Na Feira do Relógio, em Lisboa, os vendedores e os clientes também sentem a subida de preços dos legumes, da fruta e dos ovos, mas garantem ao ECO que "ainda compensa" face aos supermercados.
A inflação tem forçado os portugueses a uma gestão mais criteriosa do orçamento familiar e a mudar os hábitos de consumo. A escalada de preços tem levado cada vez mais lisboetas à Feira do Relógio. Ao ECO, comerciantes e clientes também aqui notam a subida dos preços dos bens essenciais, como a fruta, legumes e o pão, mas garantem que continuam a “compensar” face aos preços dos supermercados, bem como pela qualidade dos produtos.
“Nota-se que as pessoas vêm mais à feira por causa da subida dos preços. A partir do momento em que começaram a perder poder de compra, notou-se logo, logo, logo”, adianta Agostinho, que já vende na Feira do Relógio há uma década. O produtor e comerciante de frutas, legumes e batatas admite que já teve “necessidade” de aumentar alguns preços, dado o aumento dos custos inerentes à produção. “Há certas coisas que a gente mesmo que não queira teve que aumentar”, diz, justificando-se com a subida dos preços dos adubos e fertilizantes. “Os adubos estão a mais do dobro do preço”, calcula.
Ainda assim, Agostinho, que tem uma horta a cerca de 10 quilómetros das Caldas da Rainha, garante que continua a “compensar” vir à feira. “Às vezes vendo aqui feijão-verde na época dele a 2,50 euros/kg e lá no supermercado está a 4 euros/kg. E é pior do que o nosso, porque não é aquele feijão largo”, sinaliza. Essa situação é confirmada por alguns clientes. “Estão muito mais baratas… Olha lá o tamanho delas”, comenta uma delas, que passa uns metros à frente, apontando para uma caixa de clementinas.
Com o tema da inflação na ordem do dia, que foi fixada em 7,8% em 2022, o valor mais elevado em 30 anos, o fator preço e a qualidade são cada vez mais realçados pelos clientes. “Venho aqui porque são coisas mais nacionais do que irmos aos hipermercados, em que é quase tudo estrangeiro”, aponta Clara enquanto encomenda uma caixa de ovos numa banca. Sublinha ao ECO que, apesar de estar tudo mais caro, “comparativamente aos preços dos hipermercados as coisas aqui são mais baratas, sem dúvida”.
A opinião é partilhada por Patrícia, que denota, no entanto, algumas variações de preços de semana a semana. “Os preços são mais baratos. Apesar de, por exemplo, a cebola na semana passada estar a 80 cêntimos/kg e agora já estar a 1,10 euros/kg. Está a ver? Já está a subir aqui também”, riposta a cliente.
Uns metros mais à frente — e sem mãos a medir para a “enxurrada” de clientes — está Olívia Camarate, vendedora há mais de 20 anos nesta feira. E como são aqui os preços? A resposta vem na ponta da língua. “A senhora, olhando para a minha banca, o que é que acha dos preços? Não se pode queixar: [tem] batata a 80 cêntimos, batata-doce a 50 cêntimos, duas alfaces a um euro, três quilos de batata a 1,80 euros… Acha que é para se queixarem?!”, insiste.
Com um terreno na zona de Mafra, à semelhança de Agostinho, também esta vendedora admite que teve de aumentar os preços. “Eu faço plantações todas as semanas. Se o meu fornecedor de plantas me aumenta, eu tenho de aumentar depois”, sublinha. Dá como exemplo o aumento da planta de alface, de espinafre ou até da eletricidade. “Isto só não vê quem não quer ver. Claro que alguns produtos têm de subir”, acrescenta.
Apesar dos aumentos, Olívia nota uma maior afluência de clientes (“principalmente juventude”), dado que “uma das vantagens” de comprar ao produtor é os produtos serem “mais baratos”, afiança. Mesmo assim, as pessoas reclamam “um bocadinho”. Esta opinião é partilhada por Carlos, que ouve as pessoas a “queixarem-se mais”. Ainda assim, completa, há “mais gente a vir” não só porque os produtos “são frescos e de qualidade”, mas também pelo preço. “É o melhor e o mais barato”, conclui a vendedora.
