Impacto da CGD no défice? Costa no passado e no presente

  • Margarida Peixoto
  • 11 Março 2017

Em sete meses, o discurso do primeiro-ministro sobre o impacto da recapitalização da CGD no défice foi evoluindo. São nuances, mas das quais vale a pena dar conta.

Afinal, a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos vai ter impacto no défice? A decisão ainda está a ser desenhada nos gabinetes de estatísticas de Lisboa e de Bruxelas. Mas, no entretanto, vale a pena prestar atenção à forma como o discurso do primeiro-ministro evoluiu, em sete meses. É que, neste caso, as nuances importam.

António Costa no passado

Não atinge défice nenhum. Em primeiro lugar porque, como sabe, quando foi tomada a decisão sobre a não aplicação de sanções foi dito que o défice deste ano deve ser 2,5% sem que qualquer tipo de apoio ao sistema bancário seja contabilizado para esse fim. Portanto, não é contabilizado para efeitos de défice” — esta foi a explicação do primeiro-ministro, citado pela Lusa, a 25 de agosto de 2016.

António Costa no presente

“Essa é uma questão que terá primeiro de ser respondida pelo Instituto Nacional de Estatística e o Eurostat: saber a que anos vão ser imputados este esforço de recapitalização visto que o critério que vigora atualmente — como se sabe os critérios são sempre relativamente móveis — é que só conta para o défice a parte da recapitalização que serve para cobrir perdas passadas“, diz agora o primeiro-ministro.

António Costa manifesta uma preferência sobre a contabilização — “o critério normal deveria ser distribuir o esforço pelos diferentes anos a que correspondem as imparidades” — mas aceita que a decisão não lhe cabe a si.

No final, frisa: “Mas gostaria de recordar que a Comissão Europeia já no ano passado transmitiu que para efeitos de apreciação do Procedimento por Défice Excessivo (PDE) não consideraria as despesas com o reforço da situação do sistema financeiro.

O que mudou?

Mudou a tónica do discurso, mas não só. No verão passado, António Costa esforçou-se por sublinhar a ideia de que não haverá impacto no défice — pelo menos, impacto relevante. Ou seja, o primeiro-ministro deixou em aberto a hipótese de até vir a existir algum impacto, mas frisou que esse efeito não seria contabilizado quando fosse preciso avaliar o cumprimento das metas definidas pela Comissão Europeia. É por isso que Costa faz questão de dizer que “qualquer tipo de apoio ao sistema bancário” não será “contabilizado para esse fim”.

Agora, o primeiro-ministro concentra-se em explicar que ainda não está definido como é que o impacto será distribuído: se todo de uma vez, num só ano, se diluído pelos vários anos a que as imparidades correspondem. Seja como for, com este novo foco de atenção, Costa já não coloca em causa a existência do impacto no défice — dá esse efeito como adquirido, ao contrário do que tinha assumido em agosto passado. O primeiro-ministro volta, contudo, a sublinhar que esse impacto não conta para as metas, sugerindo que a saída do PDE não está em causa.

O que diz Bruxelas?

O tema levanta duas questões: primeiro, é preciso saber que efeitos serão registados no défice, e como. Segundo, há que saber se esses efeitos têm impacto para a saída do Procedimento por Défices Excessivos. Vamos por partes.

O impacto no défice

Segundo o manual dos défices e da dívida, uma injeção de capital que seja considerada um investimento, não deverá ter impacto no défice. Contudo, a jurisprudência da aplicação das regras comunitárias mostra que essa operação pode desencadear outros efeitos: o entendimento do Eurostat tem sido o de considerar que há que registar os prejuízos verificados entre a última recapitalização, e a atual. O valor total em causa são 3,4 mil milhões de euros, distribuídos da seguinte forma:

Fonte: CGD

O impacto na saída do PDE

Aqui as regras também não são absolutamente matemáticas. As normas comunitárias estabelecem dois critérios para a saída: um défice orçamental abaixo de 3% e uma perspetiva de continuidade da redução deste desequilíbrio, a caminho do objetivo orçamental de médio prazo de cada país. Simplificando, no caso português quer dizer que o défice de 2016 tem de ficar abaixo de 3% e que o de 2017 tem de ser menor do que o do ano anterior.

Se se confirmar que os prejuízos passados da Caixa vão ao défice, distribuídos pelos anos em que se verificaram, isso implica um efeito de 1.859 milhões de euros em 2016 — cerca de um ponto do PIB. Mesmo que as melhores estimativas se confirmem e que o défice do ano passado fique em 2,1%, com este efeito passa para 3,1% — uma décima a mais do que o limite permitido por Bruxelas.

"O INE e o Eurostat vão examinar cuidadosamente o impacto da capitalização da CGD e chegarão a uma conclusão apenas depois de concluídas as operações de recapitalização. Não seria prudente especular sobre tal situação agora. A Comissão vai dar a sua avaliação no devido tempo.”

Comissão Europeia

Fonte oficial

Mas sendo um impacto provocado por uma ajuda ao sistema financeiro, conta para efeitos de PDE? António Costa diz que não, contudo, não é bem assim — ou pelo menos não é sempre assim. As regras não são claras, há apenas uma carta de esclarecimento enviada pelo ex-comissário para os Assuntos Económicos e Financeiros, Olli Rehn, aos ministros das Finanças, que oferece linhas orientadoras.

Segundo esta carta, que ajuda a ler o Manual do Défice e da Dívida das Administrações Públicas, os impactos no défice provocados por ajudas à banca não contam para colocar em PDE um país que esteja fora dele. Nem contam para o apuramento das metas e o levantamento de sanções, nos casos em que os países já estejam sob PDE. Mas — e este é um mas fundamental para o caso português — impedem um país de sair do PDE.

Confrontada pelo ECO, fonte oficial da Comissão Europeia explicou que “o INE e o Eurostat vão examinar cuidadosamente o impacto da capitalização da CGD e chegarão a uma conclusão apenas depois de concluídas as operações de recapitalização”. Por isso, “não seria prudente especular sobre tal situação agora”, frisou a mesma fonte, garantindo que “a Comissão vai dar a sua avaliação no devido tempo.”

É aqui, no “devido tempo”, que está o busílis da questão: a operação de recapitalização só se vai materializar este mês e o INE e o Eurostat têm a primeira notificação sobre as contas de 2016 agendada para o dia 24. O que quer dizer que poderão deixar a avaliação do impacto da recapitalização só para a segunda notificação, que decorre em setembro.

A decisão da Comissão Europeia sobre a saída do PDE é esperada em maio, depois de conhecida a primeira notificação, depois de atualizado o programa de estabilidade e já com o primeiro trimestre do orçamento de 2017 executado. Tanto poderão decidir-se pela saída, não contabilizando o impacto da CGD, porque ele ainda não foi registado, como poderão adiar essa decisão, já que sabem que o risco existe.

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