Parlamento pede “com urgência” ao Banco de Portugal documentos sobre ação de Carlos Costa no BIC

  • Lusa
  • 8 Fevereiro 2023

O requerimento do PS foi aprovado com a abstenção do PSD e os votos favoráveis dos restantes partidos.

A Comissão de Orçamento e Finanças aprovou esta quarta-feira, após polémica na votação, o requerimento do PS para que o Banco de Portugal envie, com urgência, ao parlamento documentação relativa ao envolvimento do ex-governador Carlos Costa sobre o BIC Portugal/EuroBic.

O PS requereu o direito potestativo para obrigar à votação na Comissão de Orçamento e Finanças (COF) de um requerimento da sua autoria já anunciado, na sexta-feira, para que o banco central agora liderado por Mário Centeno disponibilize ao parlamento, com “caráter de urgência”, informação sobre “a natureza e a substância da intervenção do ex-governador do Banco de Portugal Carlos Costa no processo EuroBic, com enfoque nos factos ocorridos na semana entre 10 e 17 de abril de 2016”.

O requerimento foi aprovado com a abstenção do PSD e os votos favoráveis dos restantes partidos, após a tentativa do PCP para que este não fosse votado e seguisse diretamente para o Banco de Portugal (BdP).

O PS justificou o pedido como sendo a “melhor maneira” de “respeitar o Banco de Portugal e cumprir com as responsabilidades”, tendo o deputado Miguel Matos argumentado que, sendo enviado em nome da comissão, o regulador poderá enviar ao parlamento documentos que sejam confidenciais e por isso tratados como tal, algo que não aconteceria se fosse o pedido por via de um grupo parlamentar.

Considerando que esta “é uma manobra política”, o deputado social-democrata Hugo Carneiro rebateu prontamente este argumento dos socialistas, defendendo que poderia ser usado o modelo que foi utilizado pelo primeiro-ministro, António Costa, para esclarecer declarações do ex-governador do Banco de Portugal Carlos Costa, quer sobre a resolução do Banif, quer sobre o afastamento da empresária Isabel dos Santos do BIC,

Por outro lado, Hugo Carneiro disse que “se o BdP vai responder a isto, tem de o fazer com todas as respostas relativamente aquilo que lhe é perguntado”: “Não é ser seletivo. Tem de ser na totalidade. Não aceitamos que respostas sejam seletivas. Fica aviso à navegação”, afirmou.

“Se a resposta do BdP entrar em assuntos ou temas que estão relacionados com o sigilo bancário, ficamos a saber – e até olhamos para isso, talvez de bom grado e com gosto que assim será de agora em diante – que o parlamento fora do contexto de uma comissão de inquérito tem o poder de pedir ao BdP tudo o que quiser que esteja protegido pelo sigilo bancário”, realçou.

No requerimento que será enviado em nome da comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, os socialistas consideram que após o primeiro-ministro ter respondido às questões colocadas pelo PSD sobre esta matéria, “ficam porém por conhecer os fundamentos que motivaram o tempo e o modo com que o ex-governador do Banco de Portugal interveio em assunto com ligações conhecidas e uma temporalidade tão sensível”.

O PS considera que as respostas dadas por António Costa ao PSD “devem suscitar a preocupação da Assembleia da República”, já que “indiciam ter ocorrido uma intervenção de elevado risco por parte do Banco de Portugal que pôs em causa o acordo alcançado entre os acionistas do BPI em abril de 2016“, que resultou na saída de Isabel dos Santos da estrutura acionista do BPI e o aumento da posição do espanhol CaixaBank.

Em julho de 2017 o BIC Portugal passou a chamar-se EuroBic, depois de uma decisão judicial ter forçado a mudança de marca. A bancada do PS pede ao BdP ainda “informação sobre os fundamentos técnicos, documentação de suporte e correspondência trocada referente a essa intervenção, designadamente quanto ao tempo e modo” em que ocorreu.

