Harpoon.Jobs. “Já não há guerra de talentos. O talento ganhou a guerra”

Não basta o salário, nem os benefícios ou mesmo o trabalho remoto. O talento está à espera de um conjunto de de condições, às quais se junta o propósito.

Já não se trata só de salário. Nem de benefícios. Nem mesmo apenas de trabalho remoto. O talento está cada vez mais sofisticado nas necessidades. “É um conjunto de condições”, às quais se junta o propósito, um ingrediente fundamental nesta receita, acredita Mathieu Douziech, fundador e coCEO da Harpoon.jobs. “A questão do propósito é cada vez mais importante. De que forma é que esta empresa vem enriquecer a minha vida? Enriquecer não no sentido monetário, mas ao nível de experiência, contributo, impacto… É isso que é, cada vez mais, valorizado entre os candidatos.”

O conceito de “guerra de talentos” está, para o mentor da plataforma de match de talento com uma forte vertente tecnológica, mais do que ultrapassado. “Já não há guerra. O talento ganhou a guerra”, salienta. São os candidatos que ditam a regra do jogo, e cabe às empresas acompanhar a jogada, para não ficarem pelo caminho.

Freelancing, contracting, partilha de profissionais e competências, work-life integration… São termos que começam a entrar no léxico das organizações e que são a grande tendência na gestão de pessoas. É, precisamente, nesta abordagem que Mathieu Douziech acredita que a Harpoon.jobs, fundada há seis anos, se consegue diferenciar. “Em vez de procurarmos uma pessoa a full-time, procuramos competências, seja full-time, seja part-time, seja num indivíduo, seja numa squad de pessoas”, explica.

Numa entrevista a quatro, a Pessoas conversou com o fundador e coCEO da empresa, a nova coCEO, Maria Falcão, e Elísio Sousa, chief operating officer, sobre os planos da plataforma, o panorama do recrutamento, as dificuldades sentidas e principais tendências na gestão de pessoas.

A Maria Falcão junta-se à Harpoon.jobs com a missão de “potenciar o negócio, aumentar a notoriedade da empresa e expandir a atuação da empresa a novos mercados”. Que mercados estão na mira?

Maria Falcão (MF): Neste momento trabalhamos em Portugal, Espanha, Brasil, Reino Unido, França e estamos a desenvolver negócio na Polónia e na Roménia. No fundo, temos uma atuação à escala global. As oportunidades vão surgindo e nós vamos encontrando forma de responder aos desafios noutras geografias.

Temos uma equipa que nos permite aceder aos melhores talentos e fazemos isto de uma forma muito orgânica. Temos uma equipa fixa, com base em Portugal (o Mathieu está em Banguecoque) e, quando estamos a entrar numa nova geografia, temos uma equipa local de consultores que nos ajuda onde nós, organicamente, não chegamos sozinhos. Neste momento somos oito pessoas fixas.

Esperam um crescimento de 40% este ano. Em que pilares assenta o plano de crescimento?

Mathieu Douziech (MD): O Harpoon nasceu há seis anos, como uma solução de recrutamento com uma base tecnológica forte e, progressivamente, ao longo dos anos, fruto de pedido dos clientes e de conhecimento do mercado, optámos por tornar o Harpoon numa solução muito mais abrangente, que chamamos “power house do talento”, que tem como core business recrutamento, mas, além disso, um conjunto de soluções que permitem acompanhar candidatos e empresas ao longo dos vários ciclos da vida.

Nesse sentido, diversificámos a nossa oferta. Temos serviços de assessment, mentoria, coaching, programas de immersive learning… Além disso, temos uma terceira vertente de negócio, a que chamamos business to candidate. Trata-se, basicamente, de fazer a ponte entre os candidatos e uma pool de coaches e assessores de carreira, presente na nossa própria plataforma. Uma pool de career advisores que também funciona muito bem.

Em 2016, quando nasceu a Harpoon.jobs, não havia ainda a quantidade que há agora de plataformas de match entre talento e empresas. O que é que diferencia a vossa proposta das demais no mercado?

Elísio Sousa (ES): Quando o Harpoon surgiu não havia nenhum modelo de negócio como o nosso e, inacreditavelmente, hoje continua a não existir. Quando o Harpoon surgiu tínhamos a ambição de ser uma solução puramente digital, onde o match era feito com o nosso algoritmo, com uma aplicação que fazia o matching e colocava talento e empresas a falarem diretamente. Com o avançar dos anos percebemos que, mantendo a vertente digital, tínhamos de acrescentar algo, a que chamamos de inteligência coletiva, que era utilizar a tecnologia para potenciarmos a rede de contactos e que o matching fosse também feito por referenciadores e advisors que temos espalhados pelo mundo todo.

Temos capacidade de ir verificar onde é que estão esses perfis, mesmo que eles nem sequer saibam ainda o nome dessa função.

