Crise imobiliária, Covid e baixo crescimento ensombram recondução de Xi Jinping na China
Congresso do Partido Comunista Chinês realiza-se após o FMI ter revisto em baixa as previsões de crescimento da segunda maior economia mundial. Pode estar em causa o terceiro mandato de Xi Jinping?
Este domingo, as atenções estarão centradas no 20.º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), em que se espera que Xi Jinping seja reconduzido para um terceiro mandato como secretário-geral, abrindo portas a mais cinco anos na presidência do país, a partir de março do próximo ano. Porém, o principal acontecimento político da China – que acontece apenas duas vezes em cada década – decorre numa altura de vários desafios económicos, desde o impacto da política “Covid Zero” à crise no setor imobiliário, o que levou as principais organizações internacionais a rever em baixa as projeções para a segunda maior economia mundial. Poderá a liderança de Xi estar sob ameaça quando se prevê o crescimento económico mais fraco em quatro décadas?
Xi Jinping chegou ao mais alto cargo da política chinesa em 2013, depois de ter sido escolhido para ser o secretário-geral do PCC no 18.º congresso do partido em novembro do ano anterior. Perto de completar uma década no poder, o líder chinês conseguiu que o Produto Interno Bruto (PIB) do país crescesse acima de 6% nos primeiros sete anos, até ao “travão” provocado pela pandemia de Covid-19. Depois de afundar em 2020, o ano passado foi aquele em que a economia da China mais cresceu (8,1%) desde que é Presidente.
Agora, Xi está sob pressão para revitalizar a economia do país mais populoso do mundo, depois de o Fundo Monetário Internacional (FMI) ter revisto em baixa as previsões de crescimento da China, colocando-a a crescer abaixo de 5% este ano e em 2023. A confirmarem-se estas estimativas, será o pior desempenho da economia chinesa em 40 anos, enquanto o Banco Mundial prevê um crescimento a um ritmo mais lento do que o resto da Ásia pela primeira vez em mais de 30 anos.
Quanto à dívida pública, o FMI prevê que atinja 102,8% do PIB até 2027, quase 35 pontos percentuais a mais que os 68,1% registados em 2020. Por outro lado, a China irá reduzir ligeiramente o défice, que irá continuar estável em torno de 7,1% até 2027, após atingir 8,9% em 2022.
Às projeções da instituição liderada por Kristalina Georgieva, somam-se as da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que em setembro cortou o crescimento da China de 4,4% para 3,2% este ano e de 4,9% para 4,7% em 2023 – ainda assim, acima das perspetivas de crescimento do PIB mundial e do G20.
No congresso que arranca este domingo e que deverá confirmar um terceiro mandato para Xi Jinping, uma das questões centrais é, antes de mais, se a liderança atual pode ser colocada em causa em função destes indicadores económicos, quando o Governo chinês projetava um crescimento de 5,5% este ano. “Há uma forte queda no mercado imobiliário, há um desemprego jovem elevadíssimo – perto dos 20% – e o contexto internacional também não ajuda. Isso acaba por ser uma panela de pressão interna que pode colocar em risco a sustentabilidade do regime“, afirma ao ECO o analista de assuntos chineses Jorge Tavares da Silva.
A verdade é que o crescimento da economia chinesa enfraqueceu consideravelmente a partir do início de 2022, em particular desde o confinamento de dois meses na capital económica do país, Xangai, na última primavera. Ao mesmo tempo, o gigante asiático atravessa uma crise sem precedentes no setor imobiliário, que “historicamente tem sido um motor de crescimento” da China. A par com o setor da construção civil, o mercado imobiliário representa mais de 25% do PIB chinês, segundo o FMI, que adverte que “um agravamento da crise imobiliária pode ter consequências para o setor bancário”.
Há uma forte queda no mercado imobiliário, há um desemprego jovem elevadíssimo – perto dos 20% – e o contexto internacional também não ajuda. Isso acaba por ser uma panela de pressão interna que pode colocar em risco a sustentabilidade do regime.
Mas que risco traz este cenário? A heterogeneidade do PCC, que conta com mais de 96 milhões de membros. Conforme explica o também professor de Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade de Aveiro, existem “segmentos do partido que defendem uma maior abertura económica, como por exemplo o primeiro-ministro, Li Keqiang, que acha que a política de ‘Covid Zero’ é excessiva e está a prejudicar a economia“. Portanto, estas fações contrárias, insatisfeitas com os indicadores económicos pessimistas, também podem ser um desafio à liderança de Xi.
Apesar do impacto da política “Covid Zero”, especialmente sobre o desemprego jovem e as famílias da classe média chinesa, a expectativa é que perdure. “Penso que é justo esperar que a política de ‘Covid Zero’ provavelmente se mantenha. A forma como a política funcionará na prática é outra questão, mas provavelmente permanecerá, tal como o tema da ‘Prosperidade Comum'”, resume Gordon Ip, diretor de Investimento no Value Partners Group.
