Plano de poupança energética não requer estado de emergência, dizem constitucionalistas
Governo prepara-se para apresentar plano de poupança energética. Constitucionalistas apontam que o plano não requer a declaração de um estado de emergência, mas pode obrigar a estado de calamidade.
Constitucionalistas consideram que a concretização de um plano de redução do consumo de energia em Portugal não requer a declaração de um estado de exceção constitucional, mas poderá obrigar o Governo a decretar a situação de calamidade.
Numa altura em que vários países europeus estão a adotar medidas de poupança energética – que incluem o desligar da iluminação de prédios ou monumentos por razões estéticas, ou a imposição de limites máximos de temperatura em edifícios –, o Governo português também está preparar um plano, que deverá ser conhecido no final de agosto.
Em declarações à agência Lusa, o constitucionalista Jorge Miranda considerou que, apesar de não conhecer os planos de redução do consumo de energia que estão a ser implementados a nível europeu e que poderão vir a ser introduzidos em Portugal, esse tipo de medidas não implica necessariamente a declaração do estado de emergência no ordenamento jurídico português, como aconteceu durante o período de combate à pandemia da Covid-19. “Não necessariamente, não corresponde à suspensão de direitos, liberdades. Não lhe corresponde o estado de emergência”, afirma.
Sem necessidade de recorrer a um estado de exceção, o executivo pode decretar a situação de calamidade. Já o estado de emergência tem de ser decretado pelo Presidente da República, depois de aprovado pelo parlamento e de ouvido o Governo, como estabelece a lei fundamental e ocorreu várias vezes no período pandémico.
O constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos considera também que, “em princípio”, não será necessário o Governo declarar um estado de exceção constitucional para implementar um plano de redução do consumo de energia, apesar de ressalvar que isso depende “do quadro de restrições e da dimensão” das medidas em questão.
O antigo deputado do PS considera que medidas como impor limites máximos de temperaturas não devem ser necessariamente abordadas no plano da restrição dos direitos fundamentais, porque, por detrás do fornecimento de energia, estão “serviços de interesse geral que são assegurados por meios públicos ou privados e que, naturalmente, estão sujeitos à escassez de combustível” e a “variações imponderáveis”.
“Trata-se de serviços de interesse geral que poderão, em função de uma situação crítica excecional, ser regulados de forma a permitir que se afete minimamente o funcionamento normal da sociedade e da vida económica”, sublinha.
Bacelar de Vasconcelos realça, contudo, que dependendo das medidas – como a que está a ser ponderada pela Suíça, que, em casos extremos, admite cortar a eletricidade até quatro horas por dia no inverno – pode advir uma “perturbação da vida social inevitável”, que implicaria outro enquadramento jurídico.
“Se realmente houver um conjunto de medidas que seja profundamente perturbadora das rotinas diárias, aí poderá ser aconselhável encontrar um quadro mínimo em que elas se possam inscrever”, refere, reiterando, contudo, que em princípio o estado de emergência não seria necessário.
Para o constitucionalista Paulo Otero, medidas como “racionalizar a água e a utilização de energia” não requerem nenhum “estado de exceção constitucional, isto é estado de emergência ou estado de sítio”, mas obrigariam o Governo a decretar a situação de calamidade, prevista no artigo 8.º da Lei de Bases da Proteção Civil.
Paulo Otero recorda que a situação de calamidade está prevista para “os casos de incêndio, que condicionam a liberdade de deslocação das pessoas”, impondo restrições “no acesso a estradas, localidades ou bens pessoais”, mas também para “casos de seca prolongada e situações de falha de energia, decorrendo algumas delas da própria seca”. “São situações que justificam a utilização desta medida, que é uma medida de estado de necessidade administrativa”, refere.
O constitucionalista reconhece que impedir os cidadãos de, “dentro do seu domicílio, fixar as condições de temperatura” que querem, implica “sempre uma restrição”, mas recorda que, durante a pandemia, para impor medidas como a obrigatoriedade do uso da máscara, o Governo também utilizou a situação de calamidade.
“Se o Governo tem utilizado a situação de calamidade para impor restrições quanto à utilização de máscara, quanto à deslocação de pessoas – isso foi determinado, recordo, há alguns meses atrás, quando a pessoa não podia sair de casa, só podia sair para determinado tipo de atividades – penso que, por maioria de razão, poderá utilizar para impor limites quanto ao grau de temperatura existente dentro de casa”, considera.
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