Elísio Sousa

Isto fez com que, ainda antes da Covid, o Harpoon quebrasse barreiras. De repente, já não estávamos a recrutar tecnologia só através de pesquisa para Portugal, mas um mundo de talento sem fronteiras era a nossa pool. Isso é o que nos distingue ainda hoje de outras empresas de recrutamento. É utilizar a tecnologia, não por ser apenas uma ferramenta, mas para tornar o processo mais rápido, mais eficaz e ajudarmos de facto as empresas a recrutarem para novas posições e para os desafios que têm pela frente. Somos a empresa que vai encontrar as competências certas e as pessoas que facilmente se vão adaptar a esses novos desafios.

Com a pandemia, isso tornou-se mais evidente. Hoje, temos muitas empresas que nos pedem perfis de transformação digital, perfis de inovação, perfis que não existem ainda… E nós temos capacidade de ir verificar onde é que estão esses perfis, mesmo que eles nem sequer saibam ainda o nome dessa função.

As necessidades das empresas têm evoluído muito rapidamente, não só em termos de funções, mas também de perfis. O que procuram, agora, os empregadores?

ES: Hoje em dia, as empresas precisam de pessoas que sejam, não só boas naquilo que sabem fazer, mas essencialmente que sejam resilientes e empáticas, para saberem gerir a instabilidade e a insegurança que as suas equipas sentem. Também querem pessoas que tenham uma capacidade de adaptação muito grande, porque, de repente, o mercado fecha, o trabalho passa a ser híbrido, as equipas têm outras necessidades… As empresas precisam de perfis com um mindset digital, capaz de, a qualquer momento, transformar aquilo que sempre se fez de determinada maneira num novo processo digital.

Em termos de função, cada vez mais as empresas procuram perfis analíticos, data scientists, perfis de web3, perfis de transformação digital da estratégia do negócio, seja em que setor for.

E como é que a Harpoon.jobs faz para encontrar esse talento, que é tão escasso?

ES: A nossa forma de abordar esse desafio é usar o modelo que desenhamos para o recrutamento, que se baseia em três afluentes, que desaguam na mesma foz. Primeiro, colocamos o desafio dentro da nossa plataforma digital. O nosso algoritmo corre a nossa base de dados à procura do match ideal entre aquilo que a empresa está à procura e aquilo que o nosso talento tem e tem potencial para dar.

Ao mesmo tempo, ativamos aquilo que chamamos de inteligência coletiva, uma rede de referenciadores e de advisors, pessoas de topo, em diversos setores e em diversas geografias, que também nos fazem chegar boas pessoas, aquilo que nós chamamos as ‘agulhas no palheiro’, que normalmente estão debaixo do radar tradicional. Finalmente, fazemos também pesquisa direta, usando todas as ferramentas à nossa disposição.

Com estes três afluentes, avaliamos, testamos, entrevistamos e selecionamos os melhores candidatos, tanto em termos de fit técnico, como cultural, para apresentar aos nossos clientes. É por isso que somos muito rápidos. Em média, em duas semanas apresentamos as boas pessoas, seja para que desafio for.

MD: Acreditamos verdadeiramente na inteligência coletiva e, sendo seletivos na entrada, garantimos que talentos trazem outros talentos. Se formos seletivos na entrada de talento na plataforma, a seguir, as referências que vão ser feitas pelos vários parceiros de recrutamento que temos têm uma maior probabilidade de ser boas.

Quantos candidatos estão, neste momento, inscritos na plataforma?

MF: O número está em permanente crescimento, mas, neste momento, temos cerca de 20 mil talentos qualificados espalhados pelo mundo tudo.

E quantas empresas já ajudaram a contratar o melhor talento?

MD: Mattieu: De forma geral, em seis anos, trabalhamos com mais de 100 empresas.

Há algum setor que se destaque?

MF: O nosso objetivo é somos verdadeiramente um parceiro estratégico e uma extensão do departamento de recursos humanos. Trabalhamos, sobretudo, com empresas de retalho, banca, saúde, seguradoras, energia e grande consumo.

ES: Temos também trabalhado cada vez mais com startups e scale-ups de elevado crescimento que precisam dessa ajuda para ter perfis de topo numa fase de crescimento muito rápido.

Qual o ingrediente comum entre as empresas que maior facilidade têm em recrutar?

ES: Aquilo que vamos vendo que funciona melhor é a experiência do candidato no processo de recrutamento. É o que funciona melhor para a atração. No final do dia há sempre características que são fundamentais: tem de haver alinhamento de salário, um projeto que valorize e signifique um evoluir da carreira… Mas, na verdade, a experiência de recrutamento é fundamental.

Normalmente, são duas entidades, um talento e uma empresa, que não se conhecem e têm uma fase de namoro, onde, se não há vontade de se conhecer mais, onde se não se sente uma base de entendimento, de empatia e até de entusiasmo, vai ser difícil um candidato sair de onde está confortável para abraçar o desconhecido. O processo de recrutamento tem de ser rápido e ágil, tem de corresponder às expectativas do talento e, sobretudo, ser transparente. Um processo onde até a empresa de recrutamento não ajude à transparência e à agilidade, não vai correr bem.

