(Vin)Colados aos contratos

Anacom insiste em reduzir o prazo máximo de fidelização para seis meses, um tema que ressurge de tempos em tempos. Mas o Governo terá dificuldade em justificar politicamente uma nova alteração à lei.

Certo dia alguém me disse que é mais fácil pedir o divórcio do que rasgar um contrato de telecomunicações em Portugal. As operadoras prendem os clientes por dois anos com recurso a cláusulas de fidelização. Quando esse vínculo chega ao fim, arranjam forma de prendê-los outra vez.

O tema das fidelizações reaparece de tempos em tempos e voltou à tona esta semana, quando a Anacom convocou os jornalistas para insistir numa proposta que já tinha feito no passado: passar de 24 para seis meses o prazo máximo de fidelização. Para o regulador, a gota de água foram os aumentos de 7,8% que Meo, Nos e Vodafone estão a promover, e que chegaram aos clientes das duas primeiras precisamente esta quarta-feira.

A proposta de alteração legislativa já foi enviada ao Governo e o Ministério da tutela (Infraestruturas), liderado por João Galamba, respondeu estar disponível para “analisar contributos que lhe sejam remetidos”. Posso estar redondamente enganado, mas, independentemente de ser uma boa ou má medida, não acredito que vá acontecer. Pelo menos no curto a médio prazo.

Esta quarta-feira, aos jornalistas, o presidente da Anacom, João Cadete de Matos, garantiu que seria possível ao regulador acabar de vez com as fidelizações em Portugal. O certo é que optou por não o fazer e não ficou totalmente claro porquê.

Na verdade, o que está aqui em cima da mesa é uma proposta de alteração espontânea, feita por um regulador, em torno de uma lei que foi alterada há menos de um ano. Para João Galamba, não será fácil justificar politicamente a reabertura de um processo desta natureza sem passar, implicitamente, um atestado de incompetência à Assembleia da República. Aliás, o PSD e o próprio PS já vieram recusar voltar a mexer na Lei das Comunicações Eletrónicas, com o socialista Hugo Costa a lembrar à TSF que “foi das mais escrutinadas e debatidas” no Parlamento nas duas últimas legislaturas.

Dado que o tema é recorrente, também vale a pena recuperar o que foi dito no passado acerca desta matéria. Horas depois da conferência de imprensa da Anacom, a Apritel, a associação que defende as operadoras, veio rejeitar a ideia de voltar a mudar a lei.

Curiosamente, desta vez, o secretário-geral, Pedro Mota Soares, evitou repetir a ameaça que a Apritel já tinha feito no passado: se se reduzirem os prazos de fidelização, as operadoras respondem com mensalidades mais altas. Não tenho muitas dúvidas de que as empresas o fariam. Mas agora, ao não o dizer claramente, a Apritel evita ter de explicar isso aos portugueses numa altura em que as faturas vão subir 7,8%, mesmo com fidelizações.

Ninguém morre de amores pelas fidelizações. Obrigam-nos a assumir um compromisso demasiado longo por algo tão simples e mundano como é ter internet e televisão em casa. Há relações que demoram menos tempo. Mas foram criadas com um propósito, que é diluir os custos de entrada dos clientes, seja o dos equipamentos, seja o da instalação.

A Anacom tem razão quando diz que as fidelizações não são totalmente transparentes (alguém pode negar com toda a certeza que uma fidelização de seis meses não seria suficiente para o efeito pretendido?). E, de facto, existem problemas estruturais neste mercado (que alternativa tenho a não ser aceitar o aumento de 7,8%?). Em sentido inverso, temo que a Anacom não esteja a ter em total consideração o papel que as operadoras tiveram no desenvolvimento e manutenção das redes existentes.

Dito isto, do meu ponto de vista, mais do que a fidelização inicial, é a refidelização que me preocupa. De dois em dois anos, sou forçado a assinar um novo contrato com a minha operadora, sob pena de ver o preço praticamente duplicar.

Isto acontece porque entre os “benefícios” que me são dados na fidelização está um desconto na mensalidade durante os 24 meses do contrato, que desaparece quando acaba esse vínculo. Ou seja, efetivamente, vejo-me na obrigação de me refidelizar, renovando esses descontos e evitando uma subida acentuada do preço do serviço. E, nestes casos, se as características do serviço são as mesmas, não há custo nenhum que a operadora precise de recuperar.

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