Governo enviou para o Ministério Público auditoria sobre compra de aviões da TAP
Pedro Nuno Santos revelou no Parlamento que enviou para o Ministério Público uma auditoria feita pela companhia à compra de aviões na altura em que David Neeleman era o principal acionista.
O Governo enviou para o Ministério Público uma auditoria feita pela TAP à compra de aviões após a entrada de David Neeleman no capital da companhia aérea. A revelação foi feita esta quarta-feira por Pedro Nuno Santos no Parlamento, durante a audição na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação requerida pelo PCP e o Chega sobre a privatização da TAP.
O ministro das Infraestruturas e Habitação criticou o processo de reprivatização da companhia em 2015, feito pelo Executivo de Pedro Passos Coelho. “O PSD quando foi Governo vendeu a TAP por dez milhões, responsabilizando-se por dívidas passadas e futuras”, começou por dizer Pedro Nuno Santos. “O acionista privado injetou 224 milhões na TAP. O que os senhores não explicaram ainda é se houve uma capitalização ou um endividamento maior do que esta capitalização”, acrescentou mais tarde.
Pedro Nuno Santos afirmou que foram enviadas aos bancos financiadores da companhia cartas de conforto em que o Estado se comprometia a recomprar a TAP, se a transportadora entrasse em incumprimento. “Se o negócio correr mal, nós estamos aqui”, ironizou.
“Em vez de vender a um acionista que capitalizasse a empresa, vendeu a um acionista que a endividou”, referiu, acrescentando que, na altura, a TAP “suspeitou que estaríamos a pagar mais pelos aviões do que os concorrentes”. A companhia pediu uma auditoria, que entretanto foi entregue ao Governo. “Perante as dúvidas da auditoria, enviámos para o Ministério Público“, revelou Pedro Nuno Santos.
“Prometeram uma capitalização que não se traduziu em capitalização, mas em endividamento e em dificuldades que hoje estamos a ter que pagar. Aparentemente, para não ser mais taxativo, a pagar mais pelos aviões do que estão a pagar os nossos concorrentes“, reforçou o ministro.
O antigo acionista privado da TAP, David Neeleman, renegociou o contrato da TAP com a Airbus para a compra de 12 aviões A350, alterando a encomenda para a aquisição de cerca de 50 aeronaves A320 neo e A330 neo. Segundo noticiou o semanário Sol em junho de 2019, o empresário recebeu 70 milhões de euros da Airbus pela alteração, dinheiro que terá usado para adquirir a participação de 61% na companhia, através da Atlantic Gateway.
David Neeleman entrou no capital da companhia portuguesa durante a reprivatização levada a cabo pelo último Governo do PSD, em 2016. A Atlantic Gateway, o consórcio por si liderado e que integrava também Humberto Pedrosa, dono da Barraqueiro, ficou com 61% da TAP.
O empresário brasileiro abordou o negócio numa entrevista à revista Visão. “O que eu fiz foi ir à Airbus e dizer que não queria os A350, porque não faziam falta à TAP. Mas queria os A330 e os A321 LR (Longo Alcance) porque são mais rentáveis. A TAP pode, com os A321 LR, voar para Toronto, Boston, Nova Iorque e até Chicago, com custos mais baixos”, afirmou David Neeleman. “Eu não tirei nada da TAP. Estou a trazer este valor todo e não posso tirar um cêntimo enquanto a dívida bancária da TAP não estiver toda paga”, acrescentou.
PSD critica divulgação da auditoria na comissão Parlamentar
A resposta do PSD veio de Paulo Rios Oliveira. “Esta narrativa que está cada vez mais colada à sua pele é sempre repetida. Já percebeu que não vai dar, que não vai conseguir descentrar a discussão da sua privatização para o PSD. Não vai conseguir fazer isso”, afirmou o deputado.