Um recente estudo da CEMS diz que o talento já valoriza tanto o bem-estar como o salário. Quais as condições fundamentais atualmente para os candidatos?

MD: Há anos que falamos desta guerra de talentos. Já não há guerra. O talento ganhou a guerra. Acho que é um conjunto de condições, de forma geral, e de propósito. A questão do propósito é cada vez mais importante. Já não é apenas uma questão de salário. Já não é apenas uma questão de benefícios. Já não é apenas uma questão de remote working.

No momento da entrevista onde colocamos a pergunta “Tem alguma dúvida?”, agora, se não for a primeira, é a segunda: “Qual é o modelo de trabalho da empresa?”. There’s no way back. As empresas que vão pretender voltar a 100% os seus colaboradores ao escritório vão perder pessoas. É, no fundo, uma mistura de propósito e de condições de forma geral que procuram os candidatos.

Mathieu Douziech

É, verdadeiramente, uma questão de propósito. De que forma é que esta empresa vem enriquecer a minha vida? Enriquecer não no sentido monetário, mas ao nível de experiência, contributo, impacto… É isso que é, cada vez mais, valorizado entre os candidatos. Obviamente que, além disso, as condições continuam a ser muito importantes, começando desde logo pelo salário. Mas não é a primeira coisa que vem à cabeça dos candidatos.

É uma questão de experiência, de oportunidade de crescimento, de propósito, uma questão — sim, é verdade — de remote working. No momento da entrevista onde colocamos a pergunta “Tem alguma dúvida?”, agora, se não for a primeira, é a segunda: “Qual é o modelo de trabalho da empresa?”. There’s no way back. As empresas que vão pretender voltar a 100% os seus colaboradores ao escritório vão perder pessoas. É, no fundo, uma mistura de propósito e de condições de forma geral que procuram os candidatos.

Passamos da era do work-life balance para work-life integration…

ES: A guerra do talento existia porque existiam algumas verdades escritas em pedra, que as pessoas tinham de estar no local de trabalho, que para crescer profissionalmente tinha necessariamente de ser um crescimento vertical, que só um chefe é que podia ser valorizado dentro de uma organização… De repente essas pedras foram completamente quebradas. E isto não é uma questão geracional. De repente, pessoas que têm 20 e 30 anos de carreira, ao perceberem que estas verdades desapareceram, sentem-se finalmente com coragem para dizer “Porque é que eu estou há 20 anos a fazer este percurso? Porque é que eu não posso ser outra coisa? Porque é que a empresa não me pode dar mais? Porque é que só posso trabalhar em Lisboa? Porque é que eu não posso trabalhar para Estocolmo?”.

Hoje em dia, conceitos como carreira, work-life balance vão desaparecer. O talento, de qualquer idade, precisa de sentir-se valorizado, precisa de propósito e precisa que as organizações olhem, efetivamente, para isso. A quantidade de pessoas que estão há muito tempo a sair para empresas como o Airbnb, que oferecem de forma transparente, modelos flexíveis, mais alinhados com o seu propósito, não vai parar. Nunca mais vai parar.

Até existe outra coisa, que acho que é muito mais relevante. Porquê um colaborador e um vínculo a uma organização? De repente, as pessoas percebem que podem ter vários papéis, vários chapéus e as empresas vão ter de perceber — nós queremos ser parceiros nesse entendimento — que se calhar não precisam de ter uma pessoa oito sobre cinco dentro de casa. Se calhar, precisam de ter várias pessoas, e essas pessoas podem ser partilhadas. Essas competências podem ser partilhadas. Isto é uma tendência que vai mudar o mercado de trabalho.

Vocês sentem que já há interesse por parte das empresas neste tipo de vínculo? E até em regimes de freelancing e contracting, ou será que as empresas ainda estão muito fixadas em modelos de trabalho mais convencionais?

MD: É uma tendência de fundo. As empresas são cada vez mais abertas a este tipo de funcionamento porque procuram competências antes de tudo. E também há cada vez mais colaboradores que deixam o mundo empresarial para abraçar uma vida de contracting ou de freelancing.

Portugal, para ser muito honesto, não é um mercado desenvolvido como uma Alemanha, Holanda, os países nórdicos ou França, que são os países onde o freelancing está mais desenvolvido, mas, pouco a pouco, está a chegar. O conceito de interim management já tem o seu lugar em Portugal.

A razão pela qual o freelancing não está muito desenvolvido em Portugal passa por razões legislativas?

MD: Acho que não. Acho que é mais uma questão de as empresas ainda não se terem aberto a este tipo de vínculo.

Falta a tal mudança de mindset, sobretudo nas empresas mais tradicionais?

MD: Totalmente.

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