçar.”

O que Passos não disse

Passos ignorou que a tendência de 2015 foi de abrandamento do crescimento, enquanto a de 2016 foi de recuperação da atividade económica. Isto é válido tanto para o comportamento do PIB, como para o comportamento o investimento.

É certo que as agências de notação de crédito ainda não melhoraram o rating de Portugal mas têm reconhecido a melhoria verificada no défice e no mercado de trabalho, tal como a estabilidade política. O racional da manutenção de notas abaixo do nível de investimento tem que ver com a dívida pública ainda demasiado elevada e um ritmo de crescimento baixo, que denunciam dificuldades estruturais de crescimento — problemas que não se resolvem num ano.

Sobre os números do défice, o líder do PSD optou por usar a informação apurada pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), que estima um resultado pior do que a previsão mais recente do Executivo (2,1%). Os números oficiais só serão conhecidos a 24 de março.

Para os peritos do Parlamento o défice deverá ter ficado em 2,3% do PIB no ano passado, representando uma melhoria de 0,4 pontos percentuais face a 2015, se forem descontados os efeitos extraordinários, tal como referiu Passos. Mas o líder do PSD não reconheceu que a própria Comissão Europeia já disse que Portugal está bem encaminhado para sair do Procedimento por Défices Excessivos — uma meta que tinha sido assumida como ponto de honra do Governo de coligação do PSD/CDS-PP e que não foi cumprida — e que, a verificar-se, este será o défice mais baixo da democracia portuguesa.

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