“Enquanto estamos a vender a 3,80 euros/kg o feijão verde, no supermercado deve estar à volta de quatro, cinco euros/kg”, atira o vendedor de frutas, legumes e leguminosas. Com uma banca nesta feira há vários anos, o comerciante diz que vai aumentando os preços dos produtos que vende “consoante a inflação vai aumentando”. Elenca o feijão, a cenoura ou a banana. Por sua vez, a esposa justifica a subida de preços com “escassez de produto”, uma vez que “no verão não houve produção pela seca e agora a chuva excessiva não deixa produzir”.
Certo é que até os clientes mais assíduos já lamentam as subidas. “Está cada vez pior”, atira Dina, que vive perto do Parque da Bela Vista. Leva um saco de compras na mão direita e está pronta a pagar. “Venho cá todas as semanas a este senhor. Gosto de lhe comprar porque os produtos são frescos. [Mas] os preços agora estão um bocadinho puxados…”, afirma, ao ECO, acrescentando que agora não compra “tanto como comprava”.
“Costumo vir cá pelos produtos e pelos preços também”, repete Pedro, que vinha à Feira do Relógio todas as semanas mas agora, que se mudou para a margem Sul do Tejo, vem apenas “uma a duas vezes por mês”. À semelhança dos outros clientes ouvidos pelo ECO, também Pedro destaca a qualidade dos produtos, sublinhando que “as alfaces, por exemplo, estão no frigorífico e aguentam 15 dias”, enquanto “no supermercado ali três, quatro dias já estão todas a apodrecer”. E os preços? “Não vê? Onde é que compra uma caixa de mangas a cinco euros?”, diz, enquanto abre o saco de plástico.
A par dos legumes e da frutas, os ovos foram alguns dos produtos que mais aumentaram de preço nos últimos tempos. “Estavam a um euro a dúzia e passaram para dois [euros] há meia dúzia de meses. Apesar disso, aqui estamos a vender a um preço mais barato do que muitos lados porque aqui temos uma margem de lucro mínima”, afiança Eduardo Casaca, vendedor nesta feira há mais de 30 anos.
Contudo, o preço que pratica já pesa na carteira de alguns clientes. “Há coisas que vale a pena, há outras que não vale. Os ovos, por exemplo, é quase igual ao preço do supermercado”, sinaliza Cristina, de braço dado com o marido, e que acabou de comprar ovos na banca de Eduardo. “A fruta e isso vale a pena”, completa Fernando
O pão é outro dos produtos mais procurados pelos portugueses, que também não escapa às subidas, ainda que de forma menos significativa. “No ano passado não aumentámos, mas este ano tivemos mesmo de aumentar”, conta Patrícia, dona de uma banca de pão e bolos na Feira do Relógio. A bola aumentou cinco cêntimos, passando a custar 30 cêntimos a unidade, ao passo que “tudo o resto aumentou 10 cêntimos”. Já a carcaça manteve-se nos 16 cêntimos.
Proprietária de uma fábrica em Mafra, além da Feira do Relógio, a vendedora comercializa os seus produtos noutras feiras da zona da Margem Sul, Póvoa de Santa Iria e Odivelas. E se nos outros locais já tinha sido forçada a aumentar os preços, dado que “o quilo da farinha aumentou mais do dobro”, as subidas de preços nesta feira foram adiadas para este ano. “Aqui em Lisboa vê-se que as pessoas, pelo menos nesta feira, têm muito menos poder de compra” sinaliza Patrícia, acrescentando, que os clientes “têm muita tendência de andar de bancada em bancada a ver onde encontram o mais barato”.
Para já, ao contrário de outros vendedores, Patrícia não tenciona voltar a subir o preço do pão a curto prazo. “Pelo menos no pão, as pessoas já sabem que é aquele preço fixo e já vêm a contar. Tudo o resto varia muito de semana para semana”, assegura.
Tal como Agostinho, Odília e Carlos, nota maior afluência. “Há gente mais jovem e casais de meia idade, na casa dos 40-50, que parece que estão um bocado desajustados, mas começam a vir à feira”, comenta, notando ter começado a “sentir essa diferença” no final do ano passado.
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Inflação leva mais gente à feira. “É melhor e mais barato”
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