Estados estão a entrar cada vez mais nas energéticas

Alemanha e França deram o mote, com os respetivos Governos a anunciarem intervenções nestas empresas. Podem seguir-se outros exemplos.

Esta semana, os governos francês e alemão demonstraram abertura para entrar no capital das empresas energéticas dos respetivos países. A situação é muito diferente em cada um deles mas o facto é que o contexto energético, nomeadamente as sanções da Rússia à Europa, parece estar a impulsionar a intervenção dos Estados no setor. Os economistas consultados pelo Eco/Capital Verde consideram que mais governos europeus podem querer reforçar a sua participação nas energéticas.

O governo alemão vai apresentar no Parlamento um decreto-lei que permite a compra de ações em empresas prejudicadas pelo aumento do preço dos gás, numa altura em que vigoram medidas de emergência que visam minorar os impactos da redução do abastecimento do gás russo, avançou o Financial Times esta terça-feira, 5 de julho.

Neste contexto, a energética alemã Uniper submeteu um pedido ao Governo alemão no qual apela a “medidas de estabilização”, entre elas “uma participação relevante do Governo federal na Uniper”. “A proposta da Fortum inclui uma reestruturação da Uniper com o objetivo de estabelecer uma empresa de segurança de abastecimento sob a propriedade do Governo alemão”, acrescenta a empresa no comunicado divulgado esta sexta-feira. O objetivo é travar a atual acumulação de perdas substanciais, a cobertura das necessidades de liquidez da empresa e, finalmente, tentar evitar a degradação da notação de crédito da empresa.

Na semana passada, já surgiam relatos de que o grupo energético estava em conversações com o governo para um resgate financeiro, depois de a Gazprom ter cortado 60% do gás fornecido à empresa. De acordo com a Bloomberg, que cita uma fonte próxima do processo, o resgate poderá chegar aos 9 mil milhões de euros.

"[Em Portugal,] não me chocaria que o Estado pudesse procurar maneira de ter mais poder sobre decisões estratégicas da EDP, que são estratégicas para o país.”

Pedro Brinca, economista e professor da Nova SBE

Um dia depois de noticiada a iniciativa na Alemanha, a 6 de julho, a primeira-ministra francesa confirmou as intenções de o governo renacionalizar a EDF, argumentando que “a emergência climática exige decisões fortes e radicais”. O Estado francês detém já 84% do capital da EDF e pretende comprar os restantes 16%, avançando com a renacionalização da empresa. Uma operação que poderá custar ao Estado, a preços de mercado, cerca de 5 mil milhões de euros. A empresa já confirmou que está à procura de um novo CEO para liderar o negócio nesta nova fase.

Fora das fronteiras alemãs e francesas, “não é de excluir participações mais fortes dos Estados nas energéticas, até para proteger as suas populações da volatilidade dos preços”, avalia José Alves, economista e professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), embora acredite apenas numa atuação a pensar no curto prazo. Uma vez que passe a estar resolvido o aperto provocado pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o mesmo acredita que não existam razões para nacionalizar as empresas.

Para Pedro Brinca, economista e professor da Nova SBE, os reforços de participações da parte do Estado nas energéticas que se estão a verificar refletem a importância estratégica do setor que, acredita, não foi suficientemente acautelada aquando das decisões associadas à transição energética, já que por exemplo o fecho de centrais a carvão deixou a Europa mais dependente do gás russo, uma vez que no curto prazo é muito difícil mudar de fontes energéticas. Assim, no curto prazo, a Rússia tem vantagem estratégica sobre a Europa, indica. Neste sentido, tendo em conta a ameaça da necessidade de racionamento de energia ou de preços cada vez mais altos, que afetam o sistema produtivo e também as populações, “pode justificar-se a intervenção do Estado”.

Em Portugal, “não me chocaria que o Estado pudesse procurar maneira de ter mais poder sobre decisões estratégicas da EDP, que são estratégicas para o país”, afirma, considerando o peso que a China tem no capital e o papel “antagónico” que tem tido na guerra ao dar algum conforto à Rússia. Por seu lado, o professor do ISEG considera que o Estado considerar uma participação na EDP “não é uma questão”.

"Não é de excluir participações mais fortes dos Estados nas energéticas, até para proteger as suas populações da volatilidade dos preços.”

José Alves, economista e professor do Instituto Superior de Economia e Gestão

No caso de França, José Alves considera “fácil de compreender” a iniciativa de renacionalização, à luz da decisão do Parlamento Europeu de considerar a energia a gás natural e nuclear energias limpas no âmbito da taxonomia que norteia os investimentos no Velho Continente. “O que acontece é que vai haver um desvio do subsídio às renováveis [fundos europeus e dos próprios países] para energia menos intermitente”, como é o caso do nuclear, que é abundante em França, abrindo o leque de recetores de subsídios.

Olhando para os desenvolvimentos na Alemanha, José Alves diz “compreender a decisão à luz da resiliência energética” que “tem de ser prioridade de todos os países da Europa, em particular dos países mais frios e dependentes da Rússia”.

Pedro Brinca vê como principal mérito das iniciativas de nacionalização ou compra de participações relevantes em energéticas a segurança do sistema energético para, caso exista uma escalada no conflito bélico “assegurar que temos poder de ação sobre estes ativos estratégicos”, prevenindo consequências sociais e promovendo a estabilidade de sistema produtivo.

Em oposição, ao “quebrarem o estigma” da nacionalização, Alemanha e França podem estar a induzir uma redução na predisposição dos investidores para comprar empresas públicas ou privadas que possam ter interesse estratégico para o Estado, um receio que pode alastrar para outros países do bloco europeu. Mas também depende da forma como o Estado intervenha: “Se for por expropriação pura, obviamente que haverá dificuldades em vender no futuro”, defende Brinca.

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