Lidera uma empresa? O que pode aprender com o ‘caso Prozis’
Num mês foram escritas quase 400 notícias sobre a Prozis. Se se tratou de uma estratégia de marketing, foi bem conseguida? Seis especialistas dão a resposta e apontam caminhos para a comunicação.
Falem bem ou mal, mas falem. Para quem defende como boa esta máxima, a declaração e posterior gestão de danos levada a cabo por Miguel Milhão é um caso de sucesso. Ora vamos recuar um mês. O agora ‘célebre’ fundador e dono da empresa de nutrição desportiva Prozis fez uma publicação a 26 de junho, no LinkedIn, na qual dizia, a propósito da revogação do direito constitucional à interrupção voluntária da gravidez nos EUA, que “os bebés por nascer recuperaram os seus direitos”. Estava instalada a polémica, inclusive entre os embaixadores da marca, alguns dos quais a anunciarem que deixariam de a representar. Dois dias depois, o fundador da Prozis utilizou o podcast “Conversas do Karalho” para responder aos críticos e reforçar a sua posição. Por último, a 1 de julho, leu uma carta no Negócios TV, na qual explicava as ações dos dias anteriores.
“A Prozis teve publicidade como nunca na sua história. E de graça. Com toda a humildade, acho que merecia um prémio de marketing. Eu calculo que o valor de publicidade conseguida esteja acima dos 10 milhões de euros. (…) Consegui fazer com que os zombies trabalhassem para mim, simplesmente porque eles não pensam”, afirmou o empresário, explicando como tinha transformado “uma situação terrível numa situação benéfica para mim, para a Prozis e para todos os portugueses”. Como “ao fim ao cabo, os zombies não são muito inteligentes e são fáceis de manipular, porque todos agem da mesma forma”, prosseguiu o fundador da Prozis, Miguel Milhão traçou então como objetivo “aproveitar e fazer publicidade”, potenciando a polémica que teve início com a publicação do post. De acordo com o fundador da Prozis, a empresa estava a crescer 20% em relação a 2021 e mantinha esse crescimento.
Contactado pelo ECO, Miguel Milhão remeteu para Jorge Silva, CEO da Prozis, comentários sobre as vendas. E, se em junho estariam a crescer 20%, como afirmou na altura o fundador da empresa, Jorge Silva diz que agora o crescimento se situa em 35%, na comparação com o período homólogo de 2021. “Nos 30 dias anteriores ao evento estávamos com um crescimento de cerca de 20% e nos 25 dias a seguir ao evento mantivemos esse crescimento. Nos últimos dias temos tido um crescimento de 35%”, descreve o responsável, referindo-se apenas a Portugal, mercado que representa, segundo explica, 12% do volume de vendas da Prozis. O aumento das vendas, prossegue, pode estar relacionado com o facto de terem começado a trabalhar com a marca “algumas novas produtoras e afiliadas, que estão a ter muito bom desempenho”. Sobre o episódio, ou o seu impacto no negócio, Jorge Silva diz sentir que “não teve impacto negativo. Sinto que talvez tenha tido algum impacto positivo que se começou a revelar agora“, isto porque “na altura do evento acabamos por ter mais registos de novos clientes do que o habitual”. Sobre a polémica em si, Jorge Silva prefere não fazer comentários. “Não queria descrever porque não tem nada a ver com a Prozis. É uma opinião pessoal do Miguel (Milhão)”, diz.
O certo é que entre 27 de junho e 25 de julho, de acordo com a análise que a Cision fez a pedido do ECO, foram publicadas 396 notícias sobre o tema. Dessas, uma foi em rádio, 17 passaram em televisão, 41 em imprensa e 337 no online. A grande maioria das notícias são negativas para a marca Prozis, continua a Cision, que também avaliou a mancha ocupada pelas mais de três centenas de notícias.
O valor do espaço editorial preenchido por estas notícias, se estivéssemos a falar de publicidade, estaria avaliado, a preços de tabela, em 3,5 milhões de euros. Não chega aos 10 milhões, mas não deixa de ser uma quantia assinalável.
