• Entrevista por:
  • Cristina Oliveira da Silva e Paula Nunes

Correia de Campos: “Cedo ou tarde vamos ter que rever as taxas do IRC”

O presidente do Conselho Económico e Social (CES) afirma, em entrevista ao ECO, que as taxas de IRC terão de ser alteradas, mas não limita essa possibilidade a esta legislatura.

O presidente do CES acredita que, se os riscos para a economia se concretizarem, o Governo deve rever a meta do aumento do salário mínimo para 2018. Mas acrescenta que as perspetivas de sustentabilidade “são muito boas neste momento”.

O programa do Governo aponta para mexidas na lei laboral, nomeadamente a eliminação do banco de horas individual e restrições nos contratos a prazo. Quando devia ser aberto este dossier? Para António Correia de Campos, a economia devia “avançar algum tempo mais”, para depois “ver se esses temas ainda mantêm atualidade”.

Sobre a polémica da transferência de dinheiro para offshores sem controlo do fisco, Correia de Campos diz que “não é o problema fiscal que está em causa” mas sim o de saber se “alguém aproveitou de informação privilegiada sobre a resolução” de “um determinado banco”.

Enquanto presidente do CES, foi confrontado com a discussão do salário mínimo e consequente alteração na TSU. Acha que o Governo está mais preocupado em agradar aos parceiros políticos que o suportam do que em negociar com os parceiros sociais?

A questão do salário mínimo é, de certa forma, do ponto de vista económico, uma falsa questão. Havia o medo de que o salário mínimo pudesse trazer problemas à competitividade; não trouxe. Havia medo que não fizesse baixar o desemprego como se esperava, o desemprego baixou. Acabou por não ter nenhum desses efeitos que se anunciavam como negativos.

Mas como veio um valor fechado para a concertação social, não há uma predileção do Governo em agradar aos parceiros que o suportam no Parlamento do que em negociar com os parceiros?

É um dado de situação. O Governo foi constituído com essa condição.

Não menoriza os parceiros e o papel que sempre tiveram neste tipo de discussão?

Há tantas outras áreas onde a concertação se desenvolve… a área das condições de trabalho, da segurança do trabalho, da precariedade, do emprego jovem… tantas outras matérias onde se desenvolvem as relações laborais que reduzir tudo ao salário mínimo é uma visão economicista que durante muitos anos foi muito importante — porque os salários médios nacionais eram tão baixos que realmente a prioridade número um do movimento sindical era garantir que os salários tinham um mínimo decente… não sei se isso se conseguiu, provavelmente muitos dirão que não, mas a verdade é que há muitos outros temas das relações laborais que não se circunscrevem ao salário mínimo.

Quando o salário mínimo voltar à concertação social no final do ano, para se discutirem os 580 euros de 2018, acha que não haverá já a discussão intensa que houve este ano?

Depende da economia. No momento em que se iniciou esta discussão, não se sabia como tinha absolutamente corrido a economia no ano de 2016. Hoje estamos numa situação mais confortável, sabemos que o desemprego baixou consideravelmente, está em 10,2%, que o último trimestre foi muito bom e que houve criação líquida de empregos, quase 100 mil. Quando se começou essa negociação, em outubro ou novembro, ninguém podia garantir que isto era assim, antes pelo contrário: as oposições afirmavam que a situação era muito má e que ainda havia riscos de pesado descarrilamento económico. E também as instituições internacionais e até as instituições independentes, o Conselho das Finanças Públicas e a UTAO. Hoje a situação é diferente. Vamos ver o que acontece este ano.

As indicações do que vai acontecer este ano do ponto de vista económico e de emprego são até agora muito positivas. Há muitos riscos ainda à nossa frente. O principal talvez será o risco das taxas de juro da dívida soberana, porque para continuarmos a funcionar precisamos de continuar a pedir dinheiro emprestado para pagar dívida. Não haverá problema se tivermos saldo primário positivo, mas a questão dos juros é muito importante e não dependem de nós. Dependem dos financiadores externos e da perceção que os países terão dos riscos, e do efeito desagradável que a inflação possa ter no percurso económico. Estamos sempre no mundo das perceções.

Cedo ou tarde vamos ter que rever as taxas do IRC.

António Correia de Campos

Presidente do CES

Apesar dos riscos, há um programa do Governo que fala em 580 euros. Era prematuro inscrever a meta sem conhecer as indicações de que fala?

O julgamento de prematuridade tem a ver com os compromissos. O Governo comprometeu-se a isso.

Mas é um valor comportável para a economia?

Quando fiz esta digressão sobre a economia era para dizer que tudo depende do que acontecer. Se, como se espera, o desempenho for positivo, apesar dos riscos que apontei, nomeadamente em relação aos juros da dívida soberana; se a economia se desenvolver como se espera, penso que não haverá os mesmos problemas que houve este ano.

Se os riscos se concretizassem, acha que o Governo devia rever essa meta com os parceiros?