O deputado exprimiu a “absoluta oposição e condenação pela forma leviana e dissimulada como este processo se tem vindo a desenrolar. O processo TAP é uma novela censurável que o PSD não deixa de denunciar. Este processo é feito de teimosia, alguma cegueira ideológica, alguns ajustes de contas do Governo e muita desinformação”, afirmou Paulo Rios Amorim, criticando o Executivo por passar a defender uma privatização que antes não assumia. “Disseram aos portugueses a quem querem dar 125 euros que tiraram 320 euros a cada um”, atirou.
Mais à frente na audição, Paulo Rios Amorim pediu ao presidente da comissão para “esclarecer que uma participação ao Ministério Público não é suscetível de ser divulgada nesta sala. E portanto é perder tempo falar nisso”.
Já com António Costa ao leme do Governo, foi negociada uma reversão parcial da privatização da TAP, com a Atlantic Gateway a reduzir a sua participação para 45%. O Estado ficou com 50% e os trabalhadores mantiveram 5%. David Neeleman deixou de ter qualquer participação em 2020, com a aquisição da participação pelo Estado.
A TAP SA foi totalmente nacionalizada no final de 2021 e o Governo pretende agora voltar a privatizá-la. Pedro Nuno Santos repetiu na audição desta terça-feira o que tinha dito no debate parlamentar da semana passada, afirmando que “não se iniciou nenhum processo de privatização neste momento. Não tenho nada mais para dizer num processo que não se iniciou”. O ministro voltou também a defender a entrada de um acionista privado: “Nós entendemos que a TAP é uma companhia num setor altamente globalizado e que a melhor forma de garantir a viabilidade a longo prazo é estar integrada num grupo de grande dimensão.”
“[Entrada de um acionista privado] é a forma de garantir que a TAP não anda de 10 em 10 anos ou de 15 em 15 com a morte em cima da cabeça.
Perante as críticas de Paula Santos, deputada do PCP, à intenção de privatizar a companhia, que poderá em causa os interesses e a soberania nacionais, Pedro Nuno Santos defendeu que a entrada de um acionista privado é a forma de “garantir que a TAP não anda de dez em dez anos ou de 15 em 15 com a morte em cima da cabeça“.
“Explicou ao PCP que uma empresa privada pode cumprir melhor o serviço público que uma empresa pública, que é o caso da TAP. Concordo e acho muito bem e gostaria que aplicasse o critério a outras empresas do país”, ironizou Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal.
“Só há duas informações que poderiam mudar este debate em relação àqueles que temos tido nas últimas semanas, a primeira é o ministro Pedro Nuno Santos dizer-nos o que vai fazer com a TAP, a segunda é o PSD dizer o que teria feito com a TAP. Como nem o ministro diz o que vai fazer, nem o PSD o que teria feito, resta-nos este espetáculo, às vezes mais cómico, às vezes mais triste, é a fruta da época”, afirmou Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda, que também criticou a opção pela privatização.
A polémica sobre a contratação de uma amiga da CEO da TAP, Isabel Nicolau, para o cargo de diretora de Melhoria Contínua, Sustentabilidade e Real Estate foi levantada pelo Chega, que também está contra a privatização. “A TAP com uma boa gestão é rentável e o senhor sabe. É rentável com uma gestão rigorosa, e não a cortar aos colaboradores e em contrapartida pagar salários principescos a administradores que não têm formação em engenharia aeronáutica e a diretores que são amigos do personal trainer e vão para a TAP ganhar 15 mil euros”, afirmou Filipe Melo. A companhia aérea rejeitou o envolvimento da CEO na contratação.
Pedro Nuno Santos não respondeu à polémica, mas admitiu a possibilidade de uma reversão antecipada dos cortes salariais na TAP. “Há uma alternativa que é conseguirmos rever os AE dando garantias de sustentabilidade pós-2025 e isso também permitiria anteciparmos o fim dos cortes salariais. Neste momento, isso ainda não é possível. A empresa apesar de já ter resultados operacionais positivos, ainda dá prejuízo”, explicou.
(notícia atualizada às 13h30)
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