Criada por cinco ex-UPTEC, a Founders Founders define-se como "comunidade". A ideia é que, através da experiência dos pares, todas as empresas possam dar e receber no processo.
Etapa 3: Rumamos ao norte. Na quarta semana da Volta a Portugal em incubadoras, pedalamos mais 124 quilómetros, de Coimbra rumo à Invicta, para conhecer a casa da Founders Founders, nascida e criada por e para fundadores. Em vésperas da inauguração oficial desta “comunidade”, a casa é apenas uma das materializações do projeto com ambição global para “acabar com as fronteiras”.
Uma vez por mês — pelo menos — dizem-se as verdades. A cafetaria da Founders Founders enche-se de fundadores. É que o Scale me up, um dos quatro eventos mensais realizados na Founders House, no Porto — além do Happy Hour, do Let’s Grow Again e do Tech Tech Talk –, serve para isso mesmo: contar histórias com detalhes, assumir erros e encontrar soluções. Todos juntos. É o único fechado ao público, exclusivo a residentes.
“Há sempre uma equipa que expõe o momento em que está e todos os problemas que tem. E isso exige criar o contexto certo para não haver, nem meias palavras nos comentários, nem uma equipa retraída naquilo que pode ou não fazer ou dizer. E vê-se que, de seguida, toda a comunidade toma os problemas daquela empresa como seus e quer encontrar uma resposta para esses problemas e desafios. Constrói-se o maior portefólio possível de potenciais soluções para esse problema, nos dias e nas semanas que se seguem, e as empresas e equipas que lá vão sentem o impacto disso e produzem alterações naquilo que estão a fazer, seja no produto, no negócio, no marketing. Porque é totalmente honesto, muito transparente”, conta Rui Santos Couto, cofundador da Founders Founders, em conversa com o ECO.
Todo este fenómeno do empreendedorismo enquanto nova forma de fazer é muito encapsulado numa espécie de star system. O momento em que a realidade é cruel, é quando se tem de falar com os clientes e sentimos a crueldade de não estarmos a responder às suas necessidades. Ou em que temos de investir mais e não temos como nem sabemos como usar o dinheiro dos outros. Todo o resto é sempre maravilhoso, e por isso temos de ter uns interlúdios em que o choque de realidade seja provocado por uma franqueza avassaladora. E este evento é isso, uma franqueza avassaladora.
Rui considera, por isso, que “falta muito o exorcismo dos projetos que falham, na praça pública”. “É mesmo muito importante. Temos de chegar a um ponto em que isso seja tão importante como qualquer programa de aceleração. E depois à conta disso há uma perenização de coisas que deviam ter acabado há muito”, refere.
Rui conheceu Felipe Ávila da Costa, Paulo Cunha, Tiago Carvalho e Afonso Santos — juntos fundaram a Founders Founders — enquanto todos trabalhavam nas respetivas startups, na UPTEC, o Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto [lá chegaremos, mais à frente, nesta volta]. O projeto nasceu da necessidade: a ideia era poderem respeitar a necessidade de crescimento dos negócios sem prazos de validade e sem abdicarem do ambiente “empreendedor”.
Fundar uma “casa” onde coubessem todos — e mais — foi um passo natural depois dessa conclusão. “Estarmos no mesmo espaço físico [na UPTEC] motivava a que nos encontrássemos muitas vezes para discutirmos várias coisas e, depois, havia a particularidade de o polo tecnológico ainda estar nuns contentores que tinham sido do Metro do Porto. O que, por alguma razão, motivava um certo clima de sobrevivência que era bastante benéfico, ou benigno, à criação e ao cruzamento de pessoas”, justifica Rui.
O desenvolvimento das respetivas startups, e a necessidade de algumas se mudarem para espaços maiores, motivou a aceleração da criação da Founders Founders, um projeto que, mais do que um espaço físico, assenta na ideia de “comunidade”.
"Em vez de o fazermos isoladamente, acabámos por sincronizar essa desincubação, não querendo perder tudo aquilo que havia de bom no facto de estarmos, não só no mesmo espaço mas no mesmo contexto — de parcerias, de sinergias, de dinâmicas, de atitude, de espírito crítico. Achávamos que era mais do que apenas um escritório bonito. Era muito importante que as empresas e as equipas não perdessem esse ambiente ‘de contentor’, de troca constante de problemas e de soluções.
”
Daí à mudança da primeira empresa para as instalações da rua da Constituição foi uma questão de tempo. Na escolha do sítio, a garantia de uma boa oportunidade. “Havia a dimensão do espaço físico — porque tínhamos de mudar-nos para qualquer lado –, e uma certa ligação com o território e a dinâmica da cidade. Visitámos muitos espaços no Porto e percebemos que não era muito fácil encontrar um espaço com as características que queríamos: ou porque eram pequenos de mais ou grandes de mais, ou muito maus do ponto de vista da conservação do edifício”.
Há pouco mais de um ano, os primeiros — a equipa da ShiftForward — mudaram-se, ainda o edifício — antes ocupado pelo DIAP — estava em obras de melhoramento. O negócio — um investimento dividido entre a Founders Founders e uma sociedade imobiliária, dona do imóvel, garantiu uma renda variável consoante a ocupação.
Em vésperas da inauguração do espaço (marcada para 5 de abril), a casa da Founders está 90% ocupada. A renda do espaço assenta no preço de dez euros/metro quadrado mas a inauguração do espaço traz novidades, sobretudo no sentido de alargar a rede muito além dos cerca de 130 residentes atuais. “Para a maior parte destas empresas já não interessa falar de como se fecha a primeira ronda de investimento mas de como se fecha a 2ª ou a 3ª”.