Com certeza. Isso toda a gente sabe, que se as taxas de juro da dívida soberana subirem muito, se for cada vez mais difícil recorrer a empréstimos externos, se a economia tiver riscos de paralisia, se o défice correr riscos de não se manter nos níveis a que se chegou este ano, e já não digo atingir o 1,6 que está previsto, nessa altura tudo muda.

É então uma meta que pode ser revista? Apesar de estar inscrita no programa…

É uma meta que está inscrita no programa e que, naturalmente, a evidência económica veio sustentar. Tudo depende da sustentabilidade da evidência económica deste ano. As perspetivas de sustentabilidade são muito boas neste momento.

Acha que o PEC que o Governo ofereceu em troca da TSU que caiu vai ser suficiente para os patrões aceitarem os 580 euros?

É possível pensar — não defendo isto — mas é possível pensar em medidas seletivas. Porque o efeito do salário mínimo nas empresas não é o mesmo em todas as atividades económicas. Acho que as medidas vão ser cada vez mais seletivas nos próximos anos. Porque a economia não pode nesta matéria ser tratada como um todo.

A concertação social debate agora as portarias de extensão que parece unir todos os parceiros, incluindo o atual Governo. A publicação de portarias deve ser acelerada como defende o Governo, ou concorda com a visão do Governo anterior?

Foi o Governo anterior que mudou a questão das portarias de extensão

…para as evitar. E isso gerou contestação de todos os parceiros.

Porque interessa a todos. Aos trabalhadores, interessa-lhes que todos beneficiem de uma certa negociação e que não haja empresas mais fracas que, porventura, não tenham capacidade negocial com as entidades patronais e que se traduza em grandes desajustamentos salariais.

Por seu turno, as entidades patronais entendem que as portarias de extensão também lhes servem porque, por um lado, agregam mais fortemente os seus associados. Por outro lado, dão-lhes mais força negocial. Pequenas empresas têm mais dificuldade em negociar com sindicatos mais poderosos do que se elas estiverem associadas…

Deixe a economia avançar algum tempo mais e ver se esses temas [eliminação do banco de horas individual ou restrições na contratação a prazo] ainda mantêm atualidade ou não.

António Correia de Campos

Presidente do CES

O ministro do Trabalho já disse que este passo não implica mexidas no Código do Trabalho. Acha que se devia voltar a abrir esse dossier?

Ninguém pede que esse dossier seja aberto. O único ponto — e mesmo assim não é um ponto de conflito muito visível — que pode ser discutível é que há organizações sindicais que pedem a reversão de algumas das medidas adotadas e que estão no Código do Trabalho e há declarações muito claras do Governo dizendo que não pensa fazê-lo.

E do seu ponto de vista, devíamos aproveitar esta altura para reverter alguns pontos? Não é o momento ideal?

Não tenho ponto de vista dessa matéria nem conheço suficientemente o tema para poder ter um ponto de vista. Basta-me saber que não é uma matéria de grande conflito.

Mas o Governo fala, no seu programa, em medidas como a eliminação do banco de horas individual ou restrições nos contratos a prazo. Quando seria oportuno rever estes temas?

Deixe a economia avançar algum tempo mais e ver se esses temas ainda mantêm atualidade ou não.

O Primeiro-Ministro já confirmou que quer levar ao terreno a mexida na TSU para empresas com elevada rotatividade. Vai ser um foco de tensão na concertação social?

Não me parece porque, em primeiro lugar, essa é uma medida essencial para as boleias que são apanhadas utilizando os benefícios da alta rotatividade, os estágios e tudo isso. São medidas excecionais que se poderiam ter justificado numa crise muito grave de emprego. Era melhor ter um estágio remunerado do que estar desempregado e, naturalmente, é melhor ter um emprego estável do que ter um estágio precário… há sempre qualquer coisa melhor. E é para aí que temos de caminhar, não é para trás.

Acha que o Governo fez bem em deixar cair o compromisso assumido pelo anterior Governo de descer o IRC?

Cedo ou tarde vamos ter que rever as taxas do IRC. Cedo ou tarde. Porque taxas de IRC altas naturalmente prejudicam a competitividade do país e portanto acabam por fazer prejudicar os trabalhadores, porque a competitividade passa a ser feita pelos baixos salários e não por uma parte importante que é a parte fiscal.

Agora, eu também recordo que o momento em que houve um acordo do PS, então na oposição, e os partidos que estavam no Governo, era para que a baixa do IRC fosse em simultâneo com a baixa do IRS. Constantemente ouço alguns políticos argumentarem que houve uma rutura de acordo; que eu saiba não houve, ou melhor, foi bilateral.

E agora que já houve reposição de rendimentos?

Suponho que faz parte do acordo do Governo com os partidos à sua esquerda que não haja redução do IRC. A experiência tem demonstrado que o Governo tem cumprido rigorosamente o que está escrito…

Então quando diz “cedo ou tarde”…

O meu comentário sobre a quase fatalidade da necessidade de vir no futuro a harmonizar o IRC, aplica-se para além desta legislatura, deste período…

Agora sobre um tema que tem ocupado a atualidade: o Governo já veio falar num erro informático em relação aos 10 mil milhões que saíram para offshores sem controlo do fisco. Acredita nesta justificação? É plausível?

