Guerra na Ucrânia traz fabrico de roupa da Lacoste para Viseu
Com fábricas em Viseu, Castelo Branco e Arganil, Goucam salvou a produção da Lacoste na Ucrânia e ganha contrato para confecionar calças e casacos. Marcas francesas e alemãs cobrem perdas com Inditex.
Logo após o início da invasão russa, no final de fevereiro, José Carlos Castanheira arriscou uma “jogada de antecipação” no campo empresarial e conseguiu “apanhar uma encomenda” de blusões que a Lacoste tinha previsto colocar numa fábrica de confeções na Ucrânia. Contactou o empresário que detém essa unidade industrial no leste europeu e que temia as paragens de atividade por causa da guerra, e negociaram com a marca francesa a mudança para Portugal, que foi aceite.
“Entrámos para resolver um problema que eles tinham, ficaram contentes e viram que temos condições para continuar a trabalhar em conjunto. Fizemos essa entrega de blusões e negociámos [o fabrico de] calças e casacos para a próxima estação, que são os artigos de verão em que conseguimos entrar. Estamos a entrar no circuito de fornecimento da Lacoste, que é um cliente potencialmente interessante”, conta ao ECO o presidente executivo da Goucam.
Com perto de 400 trabalhadores, dos quais 285 estão em Viseu e os restantes repartidos pelas outras fábricas que detém em Castelo Branco e Arganil, este grupo da área da confeção conquistou já este ano outro cliente em França, um mercado que passou a representar 15% do negócio total. Na Alemanha, que igualou a quota francesa nos destinos das exportações, que asseguram a quase totalidade das vendas, arranjou outros dois novos clientes. Entre eles está a Hugo Boss.
No entanto, no caso desta marca de luxo de origem alemã, a experiência deve ficar por aqui. O empresário têxtil conta que “à partida [vai] deixar de trabalhar com eles na estação que está a começar porque não estão disponíveis para pagar os preços que [precisa] de praticar”. “A Hugo Boss é um cliente com que arrancámos este ano. Tivemos uma das fábricas a trabalhar para eles desde abril e até setembro. Apesar de não ter a rentabilidade que esperávamos, cumprimos esse negócio até ao fim”, resume.
Estas marcas, como a Lacoste e a Hugo Boss, entraram num momento em que os espanhóis não tinham negócio. Sobretudo a Massimo Dutti, que era um cliente pesado para nós e que falhou muito com as compras no início deste ano.
Clientes como a Lacoste ou a Hugo Boss vieram ocupar o espaço produtivo que foi deixado livre sobretudo pelo grupo Inditex, que “falhou muito com as compras no início deste ano”. Ao ponto de já ter equilibrado (50%/50%) a distribuição no que toca ao género, quando até ao final de 2021 fazia 80% de roupa de senhora e apenas 20% para homem. “Entraram num momento em que os espanhóis não tinham negócio. Sobretudo a Massimo Dutti, que era um cliente muito pesado para nós, porque com o grupo Carolina Herrera / Purificación Garcia duplicámos de 2021 para 2022”, relata.
Mesmo continuando a ser o mais representativo, o peso do mercado espanhol caiu de 85% para 50% em menos de um ano. Castanheira indica que a marca da galega Inditex já tem neste momento “vontade e condições para voltar aos números anteriores”. Porém, o grupo viseense não tem capacidade produtiva disponível nem quer “abdicar dos clientes que estiveram presentes nessa fase” mais difícil. Sente maior procura e precisa “urgentemente de aumentar as produções internas em todas as unidades”. É que a pandemia trouxe um upgrade na qualidade, mas reduziu as quantidades. Nos casacos, por exemplo, baixou 1.110 para 700 a 800 peças por dia.
