Há 25 anos que a banca portuguesa não estava tão confortável
O rácio de transformação da banca está atualmente no valor mais baixo desde março de 1998 e é 1,6 vezes inferior ao rácio de transformação médio desde a adesão de Portugal à Zona Euro.
Por cada 100 euros que captam em depósitos, os bancos emprestam atualmente 79 euros. É preciso recuar 25 anos, até março de 1998, para se encontrar um rácio de transformação tão baixo. “É o resultado de uma política mais conservadora e o resultado de muita nova regulação que faz um enfoque no aumento das exigências de liquidez de curto e longo prazo nos bancos”, refere João Duque, professor de Finanças no ISEG.
Mas a redução do rácio de transformação não significa que a banca esteja a cortar na torneira do crédito. Nos últimos quatro anos, por exemplo, a concessão de crédito às famílias (consumo e à habitação) e às empresas aumentou a um ritmo médio de 2,5% por ano, culminando em 196 mil milhões de euros no final do ano passado, o valor mais elevado desde 2015.
Grande parte da desalavancagem da banca deve-se a uma forte subida da captação de depósitos por parte dos bancos, tanto junto das empresas como dos particulares: nas últimas duas décadas, apenas por uma ocasião (2012) a banca registou uma queda dos recursos captados sob a forma de depósitos.
Só nos últimos quatro anos, apesar da remuneração dos depósitos ser nula ou perto de 0%, os recursos captados cresceram a um ritmo médio anual de 7,7%, com os bancos a contabilizarem nos seus cofres quase 250 mil milhões de euros no final do ano passado em depósitos.
“As medidas implementadas pelo setor bancário português ao longo destes últimos anos, em particular o considerável processo de desalavancagem, têm contribuído para aumentar a sua resiliência, em especial ao nível da liquidez e solvabilidade, e estar melhor preparado para enfrentar choques adversos como aqueles que se têm verificado recentemente (pandemia ou agravamento da inflação)”, refere a Associação Portuguesa de Bancos, ao ECO.
Há muito tempo que os bancos não se encontravam numa situação de liquidez tão forte. Tomando como referência os dados referentes ao rácio de transformação atual da banca, João Duque considera que os bancos “estão mais sólidos hoje mesmo com um maior nível de crédito concedido.”
Longe vão os tempo em que a banca apresentava elevados níveis de alavancagem, com o montante do crédito a superar largamente os recursos captados em depósitos. Em 2009, o setor apresentava um rácio de transformação acima dos 160%. Foi o máximo histórico. O extinto Banco Espírito Santo (BES), por exemplo, chegou a ter um rácio de transformação de 195%. Significava que por cada 100 euros de depósitos, o banco emprestava 195 euros.
Desde o pico alcançado em 2009 que os bancos têm promovido políticas de forte desalavancagem da sua estrutura. Parte desta dinâmica é fruto da aplicação do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), assinado e iniciado em 2011, que visava o reforço dos rácios de capital e a desalavancagem do sistema financeiro.
Entre outras métricas, o programa da troika exigia que os oito maiores bancos teriam de reduzir os seus rácios de transformação para 120% até 2014. Hoje, o rácio está 410 pontos base abaixo dessa meta. “Para a economia é negativo termos um rácio tão elevado como antes, mas um rácio baixo também não é positivo”, refere ao ECO o economista António Nogueira Leite.
Para a economia é negativo termos um rácio tão elevado como antes, mas um rácio baixo também não é positivo. Fomos de excesso de ousadia para excesso de prudência.
Se no passado os bancos utilizavam os recursos captados em depósitos para se alavancarem no mercado e concederem crédito a empresas e particulares, hoje a situação mudou. Não só não necessitam de se alavancar para conceder crédito, como nem todos os depósitos são convertidos em crédito – são também utilizados para aplicar em ativos financeiros.
“Fomos de excesso de ousadia para excesso de prudência”, completa António Nogueira Leite, sublinhando ainda que “estamos a chegar a valores de transformação relativamente baixos.”
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