Merece o fundador da Prozis um prémio de marketing? “Muitos líderes empresariais escolhem a excentricidade e a polémica como instrumento de marketing (em algumas indústrias vivem mesmo dela, como no futebol). É uma opção. Creio que não há regras gerais, mas seguramente há atividades que suportam esta abordagem, outras não”, diz Vítor Cunha, administrador da agência de comunicação JLM&Associados, lembrando que seguramente aumentou a notoriedade da marca, mas não tendo dados oficiais sobre vendas e não se sabendo se perturbou a reputação.
“Uma estratégia de marketing visa reforçar positivamente uma marca, a sua reputação e credibilidade. Ora, para além de uma afirmação de um empresário que “faz tudo pela experimentação” como o próprio veio referiu, dificilmente vejo mais que um conjunto de táticas reativas. Por outro lado, o sucesso de uma estratégia está intimamente ligado aos objetivos propostos ab initio… algo que também não descortino. Fiquemos então pelos objetivos mais gerais: reputação e credibilidade da marca. Foram elas reforçadas? Não”, defende por seu turno Rita Serrabulho, CEO e sócia fundadora da consultora de comunicação AMP Associates.
“Em primeiro lugar quero deixar claro que sou 100% a favor da liberdade de expressão. Essa liberdade não pode ser posta em causa por ninguém, nem mesmo pelo bando de pseudo influenciadores que se enfureceram com o senhor”, começa por referir Salvador da Cunha, CEO da Lift. Feita a ressalva, “considero que foi tudo uma trapalhice. Não houve qualquer estratégia. A marca não beneficiou em nada com o caso e o senhor Miguel Milhão pelo contrário. Até podia ter sido um caso de ativismo de marca por uma causa. Mas se foi, foi mal planeado, mal-executado e mal gerido à posteriori”, continua o fundador da agência de comunicação.
“Foi pior a emenda que o soneto. Desde o início o empresário assumiu ser uma opinião própria, publicada numa rede social, defendendo o direito à vida. Depois confessou que não esperava tanto alarido. E reforçou os valores em que acredita. Depois assumiu, de forma bizarra, que incendiou comentários dos zombies, que o atacavam ou cancelavam, como uma estratégia de marketing que gerou 10 milhões em earned media. Não fica bem na fotografia assumir isso, como benefício, ainda que tenha tido prazer em incendiar milhares de pessoas que pensam de forma diferente e que assim o manifestaram”, resume José Franco, fundador e CEO da Corpcom, lembrando que “há uma linha ética que deveria ser traçada por qualquer gestor responsável”.
Lições a tirar do ‘caso Prozis’
Passado um mês, o episódio protagonizado pelo fundador da marca de suplementos de nutrição desportiva serve de mote para reflexão sobre a importância que a comunicação assume, ou devia assumir, nas lideranças. Exemplos não faltam, no mau e no bom sentido, e os seis especialistas ouvidos pelo ECO são unânimes em afirmar que a forma como o líder comunica pode ter impacto no negócio. “Veja-se o caso de Bruno de Carvalho no Sporting. Ou Steve Jobs na Apple. Ou Alexandre Soares dos Santos ou Elon Musk. Um líder muito presente e vocal, livre, pode gerar simpatia/antipatia pela sua frontalidade. Essa perceção primária afasta-nos ou aproxima-nos das marcas e isso tem impacte potencial nas vendas, na reputação e também na relação com outras partes relacionadas”, diz Vítor Cunha.
Mais. “Um dos estudos publicados pelo Reputation Circle atesta que a forma como os líderes se comportam e como comunicam tem um peso que pode alcançar os 45% no score de reputação da marca. Pode ser a diferença entre uma reputação muito robusta ou débil. É uma correlação demasiado forte para não ser tida em conta. E, como se sabe, a correlação entre reputação e os resultados da empresa é muito grande”, acrescenta Salvador da Cunha.
