UE dá o exemplo: vai aumentar os funcionários europeus em 8,5%

  • Joana Abrantes Gomes
  • 14 Agosto 2022

Dos aumentos salariais ao maior financiamento para o PE, o orçamento da UE para 2023 está envolto em acusações de clientelismo entre eurodeputados pela criação de uma DG e o próximo secretário-geral.

A partir do próximo ano, os funcionários das instituições da União Europeia (UE) deverão receber um aumento salarial de até 8,5%, de forma a ter em conta a inflação. Embora pendente da negociação final entre Comissão, Conselho e Parlamento Europeu (PE), a proposta já recebeu o “sim” dos embaixadores em Bruxelas, mas não sem críticas de vários Estados-membros, incluindo de Portugal. Essas reservas estendem-se ao pedido de aumento do orçamento do PE, numa altura em que cresce a pressão sobre a sua liderança, acusada de clientelismo por alegadamente estar a politizar a nomeação do próximo secretário-geral da assembleia legislativa europeia.

Este aumento dos salários, já noticiado por vários meios de comunicação social europeus e confirmado ao ECO por uma fonte do Conselho, foi discutido e aceite em julho pelo chamado Comité de Representantes Permanentes dos Governos dos Estados-membros da UE (COREPER). No entanto, alguns dos países eram contra a proposta, que, apesar de ter partido da Comissão, resulta de uma regra que dita que os salários sejam ajustados anualmente com base no custo de vida, seguindo, para o efeito, os indicadores do Eurostat.

Um dos países que se opunham a esse aumento era Portugal. “Já não sei precisar que países estavam (contra), mas Portugal estava”, disse a fonte europeia, justificando a posição portuguesa com o facto de que já tinha havido uma subida salarial no ano passado. “Achávamos que não havia necessidade de voltar a mexer nos salários dos funcionários das instituições europeias. (…) Nós não estávamos de acordo porque 8,5% era muito, mas acabou por passar”, acrescentou.

O Conselho pronunciou-se favoravelmente à proposta porque entre os países a favor estavam a Alemanha e a França, que, por serem os mais populosos da UE, têm uma votação com muito mais peso. Logo, apontou ainda a mesma fonte, “não adiantava se Portugal ou a Grécia ou fosse quem fosse estivessem contra, porque a maioria estava a favor”.

Entretanto, pelo menos os funcionários da Comissão Europeia na Bélgica e no Luxemburgo, incluindo membros do colégio de comissários, receberam um aumento salarial de 2,4% em junho, que se aplicou retroativamente a partir de janeiro, segundo confirmado por um porta-voz de Bruxelas ao jornal europeu Politico, descrevendo este ajustamento como “um cálculo automático sem qualquer discrição política”.

A atualização dos salários pode acontecer duas vezes por ano e aplicar-se retroativamente se a inflação tiver subido acima dos 3% no período de referência, que foi o que aconteceu entre julho e dezembro de 2021, quando a inflação na Bélgica e no Luxemburgo foi, em média, de 3,5%.

Esta indexação é então ajustada às alterações do poder de compra dos funcionários públicos nacionais em 10 países da UE – Bélgica, Alemanha, Espanha, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Áustria, Polónia e Suécia – e, como este valor diminuiu 1,1% durante aquele período, resultou no ajustamento final de 2,4%. Os funcionários do Executivo da UE em países que não a Bélgica e o Luxemburgo também receberam um aumento salarial, mas que foi ponderado de acordo com as circunstâncias nacionais. “Este sistema não visa indexar os salários de acordo com a inflação, mas manter a evolução do poder de compra dos funcionários da UE em linha com a dos funcionários públicos nacionais”, disse ainda o porta-voz da Comissão.

No Conselho, por seu lado, vários Estados-membros têm-se oposto ao atual método de aumentos salariais automáticos, por entenderem que irá colocar um fardo insustentável sobre todas as despesas administrativas, posição esta que é criticada por eurodeputados. Ao ECO, um destes parlamentares, que não quis ser identificado, considera que “aquilo que a Comissão Europeia poderá tentar fazer no futuro é alterar a fórmula”, apesar de achar que a inflação “não se vai manter sempre”.