Ainda assim, embora seja “difícil ver como a economia chinesa pode recomeçar a crescer até Pequim reduzir as restrições internas e voltar a ligar-se ao mundo”, como aponta o think tank Chatham House, os analistas internacionais estarão atentos ao relatório político do Congresso “por quaisquer sinais de um possível abrandamento ou indicações de caminhos futuros alternativos para a gestão da pandemia de Covid-19”.
Quanto à política económica chinesa para os próximos tempos, Jorge Tavares da Silva indica que o expectável é que vá “no sentido de tentar contrariar todos estes indicadores”. Isto é, “revitalizar a economia, reduzir o desemprego, ajudar o setor imobiliário, seguindo a tendência da China de forte intervenção na economia”, detalha o investigador da academia aveirense.
Ocidente com mais reservas
Apesar do abrandamento económico previsto pelos peritos internacionais, a China parece não ser afetada por alguns fatores que têm abalado as economias mundiais, que se deparam com alta inflação e uma crise energética que tem obrigado os bancos centrais a aumentos das taxas de juro, na sequência da invasão russa da Ucrânia. Em vez disso, Pequim tem dominado a inflação – em setembro, fixou-se em 2,8% em termos homólogos – e sem precisar de subir os juros.
É preciso ter em conta a posição ambígua de Xi Jinping relativamente ao conflito no leste da Europa. A política de sanções aplicada pela União Europeia (UE) e pelos EUA a Moscovo não é apoiada pela China, ao mesmo tempo que procura desenvolver atividade económica nessas regiões. “Vai jogando em dois tabuleiros”, considera o mesmo especialista em assuntos chineses, sublinhando que esta ambiguidade “é sempre uma posição interesseira”. “Posiciona-se politicamente próxima da Rússia, mas também não lhe dá o apoio todo porque quer continuar a fazer negócios com o mundo ocidental, de que precisa muito para a sua economia”, resume Jorge Tavares da Silva.
Desde 2001, ano em que foi aceite na Organização Mundial do Comércio, a China tem revolucionado as trocas comerciais e era, até agora, responsável por um quarto (25%) do crescimento do comércio internacional. No entanto, o Trade Growth Atlas de 2022 estima que o país perderá força, passando a representar 13% do crescimento do comércio internacional. Portugal, que no final do ano passado tinha na China o sexto maior ponto de importação de mercadorias, deverá sentir esta perda de expressão.
Porém, foi ainda antes da guerra na Ucrânia que surgiram as reservas do Ocidente em relação à segunda maior economia mundial. “A China era vista de uma maneira muito positiva, não havia propriamente uma posição muito negativa, portanto a economia fluía. Mas a partir sobretudo do ano passado, quando alterou um bocadinho os documentos oficiais — influenciado também pela postura da administração Trump –, passou a considerar e a definir a China como um competidor e rival sistémico”, diz o professor universitário.
A partir daí, continua Jorge Tavares da Silva, “o chamado mundo ocidental passou a olhar para a China de uma maneira muito mais reservada” e o cenário já não é muito positivo. Exemplos disso são, sobretudo, as políticas ao nível tecnológico, com entraves à tecnológica chinesa Huawei, a questões de cibersegurança e ao negócio dos semicondutores. É por isso, aliás, que um dos objetivos do Governo chinês tem sido a autossuficiência tecnológica.
No final do ano passado, Portugal tinha na China o sexto maior ponto de importação de mercadorias.
Em resumo, assinala Tavares da Silva que “a China já não tem, em termos internacionais, aquele espaço de à-vontade para fazer investimentos na Europa, como tinha anteriormente”. Isto porque, também com a pandemia de Covid-19 e a posição chinesa relativamente a Hong Kong, “o mundo percebeu em que lado político está a China posicionada — ainda que esta não esteja a colaborar com a Rússia”.
“A guerra na Ucrânia veio mostrar o campo político da China, que é, essencialmente, o das autocracias. Tem uma visão diferente para o mundo e aí há uma maior consciência do Ocidente, e sobretudo da União Europeia, em relação a esta China”, conclui o analista.
É neste cenário que o PCC vai eleger ou reeleger no 20.º congresso os próximos membros dos seus quadros, que definirão as políticas dos próximos anos. Entre as mudanças expectáveis estão os responsáveis, precisamente, pela área da política externa e da economia, como também o lugar de primeiro-ministro. Para este último cargo, um dos nomes apontados é o de Liu He, visto como um dos cérebros inspiradores da política económica da China de crescimento focado em consumo, atual vice-primeiro-ministro e que chegou até a ser elogiado pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump em 2019: “É dos homens mais respeitados em todo o mundo”.
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