Exclusivo Digital Nomads Association quer criar 10 projetos como o da Madeira em Portugal continental
A criação de comunidades de nómadas digitais por todo o país, especialmente no interior, é essencial para o sucesso do novo visto, defendem os especialistas ouvidos pela Pessoas.
A Digital Nomad Association (DNA) Portugal, cocriada por Gonçalo Hall, o impulsionador do projeto Digital Nomad Village Madeira Islands, pretende replicar a vila para nómadas digitais que começou no município de Ponta do Sol, no Funchal, em Portugal continental. O objetivo é criar dez projetos descentralizados durante o próximo ano. Alguns municípios já confirmaram o interesse, sabe a Pessoas.
“Criamos a DNA para desenvolver dez projetos como o da Madeira em Portugal continental. Projetos descentralizados. Fizemos um roadshow há duas semanas pelo interior de Portugal, passámos por Gouveia, Oliveira do Hospital, Mealhada, Cinfães e acabámos em Peniche. Todos estes municípios estão interessados em replicar o projeto da Madeira”, adianta o presidente da DNA Portugal e digital nomadism consultant da Startup Madeira.
O Digital Nomad Village Madeira Islands é um projeto de parceria entre o governo regional da Madeira e da Startup Madeira que tem como objetivo criar condições para atrair nómadas digitais de todo o mundo para o arquipélago, potenciando as vantagens da ilha. Nas ‘aldeias’, os profissionais têm acesso a um espaço de coworking gratuito, ajuda na reserva de apartamentos ou hotéis, pequenos eventos, atividades desportivas e o contacto com uma comunidade de trabalhadores remotos para criar oportunidades de negócio e networking com a comunidade local. Este projeto vai continuar, pelo menos, por mais três anos, até 2024.
O objetivo da Portugal DNA é criar dez comunidades como esta da Madeira, durante o próximo ano, assegura Gonçalo Hall. Os municípios citados pela presidente da associação já mostraram interesse de forma confirmada. O próximo roadshow vai passar, sobretudo, pelo Alentejo e Algarve, onde também já alguns municípios manifestaram interesse, ainda que aí nada esteja fechado.
O passo seguinte é a obtenção de financiamento. O plano A passa pelo financiamento do Governo — tal como aconteceu na Madeira — e o plano B pelos orçamentos dos próprios municípios, algo que, admite Gonçalo Hall, possa levar mais tempo e tenha de ser feito de uma forma “muito mais pequena”.
“Estamos a tentar perceber como é que vamos financiar, uma vez que o Governo não nos tem dado feedback em relação à possibilidade de financiamento. Se terão de ser os municípios, que têm um orçamento muito apertado. A questão é que a maior parte dos municípios não tem muito dinheiro. Alguns vão, por exemplo, construir espaços de cowork e dar à associação DNA para gerir.”
“Mas, a verdade é que sem o Governo será muito difícil. Além de que o Governo não deve dizer, por um lado, que é necessário descentralizar e que os nómadas digitais terão benefícios por não ficarem em Lisboa e no Porto e, ao mesmo tempo, não fazerem nada nesse sentido. Portanto, estamos a apostar que o Governo vai querer replicar este modelo da Madeira, que funciona, e que vamos estar em todo o país no próximo ano”, diz Gonçalo Hall.
“Os nómadas digitais não viajam para países, viajam entre comunidades”
O Governo lançou um novo programa de vistos para atração de nómadas digitais, que entrou em vigor no final de outubro. Reconhecendo que a medida pode causar “um problema” no imediato, com tantos estrangeiros a escolherem as cidades de Lisboa e Porto para o teletrabalho, aumentando os custos da habitação, Rita Marques, numa intervenção na Web Summit, admitiu que o Governo está atento a isso e a criar políticas públicas nesse sentido.
“No curto prazo, este visto pode dar um benefício extra se não vier para Lisboa, mas sim para o interior”, confirmou a governante, na altura. Questionado pela Pessoas sobre os detalhes deste benefício extra, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social não deu resposta até ao fecho deste artigo. Também não avançou o número de solicitações recebidas para a obtenção deste novo visto.
O visto é interessante e, se bem projetado, pode até ajudar na repovoação do interior. Mas faltam mais ferramentas para que, realmente, possa ser algo que ajude a repovoar o interior. Temos de criar mais comunidades para garantir que este visto não tem um impacto negativo em Lisboa e no Porto, mas sim um impacto positivo em todo o território.
Gonçalo Hall olha para o novo visto com bons olhos — “cria regras muito mais ajustadas aos trabalhadores remotos que querem fazer o seu trabalho a partir de Portugal e ajuda, até, legalmente as empresas a permitirem que os seus trabalhadores possam estar em Portugal por um período limitado de tempo, porque estão protegidos legalmente em termos de impostos” — mas lamenta que faltem ainda ferramentas que o levem a ter um impacto positivo no interior do país.
“O visto é interessante e, se bem projetado, pode até ajudar na repovoação do interior. Mas faltam mais ferramentas para que, realmente, possa ser algo que ajude a repovoar o interior. Temos de criar mais comunidades para garantir que este visto não tem um impacto negativo em Lisboa e no Porto, mas sim um impacto positivo em todo o território”, defende.
“A chave do sucesso de Portugal neste mercado e neste visto tem, exatamente, a ver com o facto de conseguirmos criar várias comunidades em todo o país e não deixar que este impacto positivo fique só em Lisboa, onde, devido ao excesso de pessoas, de população e de turistas, poderá até ter um impacto negativo”, acrescenta o presidente da DNA Portugal.