Não acredito nem tenho que acreditar… é uma anormalidade, é um comportamento que estava previsto numa determinação de um anterior Governo e que foi suspenso, e é necessário esclarecer porque é que isso foi suspenso. Alega-se que houve um erro informático que impediu esse conhecimento atempadamente aos decisores: bom, tudo é possível, certamente haverá condições para averiguar isso.

O ponto importante — não tenhamos dúvidas de que essa é a questão central e receio bem que nunca seja claramente resolvida por razões que têm a ver com sigilo bancário, e é um valor que também é certamente necessário respeitar — é que quando um determinado banco foi objeto de resolução, foi também durante o período dessa crise que levou à resolução que houve maior saída, ou mais volumosa saída, de capitais para o estrangeiro. E não é o problema fiscal que está em causa porque provavelmente esses capitais ou não deviam nada ao fisco ou, se deviam ao fisco, liquidaram ou se não liquidaram, terão que liquidar…

Não é uma questão tributária…

Não é uma questão tributária, é uma questão de saber se alguém aproveitou de informação privilegiada sobre a resolução. Claro que a resolução, todos sabemos que foi de certa forma surpreendente, mas provavelmente houve alguns que sabiam da resolução, que souberam da resolução algum tempo antes. Essa é a questão central… receio bem que essa questão não seja solucionada.

Por causa do sigilo?

Por causa da questão do sigilo bancário.

Temos de fazer tudo para que o público recupere a confiança na banca.

António Correia de Campos

Presidente do CES

Devia haver aí uma exceção para se perceber exatamente o que se passou?

Eu gostaria, quer dizer, emocionalmente, todos nós gostaríamos de saber se houve alguém que se aproveitou disso e que fez uma exportação de capitais para o estrangeiro. Emocionalmente sentimos isso quase como um ato anti-patriótico. Simplesmente os riscos que resultam para a banca, praticamente passava a ser um precedente tão grave que seria impossível a banca poder daí para diante garantir o sigilo das suas operações. A transparência é necessária em muitas atividades da vida política, mas na atividade bancária a relativa reserva e o recato são extremamente importantes.

Que consequências deviam ser tiradas deste caso?

Deixe os parlamentares na Assembleia, eles é que estão atentos a isso e eles é que vão tirar as consequências.

É possível retirar daqui algum ensinamento?

Se temos alguma ensinamento a tirar, tem de ser o de que a matéria das finanças, daqui para diante, está sujeita a um escrutínio muito grande, muito maior do que no passado. Porque é que a banca está sujeita a este escrutínio? Porque o público perdeu a confiança. Temos de fazer tudo para que o público recupere a confiança na banca. Já pensou o que era se, porventura, em vez da resolução do BES, se tivesse havido a falência do BES? Na segunda-feira seguinte, os depositantes iam lá e encontravam as portas fechadas… Imediatamente iam a outros bancos e a nódoa de azeite alastrar-se-ia imediatamente.

O sistema bancário é um sistema de confiança. Os bancos não detêm à disponibilidade imediata todo o dinheiro depositado, esse dinheiro está a girar, só uma percentagem determinada está lá servir de garantia — 12% por hipótese. Numa situação de crise e de paranóia de corrida aos depósitos, 12% não chegaria para nada mesmo com a garantia bancária de 100 mil euros. E é por isso que todos os governos do passado reagiram daquela forma, protegendo o sistema bancário mesmo à custa dos contribuintes e é por isso que no futuro vai sempre acontecer isso. Não tenha a menor dúvida: numa situação de crise no futuro vai voltar a acontecer isso.

O CES fez um seminário sobre a economia da floresta. Que papel podem ter os parceiros sociais aqui?

Têm sempre uma opinião importante e foi o que se verificou. Havia grandes áreas de consenso. Os parceiros sociais não podem ser vistos apenas no antagonismo das posições estritamente ligadas ao fator trabalho, devem ser vistos no meio envolvente em que se mexem.

Que conclusões retirou?

São as que resultam do conhecimento científico dos problemas da economia da floresta, sem tabus, motivados pelos problemas. Temos uma floresta que arde todos os anos, que não dá rendimento suficiente, que tem queixas de todos os setores — ambiental, da indústria, dos territórios — e que se caracteriza por um enorme vazio de propriedade e do exercício dos direitos e dos deveres do proprietário. E é preciso resolver isto.

A proposta do Governo é muito importante, porque tem pela primeira vez medidas para a organização de mecanismos que se substituam à ausência do proprietário. Quando se diz que o proprietário é ausente ou absentista, não é nenhuma acusação. O proprietário não pode gerir a floresta, porque não sabe, porque não conhece os limites, porque muitas vezes nem sabe que a propriedade é sua, porque não tem recursos, porque toda a economia ligada à floresta mudou radicalmente. E o que a legislação em preparação visa é dar incentivos para a mais racional utilização da floresta.

  • Cristina Oliveira da Silva
  • Redatora
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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