Essa alteração teria impacto na aplicação da fórmula. “Houve um ano em que a Comissão decidiu congelar os (aumentos dos) salários e depois no tribunal, passados dois anos, perdeu e teve de devolver tudo”, contou. Por isso, remata, “o que está mal não é haver uma atualização em função da inflação, o que está mal é não haver essa atualização por exemplo em Portugal”.

O debate em torno do aumento salarial dos funcionários segue agora para os chamados trílogos entre Conselho, Comissão e Parlamento, sob a liderança da presidência checa do Conselho da UE e inserido nas negociações sobre os orçamentos das instituições europeias para 2023, tendo início marcado para setembro.

Eurodeputados pedem mais dinheiro para cibersegurança, mas Conselho discorda das exigências do PE

Não é só quanto ao aumento automático dos salários indexado à inflação que o Conselho está contra. A proposta de orçamento do Parlamento Europeu para 2023, que pede mais financiamento para despesas com cibersegurança, também está a merecer forte oposição de vários países, pressionados a cortar nos custos de pessoal. Porém, os embaixadores do bloco comunitário não sugeriram qualquer alteração em relação à proposta orçamental do PE na reunião de julho, na qual discutiram os orçamentos das instituições europeias.

De acordo com o Politico, os serviços do PE defendiam, num relatório elaborado em março, um aumento de 103,5 milhões de euros para o próximo ano – mais 4,9% em relação a 2022 –, justificando o pedido com a criação de 52 postos de trabalho e de mais 116 assistentes parlamentares para reforçar a dimensão da cibersegurança.

Esse argumento foi em parte confirmado ao ECO por alguns eurodeputados. “O secretário-geral dos serviços do Parlamento fundamentou o aumento do pedido do orçamento com dois fatores: a necessidade de investir e recrutar recursos humanos para a área da cibersegurança; e preparar as eleições europeias, que são daqui por ano e meio”, afirmou uma das fontes.

A única coisa que pedimos são 52 novos postos para a cibersegurança, mas não somos nós que pedimos”, disse ao ECO outro deputado europeu, acrescentando que o aumento pedido “é com base em auditorias internas” segundo as quais eram necessárias 52 pessoas para trabalhar nesta área. A proposta é até de que o investimento em cibersegurança seja partilhado com o Conselho e a Comissão, devido à escassez de recursos humanos no mercado, mas também porque o custo será muito superior a 52 postos se não puderem ser aproveitados pelas diferentes instituições.

Apesar de, segundo a mesma fonte, a comissão parlamentar do orçamento ter procurado reduzir o valor pedido pelos serviços do Parlamento, alguns embaixadores da UE expressaram fortes reservas em relação a esse apelo. Aliás, de acordo com o Politico, alguns diplomatas desconfiaram que o dinheiro pedido pelo PE serviria para a criação de uma nova Direção-Geral (DG), importando ainda recordar que nos últimos anos a assembleia europeia teve uma redução de deputados devido ao Brexit (acordo da saída do Reino Unido da UE) – logo, o orçamento que era alocado para estes parlamentares poderia ser utilizado para outras despesas necessárias.

Os eurodeputados com quem o ECO falou negam, no entanto, que o aumento pedido seja para a criação de outra DG, até porque, nesse caso, “não tem necessariamente que recrutar novos recursos, pode ser um reajustamento de recursos internos”. Uma das fontes, com conhecimento da questão, indica que a Direção-Geral receberá funcionários que já existem noutros departamentos, ou seja, é uma reorganização de serviços, pelo que não será contratado ninguém.