No texto, os subscritores referem que em 10 de abril de 2016, “após um intenso processo de negociação, os acionistas do BPI comunicaram publicamente ter chegado a um acordo que garantia que o Banco BPI solucionava o problema da ultrapassagem do limite dos grandes riscos e dessa forma evitava medidas sancionatórias que punham em causa o banco”, só que “uma semana depois, contudo, o acordo ruiu”.

“Três dias depois do anúncio do acordo, no dia 13 de abril de 2016, o Governo terá tomado conhecimento de que ‘a Eng.ª Isabel dos Santos estava a pôr em causa o acordo a que os acionistas do BPI tinham chegado’ e que ‘tal era resultado de uma intervenção do Governador do Banco de Portugal relativa ao EuroBic'”, acrescentam.

Para o PS, ficou “esclarecido que o contacto ‘leal, direto e informal – e sem publicidade’ do Sr. Primeiro-Ministro com o então Governador do Banco de Portugal visava apenas partilhar o conhecimento da iminente implosão do acordo acionista e uma análise dos ‘graves riscos para a estabilidade do sistema financeiro» decorrentes desse fracasso'”.

Só não está esclarecida a intervenção de Carlos Costa neste processo, que segundo os socialistas terá posto em perigo o acordo acionista no BPI. “Importará conhecer que factos novos ou urgentes ou que decorrência de prazo ou processo veio desencadear naquele momento uma intervenção do Sr. Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, fazendo perigar o difícil acordo obtido pelos acionistas do BPI”, lê-se no requerimento.

Os subscritores escrevem que “o Banco de Portugal tem o dever de informar o Parlamento da natureza, substância e fundamentos de tal intervenção, revestindo-se esse esclarecimento de manifesto interesse público” e admitem que perante “eventuais limitações de sigilo bancário ou profissional”, o banco liderado por Mário Centeno “pode fazer chegar ao Parlamento os devidos esclarecimentos com registo da sua natureza confidencial”.

O requerimento é assinado pelo líder parlamentar o PS, Eurico Brilhante Dias, pela vice-presidente da bancada Jamila Madeira e pelo coordenador dos socialistas na Comissão de Orçamento e Finanças, Miguel Cabrita, e ainda pelo deputado Miguel Costa Matos.

Em 23 de novembro, o grupo Parlamentar do PSD dirigiu 12 perguntas ao primeiro-ministro para esclarecer declarações do ex-governador do Banco de Portugal Carlos Costa, quer sobre a resolução do Banif, quer sobre o afastamento da empresária Isabel dos Santos do BIC. Parte das perguntas do PSD centravam-se na alegada intromissão do Governo no Banco de Portugal, na sequência das acusações de Carlos Costa reveladas no livro “O Governador”.

Em causa, segundo o ex-governador e numa versão contestada pelo primeiro-ministro (que já anunciou um processo judicial a Carlos Costa por afirmações “falsas e ofensivas”), está um telefonema de António Costa em 12 de abril de 2016 em que o primeiro-ministro lhe teria dito que “não se pode tratar mal a filha do presidente de um país amigo de Portugal”, no que entendeu como um pedido para que o Banco de Portugal não afastasse a empresária angolana Isabel dos Santos (filha do então Presidente de Angola José Eduardo dos Santos) da administração do BIC.

Nas respostas ao PSD, António Costa afirmou nunca ter feito junto do Banco de Portugal “ou de quem quer que seja” diligências em favor da idoneidade de Isabel dos Santos, assegurando que apenas atuou para procurar resolver o bloqueio acionista no BPI.

Numa carta enviada ao parlamento, o primeiro-ministro sublinhou que o EuroBic “não foi objeto de qualquer tipo de ação” por parte do seu Governo e que “apenas o Banco de Portugal podia avaliar do fundamento da sua intervenção na definição do Conselho de Administração” desse banco, “que nunca foi comunicada publicamente, nem tal foi dado conhecimento” ao seu executivo.

 

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