Litigância climática – um travão ao greenwashing corporativo?

  • Filipa Duarte Gonçalves
  • 20 Setembro 2022

Sem dúvida que nos próximos anos, os juízes e os tribunais terão um papel cada vez mais essencial na resolução da crise climática.

O aumento da litigância climática nos últimos anos tem ditado uma mudança de paradigma que não pode deixar de servir de alerta às empresas que devem, assim, estar mais atentas aos riscos a que estão expostas em face dos compromissos globais assumidos. O exemplo do processo judicial instaurado contra a Shell – que foi condenada pelo Tribunal de Haia a reduzir as suas emissões em 45% até 2030 – é particularmente simbólico na medida em que foi o primeiro do género, servindo como alerta para que outras empresas percebam como a litigância climática pode e chegará facilmente ao setor privado nos próximos anos.

O relatório do Programa Ambiental das Nações Unidas (“UNEP”) divulgado em 2020 refere que as disputas ambientais quase duplicaram nos últimos dois anos e têm obrigado os governos e as empresas a executarem os seus compromissos ambientais e a prosseguirem políticas de mitigação e de adaptação às alterações climáticas. De acordo com o relatório, a litigância climática tem sido a via cada vez mais utilizada na luta contra as alterações climáticas. Em 2017, foram intentados cerca de 884 casos em 24 países. Em julho de 2021, os casos trazidos a tribunal quase duplicaram, com cerca de 1550 casos instaurados em 38 países (39 se incluirmos os tribunais europeus). Embora os processos judiciais sobre clima continuem a ser instaurados maioritariamente em países com PIB elevado, o relatório reflete que a tendência será evoluir para os países do Sul, como Colômbia, India, Paquistão, Peru, Filipinas e África do Sul.

Nos últimos anos, ativistas e advogados têm aumentado os esforços para utilizar os sistemas judiciais nacionais e internacionais para provocar mudanças. O litígio climático desenvolve-se tipicamente numa de cinco tipos de ações judiciais: (i) direito constitucional (violação pelo Estado contra o qual se instaura a ação de direitos constitucionais); (ii) direito administrativo (impugnação de mérito de uma decisão administrativa como, por exemplo, a concessão de permissões/autorizações para a implementação de projetos que irão emitir mais gases, etc), (iii) direito privado (processos judiciais instaurados contra empresas ou outras organizações por negligência, danos provocados, etc); (iv) fraude ou proteção dos direitos do consumidor (instauração de processos contra companhias pela distorção de informação sobre os impactos climáticos) e, (v) direitos humanos (por violação dos compromissos assumidos relativos às alterações climáticas que representa uma violação de direitos humanos). Os autores destas ações judiciais têm variado, desde ONGs e partidos políticos aos quais se juntam crianças, idosos, migrantes e povos indígenas. Com a COVID-19 e tratando-se de grupos particularmente vulneráveis a esta e outras doenças, têm estado frequentemente na vanguarda da luta a favor da mitigação dos riscos trazidos pelas alterações climáticas e por um ambiente saudável.

Para além de impor penalizações por impactos climáticos, o crescimento da litigância climática poderá contribuir para travar o greenwashing corporativo, sancionando a transmissão de falsas impressões, informações ou imagens enganosas sobre os produtos de uma empresa serem mais ecológicos ou amigos do ambiente do que efetivamente são e impondo a implementação de medidas claras e efetivas de reduções de emissões e/ou outros instrumentos de política climática. De facto, com o incremento da litigância climática os cidadãos estão a pressionar quer os seus governos quer as empresas para cumprirem – e dar provas disso – com os compromissos assumidos na mitigação dos riscos associados ao aquecimento global. A Europa tem também estado na linha desta mesma estratégia, estando em discussão uma nova proposta de diretiva que tipifica novos crimes ambientais, onde se destaca, o comércio ilegal de madeira, a reciclagem ilegal de navios ou a captação ilegal de água.

Sem dúvida que nos próximos anos, os juízes e os tribunais terão um papel cada vez mais essencial na resolução da crise climática.

  • Filipa Duarte Gonçalves
  • Associada sénior da Miranda & Associados

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