Joana Glória, que criou no Algarve a Lagos Digital Nomads, não podia estar mais de acordo. “Os nómadas digitais, na sua grande maioria, não viajam para países. Viajam entre comunidades”, salienta. “Não basta lançar um novo visa, é preciso preparar todo um terreno junto das comunidades locais para oferecerem as melhores condições possíveis para os nómadas digitais, e acima de tudo, criar uma comunidade em cada região que quiser atrair este mercado”, considera.
Ainda assim, a ideia de base é promissora. “A visibilidade que Portugal ganhou após ter sido nomeado o melhor país do mundo para se trabalhar remotamente, em conjunto com o lançamento do novo visto para nómadas digitais e trabalhadores remotos, vai ter um impacto positivo na minha opinião. Já estava na hora de lançarmos um visa específico para este ‘novo turista’ que tanta economia tem gerado em várias zonas do país, especialmente desde o início da pandemia”, refere a fundadora da Lagos Digital Nomads, que já conta com cerca de seis mil membros.
Karoli Hindriks, cofundadora e CEO da Jobbatical, que chegou a Portugal em fevereiro, ajuda os profissionais a braços com processos de realocação. Desde que iniciou a operação em território nacional, a empresa já geriu mais de 300 casos de imigração. Embora a sua atividade esteja mais focada em processos de imigração, a gestora admite que “cada vez mais vemos casos de funcionários que também se movimentam como nómadas digitais, o que, em geral, é um movimento mais temporário”.
No entanto, ainda não deteta um movimento com destino no interior do país. “Lisboa e Porto continuam a ser as duas cidades mais procuradas”, afirma.
Não basta lançar um novo visa, é preciso preparar todo um terreno junto das comunidades locais para oferecerem as melhores condições possíveis para os nómadas digitais, e acima de tudo, criar uma comunidade em cada região que quiser atrair este mercado.
A Jobbatical foi precisamente a equipa que, juntamente com o Governo da Estónia, criou o que deveria ser o primeiro visto de nómada digital no mundo. “Explicámos aos representantes do Governo estoniano por que razão o mundo e as novas formas de trabalho exigem essa nova política em fevereiro de 2018, no nosso escritório, e o Parlamento aprovou-a em junho de 2020. É muito bom ver que outros países, incluindo Portugal, estão a seguir esses passos (esperávamos que isso acontecesse) e aconselhamos alguns Governos europeus sobre como deve funcionar este visto, para ser eficaz”, conta.
O novo regime de entrada de estrangeiros em Portugal (Lei 18/2022 de 25 de agosto) prevê, entre outras alterações, a concessão de visto de residência ou de estadia temporária aos nómadas digitais que trabalhem para empresas localizadas fora de Portugal. “Esta é uma medida que demonstra que o país está a seguir a tendência e a facilitar que a população estrangeira preencha lacunas no mercado de trabalho, tendo com este excelente país como base. Todas as medidas que ajudam as empresas na competição global por talento são bem-vindas”, considera Karoli Hindriks.
No entanto, a líder da Jobbatical alerta para um caminho ainda longo que Portugal tem de percorrer, por exemplo, no que diz respeito aos “requisitos legais com ‘zonas cinzentas’ e aos prazos para questões burocráticas”, dois dos que considera serem os maiores entraves à rápida circulação de talento e à realocação de trabalhadores em Portugal.
Novo visto. Já está em vigor, mas ainda é cedo para aplicar?
Apesar de o novo visto para nómadas digitais ter já entrada em vigor no passado dia 30 de outubro, parece ser ainda demasiado cedo para recolher pedidos por parte dos nómadas digitais. “Segundo o feedback que tenho recebido pela minha comunidade, a maioria das embaixadas fora de Portugal não está, ainda, preparada. Eles [os nómadas digitais] estão a ter dificuldades em obter informações junto às embaixadas fora de Portugal, de forma a terem este novo visto”, conta Gonçalo Hall. “Neste momento parece haver aqui um bloqueio, mas acredito que seja só uma questão de tempo.”
Em Lagos, Joana Glória diz que não tem conhecimento de existirem já nómadas digitais com este novo visto. No entanto, já recebeu alguns pedidos de ajuda nesse sentido. “Encaminhei alguns pedidos por parte deles [nómadas digitais] a advogados para que possam tratar de todo o processo por eles. Ainda muito pouco se sabe acerca deste novo visto, daí, os encaminhar para profissionais que os possam ajudar com o processo“, diz.
O visto de entrada temporária e de autorização de residência para estes nómadas digitais está disponível, para pedido, nos consulados portugueses e no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Segundo a regulamentação publicada em DR, os requerentes ao visto temporário para nómadas digitais de trabalho subordinado têm de apresentar comprovativo de residência fiscal; contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho ou declaração de empregador a comprovar o vínculo laboral; e documento a comprovar rendimentos médios mensais nos últimos três meses de valor mínimo equivalente a quatro remunerações mínimas mensais garantidas.
Em caso de atividade independente, e além dos comprovativos de residência e de rendimentos médios mensais nos últimos três meses de valor mínimo equivalente a quatro remunerações mínimas mensais garantidas, os trabalhadores devem apresentar o contrato de sociedade ou contrato de prestação de serviços ou proposta de contrato de prestação de serviços.
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