Encontrar interessados foi tudo menos complicado. “Estaria a mentir se dissesse que tinha sido muito difícil encontrar gente”, defende Rui. “O facto de os fundadores já não serem marinheiros de primeira viagem fez com que as pessoas soubessem que iam encontrar o ambiente de que estavam à procura. E depois, a forma como o edifício foi preparado também tornava apelativo para quem se queria mudar. Todos juntos conseguimos criar esse ambiente atrativo porque a maioria das empresas não tem dimensão nem capacidade para ter um escritório só para si. E depois pelo facto de nós, desde o início, termos começado a montar uma rede de parcerias muito interessantes para os fundadores, individualmente, e para os projetos”, detalha.
Aquilo que é único aqui é a forma como começa, a génese do projeto, e que vai condicionar a forma como evolui. Foi criado por fundadores, totalmente conscientes daquilo que os fundadores como eles precisam para funcionar, do que os seus projetos precisam para funcionar.
Outra das características da rede é o facto de os mentores da comunidade funcionarem numa lógica on-demand: o portefólio de mentoria inclui pessoas tão diversas como investidores, empresários, jornalistas, tecnólogos, e outros nomes com muita experiência em fundos internacionais, “que tenham trabalhado em grandes empresas, já com coisas muito relevantes para dizer”, explica Rui.
Os encontros são marcados ou… nem tanto. “Pode ser numa reunião agendada um para um ou porque aparecem numa happy hour. Aos encontros trazem amigos e convidados do mesmo calibre e tornam a discussão muito mais interessante. O somatório de todas essas coisas, juntando a um contexto favorável com a rede de parcerias e o edifício ser apelativo, acabou por transformar isto numa coisa mais fácil de fazer, também porque sempre procurámos esse product market fit“.
Outro dos primeiros moradores da casa foi a Infraspeak, fundada há dois anos por Felipe Ávila da Costa e Luís Martins, e investida pela 500 Startups. “A grande vantagem da Founders Founders é a vertente a que chamamos peer mentoring. Quer ao nível dos founders, como em termos técnicos e de marketing. A ideia é essa comunidade proporcionar experiências, e isso era uma coisa que sentíamos que fazia falta. Era tudo muito focado em quem tinha uma ideia ou quem está em fase de arranque, mas havia falta de soluções para as chamadas scale up. A entreajuda é o core da comunidade”, justifica Felipe.
Fale-se de atletas
Uma das maiores equipas entre as 14 que ocupam o edifício é a liderada por Frederico Carpinteiro. O empreendedor, de 25 anos, fundou com o sócio Mario Espinoza a AdaptTech, uma empresa que desenvolve dispositivos médicos, ou seja, qualquer tipo de tecnologia que ajude pessoas com limitações físicas a melhorar a qualidade de vida. “Estamos a trabalhar numa ferramenta para técnicos de próteses cujo objetivo é melhorar o encaixe da prótese e o membro amputado. O nosso software projeta em tempo real a informação que os sensores estão a recolher e isto permite ao técnico saber onde estão os problemas e o que é preciso para os resolver”, esclarece Frederico.
Os ensaios clínicos da startup arrancam, em breve, no hospital de Alcoitão. Da carteira de clientes fazem parte destinos como os Estados Unidos e a Alemanha. “O à vontade que temos, o facto de conhecermos toda a gente, todas as pessoas de todas as empresas, e a facilidade de pedir ajuda se precisarmos de alguma coisa e começamos a falar com a pessoa que queremos falar. Contactos aqui, no Porto. A renda é baixa, também ajuda (risos)”, explica Frederico, cofundador da startup criada em fevereiro de 2015. Mario, que estudou na Costa Rica e “é de muitos países”, sublinha a importância da escolha da cidade, “suficientemente grande para ter tudo e suficientemente pequena para não ser uma Paris, uma Lisboa”.
Tal como todos os residentes não fundadores, os empreendedores da Adapttech foram “escolhidos a dedo”, não no sentido de altas provas de exigência mas na intenção de oferta-procura.
"Não somos de grandes formalidades mas diria que a admissão, a adesão, é um momento marcante porque assumo um compromisso de dar e receber. Na medida daquilo que eu estou disponível para e, na nossa avaliação, dar e receber.”
“As empresas ou os fundadores propõem-se aderir, existe deste lado ‘uma consideração’, no sentido de perceber o que fazem, como fazem, em que ponto estão. Se estão num ponto mais sénior ou embrionário temos soluções para isso, dentro no ciclo de vida do empreendedor, e seja o que isso for. Não sei onde ele termina para se chamar um ciclo, mas é o caminho. Tem muito a ver com a questão do atleta”, exemplifica Rui.
“Um atleta treina todos os dias, os resultados são muito pequenos dia a dia e depois materializam-se na competição. E é aí que vês se estás preparado para competir. Estás muito apaixonado por aquilo que fazes, tem tudo a ver com isto. Todos os dias querem evoluir, nem que seja muito pouco, mas sempre com a orientação de uma coisa que é maior do que nós e que gostaríamos de ver concretizada. A Founders, nesse sentido, é uma espécie de terreno de jogo onde essas coisas acontecem”, detalha. E acrescenta: “Não temos nenhum sentido paternal: o processo é criar e deixar funcionar. Acreditamos que não é preciso mexer muito na comunidade, basta dotá-la das condições necessárias para funcionar e as pessoas fazem o resto. A gente só tem de encontrar uma forma de as juntar e de as pôr a comunicar, não somos uma entidade altamente intrusiva, com uma agenda super intensa e que se não fizermos nada, nada acontece”.
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Volta a Portugal em incubadoras: Founders Founders, Porto sentido pelos fundadores
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