Uma opinião partilhada por Tiago Vidal, sócio e diretor geral da LLYC, para quem a democratização proporcionada pelos canais digitais faz com que a importância da comunicação para a marca se alargue a todos os colaboradores. “Os líderes de uma empresa são parte do seu ativo reputacional e podem impactar o negócio positiva ou negativamente, conforme comunicam. No mundo atual, com a possibilidade de cada um de nós ser um líder de opinião através dos canais digitais, a liderança da comunicação da marca já não está apenas nos líderes formais das empresas, no conselho de administração, mas em todos os colaboradores de uma organização”, acrescenta.
As redes sociais são, por excelência, um canal onde a opinião pode ser exponenciada, mas também dar lugar a um incêndio incontornável. É óbvio que um líder, ou personalidade pública, tem que fazer essa gestão, e ter bom senso.
Então, quando um comentário pessoal pode impactar o negócio, até que ponto deve ser feita a gestão de comentários, opiniões e exposição nas redes sociais?
“De forma profissional, com objetivos e uma estratégia definida”, defende Maria Domingas Carvalhosa, CEO e fundadora da Wisdom Consulting. “As redes sociais são, por excelência, um canal onde a opinião pode ser exponenciada, mas também dar lugar a um incêndio incontornável. É óbvio que um líder, ou personalidade pública, tem que fazer essa gestão e ter bom senso. Conheço muitos executivos que os entregam a profissionais, é o que faz sentido a partir de determinada dimensão pública, assim como conselheiros em estratégia de thought leadership. Um bom líder deve saber ouvir, ainda que possa não concordar com o que ouve”, prossegue José Franco, que, a título de curiosidade, apresenta na sua carteira de clientes o Facebook.
Prudência e bom senso parecem ser as palavras de ordem. “Do meu ponto de vista e de forma a salvaguardar o propósito e a missão das empresas e organizações que representam, líderes e altos responsáveis devem abster-se de serem muito expressivos em questões polémicas nestas plataformas, uma vez que a ‘colagem’ aos projetos que lideram pode ser incontornável e incontrolável. Não é que estas pessoas como cidadãos não tenham o direito de se expressar livremente sobre qualquer tema, mas é preciso ter a consciência que face às suas responsabilidades este risco de dano colateral é real”, recomenda Rita Serrabulho.
“Auto censura não rima com liberdade. Bem sei que há limites estéticos, bom senso e bom gosto, mas ninguém deve deixar de dizer o que pensa por medo. Outra coisa é o excesso de exposição pessoal, de partilha de intimidades, amores ou pratos de sushi: é desagradável”, comenta por seu turno Vítor Cunha.
Erros a evitar
E qual é o pior erro, em termos de comunicação, que o responsável de uma empresa pode cometer? E o mais frequente? “Mentir” é apontado pela maioria dos profissionais ouvidos pelo ECO como um erro que pode ser fatal. Mas há outros. Desde logo, responde Maria Domingas Carvalhosa, “pensar que a não comunicação não é uma forma de comunicação ou, pelo contrário, sentir que é um comunicador auto suficiente”.
Depois, acrescenta José Franco, “é começar por não saber separar o líder de negócio da pessoa. Todos temos direito a ter uma opinião, seja ela política, religião, futebol e de tantas outras áreas, mas tem que existir bom senso sobre a suscetibilidades dos outros. Outro erro é a incoerência. Um líder tem que ser um exemplo para dentro e depois para fora. A partir daí pode definir uma estratégia de thought leadership, por forma a atrair stakeholders e comunicar com eles. Ou até criar uma ‘persona’, que resuma uma série de características inatas. Se estamos perante um líder (empresarial ou noutra área, cultural, desporto, e até político) espera-se que o mesmo possa dar opiniões sobre temas centrais da sociedade. Mas deve ser gerido com bom senso, não tendo necessariamente de ser politicamente correto ou alinhado com o establishment”, prossegue.
