Costa quer taxa sobre lucros extraordinários mais abrangente que a da UE
Criar condições para abranger mais empresas aparece como uma opção válida na maior parte das leituras recolhidas pelo ECO/Capital Verde, embora surjam algumas ressalvas.
A proposta que o Governo apresentou para taxar os lucros extraordinários de algumas empresas do setor da energia coloca um limite diferente do proposto a nível europeu no que diz respeito às empresas abrangidas, dando margem para que mais empresas sejam afetadas pela taxa do que se o texto se tivesse mantido fiel à proposta europeia.
A diferença está na alínea que explica que firmas serão alvo desta taxa, designada por contribuição solidária. Enquanto na versão europeia se aponta para “as empresas ou os estabelecimentos permanentes da União que gerem, pelo menos, 75 % do seu volume de negócios resultante de atividades económicas no domínio da extração, exploração mineira, refinação de petróleo ou fabrico de produtos de coqueria”, o texto português incide sobre “os sujeitos passivos e estabelecimentos permanentes referidos no n.º 1 desenvolvem atividades nos setores de petróleo bruto, do gás natural, do carvão e da refinação quando geram pelo menos 37,5 % do seu volume de negócios em atividades económicas dos setores da extração, mineração, refinação de petróleo ou fabricação de produtos de coqueria”.
O ministério das Finanças foi contactado para esclarecer que empresas estão abrangidas em cada um dos cenários, mas não respondeu até ao fecho deste artigo. Os especialistas em fiscalidade e energia consultados pelo ECO/Capital Verde concordam que, à partida, esta alteração terá como objetivo que mais empresas sejam abrangidas pela taxa, embora nenhum destes intervenientes consiga apontar exatamente quais as entidades afetadas.
“Efetivamente esta alteração parece-me ter tido o propósito de onerar entidades que, à luz do critério de 75% (…) ficariam excluídas do respetivo regime”, indica Filipe Vasconcelos Fernandes, especialista em Economia e Fiscalidade da Energia. Mafalda Alfaiate, consultora na Miranda e Associados, concorda: “Sendo a proposta do Governo no sentido de ir além do que estava previsto no Regulamento, é possível que seja porque há entidades que ficam sujeitas a esta contribuição com referência a um volume de negócios de pelo menos 37,5%, e que não estariam sujeitas a essa contribuição com referência a um volume de negócios de pelo menos 75%”. José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS Legal, é perentório: “A redução da percentagem de volume de negócios na energia alarga o âmbito de aplicação desta proposta e da eventual aplicabilidade da nova taxa.”
"As entidades portuguesas que passem a estar sujeitas a esta contribuição com referência a um volume de negócios inferior a 75% poderão, eventualmente, em sede contenciosa, questionar a justiça e proporcionalidade da contribuição que lhes é exigida”
Independentemente dos motivos que levem o Governo a baixar este limiar, esta parece ser uma alteração válida na maior parte das leituras recolhidas pelo ECO/Capital Verde, embora surjam algumas ressalvas. “Nada impede os Estados Membros de irem para além” do Regulamento da União Europeia, defende Mafalda Alfaiate. No entanto, é referido no regulamento europeu que a base de cálculo aí definida visa também garantir “a proporcionalidade da contribuição de solidariedade nos vários Estados-Membros”, continua. Logo, “as entidades portuguesas que passem a estar sujeitas a esta contribuição com referência a um volume de negócios inferior a 75% poderão, eventualmente, em sede contenciosa, questionar a justiça e proporcionalidade da contribuição que lhes é exigida, designadamente na medida em que a mesma possa ser desproporcional com referência ao regime aplicável nos demais Estados-Membros”, alerta.
Moreira da Silva afirma que a lei nacional não pode contrariar o regulamento europeu mas “este específico regulamento apenas fixa mínimos a serem obedecidos pelos Estados membros, deixando a cada um alargar o seu âmbito” e “esta possibilidade está prevista no regulamento e por isso não o viola”.
Porém, na mesma linha do que defende Mafalda Alfaiate, o sócio da SRS Advogados sublinha que “isto não significa que não possa ser contestado na aplicação a casos concretos”, uma vez que a ampliação da taxação deve ser feita de acordo com o princípio da não discriminação, proporcionalidade e concorrência. Ao mesmo tempo, exige que não seja posta em causa a possibilidade de a empresa manter o pagamento dos seus custos e o investimento necessário. “Esta exigência do regulamento tem de ser analisada caso a caso para se verificar se a aplicabilidade desta nova taxa não viola o regulamento”, conclui.
Já Filipe de Vasconcelos Fernandes considera a opção do Governo “claramente questionável”, pois “os regulamentos, ao contrário das diretivas são diretamente aplicáveis” e, já que a redação do Regulamento refere expressamente “pelo menos 75%”, o regime português “opta por uma solução que o regulamento não consente”.
O Conselho de Ministros aprovou na passada quinta-feira, 17 de novembro, a proposta de lei, a submeter à Assembleia da República, que procede à regulamentação das contribuições de solidariedade temporária sobre os setores da energia e da distribuição alimentar.
“A contribuição de solidariedade temporária da energia pretende constituir um meio adequado para tratar os lucros excedentários decorrentes de circunstâncias imprevistas, na medida em que esses lucros não correspondem aos lucros habituais que as empresas com atividades naqueles setores obteriam ou poderiam esperar obter em circunstâncias normais”, justifica a nota do Conselho de Ministros, em linha com o explicado pela Comissão Europeia aquando da apresentação do regulamento europeu que deu origem a esta iniciativa, no caso das empresas de energia.
Quanto à taxa sobre a distribuição, não está prevista no mesmo regulamento europeu, tendo o Governo acrescentado esta aplicação em paralelo. As empresas de energia e distribuição alimentar vão estar sujeitas a uma taxa extraordinária de 33% se, este ano e no próximo, tiverem um aumento de 20% dos lucros em relação aos últimos quatro anos. As empresas da distribuição ficam isentas da tributação sobre os lucros excedentários se o retalho alimentar representar menos de 25% dos volume de negócio total. Também esta taxa levanta dúvidas assinaladas por fiscalistas, que dizem que a taxa proposta para a distribuição “arrisca acabar nos tribunais”.
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