TAP soube que estava a pagar a mais quando tentou renegociar com a Airbus
A companhia tentou renegociar o contrato assinado por David Neeleman com a Airbus. Foi depois disso que pediu uma auditoria a duas sociedades de advogados e uma consultora internacional.
O Governo recebeu da TAP, em setembro, uma auditoria ao contrato de aquisição de 53 aviões Airbus negociado por David Neeleman que indica que a companhia estava a pagar a mais que a concorrência pelas aeronaves, com elevados encargos financeiros. Foi quando tentou renegociar o contrato com o construtor europeu que se deu conta da discrepância. A auditoria, desencadeada pela atual administração, contou com a ajuda de duas sociedades de advogados e uma consultora internacional. Em causa podem estar suspeitas de corrupção e gestão danosa.
Para perceber a auditoria entregue pelos ministérios das Infraestruturas e das Finanças ao Ministério Público é preciso puxar o filme atrás. Depois de uma primeira tentativa falhada em 2012, o Executivo de Pedro Passos Coelho conseguiu fazer a privatização de 61% da TAP, no final de 2015, ao único comprador credível que apareceu, David Neeleman, dono da companhia área brasileira Azul. Antes de entrar no capital da transportadora portuguesa, o empresário decidiu renegociar a encomenda existente para 15 aviões A350. Prescindiu destas aeronaves de longo curso e avançou com um contrato de fornecimento de 53 aviões: 14 Airbus 330 – 900 Neo e 39 Airbus A320 e Airbus A321 Neo.
Segundo explicaram fontes sindicais ao ECO, a TAP e a Finnair seriam das primeiras companhias a receber os novos A350, aeronaves de nova geração, já com materiais mais leves. Como primeiro cliente, a companhia portuguesa esteve envolvida no desenvolvimento do novo modelo, com engenheiros da Manutenção & Engenharia deslocados na fábrica da Airbus em Toulouse e técnicos da construtora europeia na TAP. Ser o primeiro tinha uma vantagem: o preço das aeronaves era mais baixo, já que o investimento numa modelo de nova geração comporta riscos que as maiores companhias não gostam de correr.
Nas negociações com a Airbus, David Neeleman cedeu a posição da TAP – segundo as mesmas fontes a Azul terá ficado com o direito de receber um ou dois A350 – e avançou com uma encomenda de 53 aviões da família A330 e A320 Neo. O fabricante, que tinha entretanto uma longa lista de espera pelos A350, terá conseguido vendê-los por um valor bastante superior ao que a TAP pagaria.
O semanário Sol noticiou em junho de 2019 que o empresário terá recebido dinheiro da Airbus pelo negócio dos aviões, que usou para entrar no capital da TAP, através da Atlantic Gateway, consórcio em que participou também Humberto Pedrosa, dono da Barraqueiro, com uma posição minoritária. A Atlantic Gateway pagou 10 milhões diretamente ao Estado e fez entrar 234 milhões em prestações acessórias.
O empresário brasileiro abordou o negócio numa entrevista à revista Visão. “O que eu fiz foi ir à Airbus e dizer que não queria os A350, porque não faziam falta à TAP. Mas queria os A330 e os A321 LR (Longo Alcance) porque são mais rentáveis. A TAP pode, com os A321 LR, voar para Toronto, Boston, Nova Iorque e até Chicago, com custos mais baixos”, afirmou David Neeleman. “Eu não tirei nada da TAP. Estou a trazer este valor todo e não posso tirar um cêntimo enquanto a dívida bancária da TAP não estiver toda paga”, acrescentou.
No relatório e contas de 2015 da companhia aérea, a alteração da encomenda é justificada com a “diminuição do custo por passageiro”, sendo “os novos aparelhos mais baratos e eficientes para as viagens de longo curso, onde se verifica um maior investimento”. A nova frota permitiria ainda “posicionar a TAP entre as melhores companhias do mundo e garantir-lhe um papel cada vez mais decisivo nas ligações entre a Europa, África, Brasil e América do Norte”.
Além de perder o desconto nos A350, que Neeleman considerou que não se enquadrava na estratégia da TAP, a companhia terá ficado a pagar um valor excessivo pelos A320 e A330. “A administração, a determinada altura, suspeitou que nós estaríamos a pagar pelos aviões que foram encomendados pelo anterior acionista mais do que os concorrentes pagavam”, afirmou o ministro das Infraestruturas esta quarta-feira no Parlamento, quando anunciou o envio da auditoria para o Ministério Público.
Ao que o ECO apurou, a suspeita surgiu quando a atual gestão, encabeçada por Christine Ourmiéres-Widener, tentou renegociar o contrato com a Airbus para obter poupanças. Um contrato de que não pode sair e que prevê a entrega de mais aeronaves. A otimização dos custos operacionais é, de resto, um dos eixos do plano de reestruturação.
A atual gestão decidiu então fazer uma auditoria, que envolveu um escritório de advogados nacional, outro internacional e ainda uma consultora internacional do setor da aviação. O relatório foi remetido para os ministérios das Infraestruturas e das Finanças em setembro, que o enviaram a semana passada para o Ministério Público. O ECO contactou a TAP e a o Ministério das Infraestruturas, que não quiserem fazer qualquer comentário.
É neste contexto que podem ser lidas as críticas que Pedro Nuno Santos deixou quarta-feira ao PSD na audição na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação. “Em vez de terem vendido a um acionista que capitalizou a empresa, venderam a um acionista que endividou ainda mais a empresa”, afirmou o ministro.
A auditoria já está no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Segundo apurou o ECO, em causa podem estar suspeitas de corrupção e administração danosa em unidade económica do setor público (gestão danosa). Questionada, a PGR apenas disse que “relativamente ao assunto mencionado, confirma-se a receção na Procuradoria-Geral da República de uma participação apresentada pelo Ministro das Infraestruturas e da Habitação e pelo Ministro das Finanças. A mesma, e bem assim a documentação que a acompanhava, foram remetidas ao DCIAP para análise”.
Os Airbus não foram a única alteração na frota promovida por David Neeleman, que foi presidente da Jet Blue e lançou recentemente a Breeze Airways nos EUA. O empresário fez entrar na companhia portuguesa vários aviões Embraer e ATR, subalugados pela Azul, fundada e detida pelo antigo acionista da TAP. Segundo o site NewsAvia, das 165 aeronaves em regime contratual que a Azul tinha a 30 de junho de 2020, 15 estavam subalugadas à TAP.
Em 2017, já com António Costa ao leme do Governo, foi negociada uma reversão parcial da privatização da TAP, com a Atlantic Gateway a reduzir a sua participação para 45%. O Estado ficou com 50% e os trabalhadores mantiveram 5%. David Neeleman deixou de ter qualquer participação em 2020, com a aquisição da participação pelo Estado a troco do pagamento de 55 milhões de euros.
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