Mesmo assim, quando a proposta orçamental para 2023 foi discutida em sede de Conselho em julho, a proposta para o PE não sofreu alterações. “Eles mandaram algumas bocas, mas em relação ao orçamento do PE aprovaram-no”, afirma um dos eurodeputados, alegando que o Conselho faz algum “jogo” porque “sabe que os (partidos) populistas se aproveitam disto”.

Acusando ainda os 27 de, nas “táticas de negociação”, preferirem discutir os montantes mais pequenos, como aqueles para as várias instituições e o PE, em vez de os orçamentos maiores para programas como o Horizonte Europa ou as prioridades na área da saúde, o eurodeputado aponta que o Conselho “procura sempre vender para fora, muitas vezes de forma anónima, aquilo que são pedidos muito pequenos para depois no final dizerem ‘pronto, nós damos-vos isso, mas o resto não vos damos mais nada'”.

Outra das fontes parlamentares sublinha que o orçamento da assembleia legislativa europeia tem “outra visibilidade” porque “é uma forma de o Conselho pressionar o PE no sentido de o fragilizar na negociação”. Contudo, quando se fala do orçamento do Parlamento, é o orçamento da casa, não é só as despesas com os deputados, indica.

Há um certo compromisso em que o Conselho aceita o orçamento que o Parlamento apresenta para a sua instituição e o Parlamento aceita o orçamento que o Conselho apresenta. Portanto, há esse gentlemen agreement (acordo de cavalheiros), e tem funcionado”, defende a mesma fonte.

Depois da negociação em trílogos, a data limite para a aprovação final do orçamento anual das instituições europeias é em novembro. Os eurodeputados aceitarão ou não a leitura do Conselho, podendo haver uma maioria qualitativa que recusa e faz a proposta voltar atrás, colocando a “batata quente” novamente sob os Estados-membros. Mas, segundo fonte do Conselho, isso dificilmente acontecerá, além de que os eurodeputados vão querer resolver as questões relativas ao orçamento da sua instituição antes da discussão final, denominada conciliação.

Nomeação de novo secretário-geral do PE envolta em acusações de clientelismo

As polémicas em torno do Parlamento Europeu não se ficam pelo que quer fazer com os euros a mais que pedem para o próximo ano. Três dos grupos políticos do Parlamento Europeu, nomeadamente o Partido Popular Europeu (PPE), o Renew e a Esquerda, estarão a tentar fazer passar um acordo de partilha de poder, conduzindo a inúmeras críticas por parte de deputados dos restantes grupos. Em causa está a pessoa apontada para substituir o atual secretário-geral dos serviços do Parlamento, Klaus Welle, que vai abandonar o cargo em janeiro do próximo ano.

O concurso para o cargo de secretário-geral dos serviços do Parlamento abriu no início de julho e terminou no passado dia 1 de agosto. A escolha será feita pela chamada Mesa Administrativa, composta pela Presidente do PE, Roberta Metsola, e os vice-presidentes, que, segundo o Politico, votaram no sentido de enfraquecer os critérios para os candidatos para o nível AD 15, quando até à data só eram elegíveis para o cargo aqueles que se encontravam no nível máximo (AD 16).

Acontece que Alessandro Chiocchetti, chefe de gabinete de Metsola e que tem sido apontado como o sucessor de Welle, alcançou o nível AD 15 em maio passado, pelo que os novos critérios asseguram a sua qualificação para o cargo, aumentando as suspeitas de que haja efetivamente um “acordo de bastidores” em torno desta nomeação.

Mas a possível escolha de Chiocchetti traz mais água no bico. Alguns eurodeputados e funcionários da administração são também céticos quanto ao passado de Chiocchetti, e não apenas quanto à sua capacidade de passar de estar à frente de um gabinete de cerca de 45 pessoas como diretor para a coordenação legislativa na Direção-Geral de Políticas Internas, para dirigir a administração do Parlamento com mais de 8.000 pessoas.