Outro investimento que vai avançar em breve, podendo ascender a quatro milhões de euros, é a expansão da unidade de Viseu em cerca de 3.000 metros quadrados de área coberta, com o objetivo de voltar a incorporar a área do corte neste complexo industrial. Isto é, reverter a decisão tomada há alguns anos de montar uma unidade separada para concentrar esta atividade e, a partir daí, alimentar as três fábricas do grupo. “Estamos a preparar os projetos para juntar a construção nova à existente. Temos um lote na zona industrial que está ocupado com estacionamento para o pessoal e que permite construção”, detalha o empresário.
Pico na procura e nos preços do gás
Durante a pandemia, em que teve longas paragens na produção, o líder da Goucam sublinha que o grupo conseguiu “manter a saúde financeira” das empresas graças às ajudas do Estado, como o lay-off simplificado. A faturação caiu de 16 milhões em 2019 para 10 milhões em 2020, tendo apenas recuperado ligeiramente para 11 milhões no ano passado. Este ano também pouco sobe, com a previsão a apontar para 12 milhões de euros, apesar de ter novos clientes e a produção estar toda tomada. É que nesta fase está a fazer mais CMT (Cut, Make & Trim), modelo em que são os clientes que fornecem o tecido está apenas a “vender minutos” de produção; e menos produto acabado, em que consegue acrescentar mais valor.
Mais do que para a faturação, José Carlos Castanheira olha para o crescimento da atividade. “Estamos com mais procura, das maiores que tivemos em 30 anos neste negócio. Há uns anos houve uma tentativa de passagem de encomendas para cá, mas eram clientes que não estavam dispostos a pagar o preço, estavam a procurar-nos para fugir ao aumento de custos da Ásia. Neste momento não: há procura e os clientes, por necessidade e por não terem outra opção, estão dispostos a pagar os preços [que pedimos]. Há uma evolução nos preços”, garante.
O empresário sabe que “as informações económicas e as expectativas são más”, apontando para uma recessão a nível mundial, e que “o que seria expectável é que o cliente final começasse a desviar a disponibilidade financeira que tem para suprir outros custos”. “Agora, o que se verifica – e trabalhamos também com algumas marcas mais caras – é que continuam a crescer”, acrescenta. Dá o exemplo da Carolina Herrera, um “ótimo cliente” da Goucam, que este ano está a progredir à volta de 30% em termos homólogos.
Ora, o que também está a subir são os custos com a energia. A fatura do gás multiplicou-se por seis, desde dezembro de 2021. Na eletricidade, ainda em novembro de 2021, conseguiu assinar um contrato a dez anos com um aumento de 30% face ao que pagava, “mas que é significativamente abaixo dos preços atuais de mercado”. O empresário assegura que está a conseguir passar “grande parte” do acréscimo de custos aos clientes, de forma progressiva.
A par do crescimento do absentismo, que estava historicamente na casa dos 3% e disparou para os atuais 12% depois da pandemia – “as pessoas habituaram-se a estar em casa e a receber o vencimento sem trabalhar, passaram a dar menos valor ao trabalho e a esforçar-se menos”, desabafa Castanheira –, outra das preocupações envolve a falta de mão-de-obra. A Goucam precisa de 50 trabalhadores para entrada imediata nas três fábricas, mesmo que os candidatos não tenham qualquer experiência no setor.
A taxa de absentismo passou de 3% para 12%. Com a pandemia, as pessoas habituaram-se a estar em casa e a receber o vencimento sem trabalhar. Passaram a dar menos valor ao trabalho e a esforçar-se menos.
“Claro que é uma questão salarial também, mas a têxtil não paga menos do que paga a restauração. Neste momento, o grande concorrente da indústria [ao nível do emprego] são os cursos de formação. As pessoas não morreram, não houve mais emigração nesta fase pós-pandemia. E todos os setores se queixam de falta de mão-de-obra. Onde estão as pessoas? A única coisa que cresceu foi esta indústria de cursos de formação que se montou em Portugal e que tem de se continuar a alimentar. Não vejo outro motivo”, rematou o empresário, que em 1992 comprou a participação aos sogros.
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