TAP pediu avaliação legal para contestar contrato com a Airbus em Londres
Companhia pediu a uma das maiores sociedades de advogados do mundo que avaliasse a possibilidade de o contrato com a Airbus para 53 aviões ser considerado nulo pelo tribunal arbitral de Londres.
A TAP pediu ao escritório de advogados britânico Norton Rose Fulbrigt para avaliar a possibilidade de o contrato de leasing de 53 novos aviões Airbus, negociado por David Neeleman, vir a ser contestado e declarado nulo no tribunal arbitral em Londres. Segundo uma consultora irlandesa, a companhia aérea portuguesa está a pagar muito mais pelas aeronaves do que os concorrentes.
A compra de 61% da TAP pela Atlantic Gateway na privatização de 2015 envolveu a capitalização da companhia com 226,75 milhões de dólares. Dinheiro que a empresa de David Neeleman e Humberto Pedrosa recebeu diretamente da Airbus, como indica uma análise legal da Serra Lopes Cortes Martins & Associados feita em agosto de 2022 para a companhia aérea e (SLCM) revelada pelo ECO.
A quantia terá sido entregue em contrapartida de um negócio de leasing de 53 aviões pelo fabricante europeu, fechado pelo próprio David Neeleman, e que segundo os advogados pôs a companhia aérea a pagar a sua própria capitalização, violando o Código das Sociedades Comerciais.
Uma análise pedida pela TAP à consultora irlandesa Airborne, entregue a 10 de agosto de 2022, estima que o custo cobrado à transportadora portuguesa pelas aeronaves supere em 254 milhões de dólares o valor pago pelas concorrentes para os mesmos modelos. A companhia desistiu ainda da encomenda de 12 aviões A350, que segundo a Airborne poderia ter adquirido por menos 190 milhões do que o valor de mercado.
A companhia aérea não ficou por aqui e contratou a Norton Rose Fulbright, uma sociedade de advogados anglo-americana que está entre as dez maiores do mundo, para avaliar a viabilidade legal de contestar em Inglaterra o acordo celebrado inicialmente entre uma empresa de David Neeleman (DGN) e a Airbus, com a TAP a substituir o empresário americano no contrato um dia depois de o Conselho de Ministros aprovar a privatização da TAP SGPS e 61% do capital ser transmitido para a Atlantic Gateway (12 de novembro de 2015). A encomenda de 15 aeronaves A320 Neo, 25 A321 Neo e 14 A330-900 Neo estende-se até 2025, faltando receber 14 aviões, incluindo os previstos para este ano.
A Norton Rose Fulbright entregou a análise legal à TAP a 7 de setembro, concluindo existir a possibilidade de os “Contratos NEO” poderem ser considerados nulos. A avaliação parte da premissa de que os contratos serão ilegais à luz da legislação portuguesa e da União Europeia, como conclui a Serra Lopes Cortes Martins & Associados (SLCM).
Segundo esta última, a capitalização da TAP com os fundos da Airbus configura uma situação de assistência financeira, proibida pelo artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais, argumentando que a capitalização da companhia aérea foi, na prática, feita com fundos reembolsados pela própria.
Uma conclusão em sentido contrário a um parecer jurídico entregue pela Vieira de Almeida à TAP, e para consulta da Parpública, no dia em que se consumou a privatização. A SLCM defende ainda que foram violadas as regras da Concorrência portuguesas e Europeias, considerando ter existido um abuso de posição dominante por parte da Airbus.
Porquê em Inglaterra? Os Contratos NEO estipulam que eventuais disputas terão de ser dirimidas no Tribunal de Arbitragem Internacional de Londres (LCIA, na sigla inglesa). Uma das questões que os advogados britânicos avaliam é se, mesmo após o Brexit, a legislação europeia é aplicável. Ora o acordo de saída do Reino Unido da UE prevê que o regulamento europeu sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, conhecido como Roma 1, continue a ter força legal.
Para a Norton Rose Fulbright, “a linha de argumentação mais forte à disposição da TAP” para tentar defender que os Contratos NEO não são aplicáveis surge do regulamento Roma 1, se for considerado que a legislação alegadamente violada pela Airbus faz parte das normas de aplicação imediata, cujo respeito é considerado fundamental pelo país para a salvaguarda do interesse público.
“É argumentável que um tribunal com sede em Inglaterra que aplique as regras da LCIA determinasse que os Contratos Neo não são aplicáveis em resultado do regulamento Roma 1”, sustenta a análise legal a que o ECO teve acesso.
A sociedade anglo-americana elabora sobre as possíveis consequências de o tribunal arbitral decidir a favor da TAP. Ainda que o contrato possa ser considerado nulo, como se nunca tivesse existido, considera mais provável que LCIA se foque nas condições ainda não cumpridas, como a entrega dos aviões ainda em falta.
O tribunal arbitral pode ainda decidir pela retirada de provisões do contrato consideradas ilegais. Pode ser o caso da cláusula que prevê o pagamento pela companhia aérea portuguesa de novation fees, na prática uma penalidade que terá de ser paga caso não receba um ou mais aviões da Airbus ou resolva o respetivo contrato quanto a um ou mais aviões.
Ainda que ao abrigo do regulamento Roma 1 fosse aplicada a legislação portuguesa, a Norton Rose Fulbright nota que o facto de a legislação inglesa também proibir a situação de assistência financeira e dispor de regras idênticas quanto ao Direito da Concorrência, pode ajudar a convencer o tribunal arbitral de que os contratos não são aplicáveis.
O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) tem já a decorrer um inquérito com base nos indícios apurados nas avaliações legais. O ECO questionou a TAP e o Ministério das Infraestruturas sobre se os contratos com a Airbus estavam a ser renegociados ou se tinha avançado alguma ação em tribunal, mas não obteve resposta.
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