Aliado de Welle e do antigo presidente do PE Antonio Tajani (entre 2017 e 2019), Chiocchetti foi anteriormente assistente de Marcello Dell’Utri, um político italiano que foi conselheiro do ex-primeiro-ministro de Itália Silvio Berlusconi e condenado a sete anos de prisão pelos seus laços com a máfia siciliana. Chiocchetti não foi acusado de corrupção ou laços mafiosos, mas a sua ligação aos aliados de Berlusconi tem sido uma fonte de controvérsia no seio da assembleia europeia.

Além disso, o acordo para a sua nomeação incluirá a criação da DG que alguns membros do Conselho desconfiam que seja o destino do aumento orçamental pedido pelo PE. Sob o título formal de Direção-Geral de Parcerias para a Democracia Parlamentar, será a 13.ª DG do Parlamento, a ser liderada pela Esquerda, para que este grupo apoie a nomeação de Chiocchetti para o cargo de secretário-geral dos serviços.

Os Socialistas & Democratas (S&D) e os Verdes, que foram os únicos a votar contra a alteração dos critérios de candidatura na reunião da Mesa Administrativa, estão entre os principais críticos do alegado acordo. Ao ECO, uma das fontes parlamentares disse que tem “as mais sérias reservas” sobre o processo de nomeação para a vaga, considerando que o PE “se deve preservar e não repetir o erro que a Comissão Europeia cometeu com a tentativa de nomeação de Martin Selmayr (chefe de gabinete do, na altura, presidente do Executivo comunitário, Jean-Claude Juncker) para secretário-geral da Comissão Europeia”.

Na altura, esse processo foi de tal maneira pouco transparente e pouco regular que levou a que o próprio Parlamento tivesse criado uma espécie de uma comissão para acompanhar o procedimento e, finalmente, Martin Selmayr não foi nomeado secretário-geral, deixando a chefia do gabinete de Juncker e passando a chefe da representação da Comissão Europeia na Áustria.

A notícia da nomeação de Chiocchetti não foi, até agora, confirmada, mas corre fortemente nos corredores de Bruxelas. “Espero que não seja verdadeira, que não se concretize, porque seria um processo pouco democrático para o PE. A nomeação do secretário-geral tem de ser democrática, transparente, em condições de igualdade e não pode ser feita na base da negociação, em que o PPE precisa de mais votos e vai buscar os votos da Esquerda, e para que esta lhe dê os votos, cria uma DG com um diretor-geral da Esquerda. Isso é inaceitável”, reiterou um dos eurodeputados.

Outro deputado, da parte do PPE, resume a alegada escolha do chefe de gabinete de Metsola para novo secretário-geral a “politiquices”. “A Metsola até veio responder de uma forma dura a uma das vice-presidentes”, disse, referindo-se a Heidi Hautala, dos Verdes, que escreveu uma carta pública a apelar a “procedimentos justos para os recrutamentos”.

Com críticas vindas até da Transparência Internacional, cujo diretor da Europa alertou para a “corrupção institucional” que está “a minar a confiança na assembleia legislativa europeia”, os grupos políticos foram pressionados a apresentar mais do que um candidato ao cargo para ter, pelo menos, uma aparência de escolha e profissionalismo na decisão de quem vai dirigir os serviços do que é suposto ser a sede da democracia da UE.

Até 31 de julho, um porta-voz de Metsola citado pelo Politico indicou que houve mais do que uma pessoa a candidatar-se, mas sem adiantar o número ou nomes dos candidatos, argumentando que a janela de candidatura ainda estava aberta. “Logo após o prazo, a presidente informará os membros da Mesa sobre os candidatos e enviará as suas cartas de motivação e currículos, para que tenham o mês de agosto para se familiarizarem com as candidaturas escritas. Depois os candidatos poderão apresentar-se à Mesa após as férias de verão”, disse.

Certo é que, antes da escolha do secretário-geral, haverá um procedimento de entrevistas aos candidatos e só na sequência disso será feita uma proposta, sobre a qual a Mesa Administrativa terá de deliberar e decidir de acordo com a maioria.

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