Auto censura não rima com liberdade. Bem sei que há limites estéticos, bom senso e bom gosto, mas ninguém deve deixar de dizer o que pensa por medo. Outra coisa é o excesso de exposição pessoal, de partilha de intimidades, amores ou pratos de sushi: é desagradável
“Falar demais sobre temas que ainda exijam recato, o não falar ou ter uma comunicação muito distante das pessoas que lideram e/ou stakeholders, o falar sobre todas as temáticas (mesmo as que não dominam), a sobre-exposição com consequente desgaste de imagem e notoriedade”, acrescenta ainda Rita Serrabulho.
Outro perigo, e frequente, “será, ao querer ser autêntico e transparente, o líder de uma empresa comunicar o que não deve ser comunicado naquele momento”, aponta Tiago Vidal. E se o pior erro em termos de comunicação “é o erro que mais compromete e sua reputação: um banqueiro ladrão, um padre pedófilo, um bloquista especulador”, enumera Salvador da Cunha, o mais comum é “a arrogância, a vaidade e o sentimento de impunidade associada ao cargo. A vaidade é das poucas coisas que tolda a inteligência de um líder”, constata o fundador da Lift. Por último, resume Vítor Cunha, “o pior erro é menosprezar a possibilidade do erro, entregar o destino à sorte: ou seja, ser pouco profissional”.
E quando o contexto é particularmente desafiante, há cuidados acrescidos a ter? Vivemos quase dois anos em pandemia, há uma guerra na Europa, a inflação é a mais elevada dos últimos 20 anos, o clima de confiança não é animador. Em termos de comunicação, o que é que se espera de um líder nestas circunstâncias?
“Que aposte na comunicação interna para motivar as suas ‘tropas’ e na comunicação externa para envolver os seus stakeholders”, aconselha Maria Domingas Carvalhosa. “Uma comunicação mais próxima, mais frequente e mais clara junto das suas equipas e stakeholders, para que haja um conhecimento objetivo daquela que é a realidade com que podem contar. Dar esta segurança e este “mapa” às pessoas importa, não apenas para contrariar a queda da confiança mas para que cada uma possa entender qual pode ser o seu melhor contributo para ultrapassar o cenário de crise”, acrescenta Rita Serrabulho.
“Confiança, transparência, autenticidade, consistência e proximidade. Em tempos de incerteza espera-se que um líder seja um aglutinador em torno de ações que aumentem a resiliência e a energia das suas equipas para perseguirem objetivos comuns”, advoga o sócio e diretor geral da LLYC.
Uma comunicação mais próxima, mais frequente e mais clara junto das suas equipas e stakeholders, para que haja um conhecimento objetivo daquela que é a realidade com que podem contar. Dar esta segurança e este “mapa” às pessoas importa, não apenas para contrariar a queda da confiança mas para que cada uma possa entender qual pode ser o seu melhor contributo para ultrapassar o cenário de crise
“Que se informe bem, que não entre em pânico e não deixe que as nuvens cinzentas o impeçam de ver o arco-íris do outro lado do vale verde. Dito de outra forma: prepare-se para o pior, mas não perca o rumo, não desista. Vamos ouvir nos próximos tempos os cânticos das serpentes russas a convocar o frio e a inflação; vão querer apostar nas nossas divisões, vão querer espalhar o medo. Os líderes empresariais, políticos, líderes de opinião, terão que contrariar os répteis e pensar – sempre – que a melhor solução raramente é a mais fácil”, aconselha o administrador da JLM&Associados.
Seis recomendações
"Pensar duas vezes antes de abrir a boca ou escrever um post e, num terceiro momento, avaliar e antecipar eventuais consequências. E ter um plano para responder a um expectável fogo cruzado.”
"Levem a questão da comunicação a sério.”
"Autenticidade e objetividade. Por mais difícil que seja a mensagem ou o anúncio, esta será sempre mais bem acolhida se for sentida e entendida pelos interlocutores como sincera, clara e credível. Tudo o resto deixará sempre a dúvida.”
"Neste caso, a minha recomendação seria “fazer-se de morto” do ponto de vista público.”
"Oiça especialistas sobre os temas estratégicos para a sua organização para criar valor e minimizar riscos.”
"Não aceite recomendações gratuitas, mesmo se lidas no ECO.”
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