Gomes Cravinho critica alegações “absolutamente alucinadas” de Putin
"Ao longo de duas horas e um quarto tivemos um Presidente a falar com o seu povo, a tentar desesperadamente encontrar um raciocínio para aquilo que ele não pode explicar", disse Gomes Cravinho.
O ministro dos Negócios Estrangeiros português acusa o Presidente russo de fazer alegações “absolutamente alucinadas” sobre a guerra na Ucrânia, no discurso que proferiu na terça-feira, quando anunciou a suspensão de Moscovo no acordo sobre controlo de armas nucleares.
Numa parte de uma entrevista à agência Lusa, a ser divulgada na íntegra na sexta-feira, a propósito do primeiro ano da invasão russa da Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro do ano passado, João Gomes Cravinho apontou “um contraste muito grande” entre as palavras do líder russo, Vladimir Putin, e as atitudes do Presidente norte-americano, Joe Biden, que visitou de surpresa a capital ucraniana, Kiev, na segunda-feira.
Segundo o ministro português, há ocasiões em que um gesto, como a deslocação de Biden, vale muito mais do que um longo discurso. Depois, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros, houve “um longo discurso que, de facto, de eloquente nada teve”, em que o Presidente russo, Vladimir Putin, se dirigiu ao país.
“Desfia um conjunto de alegações, algumas absolutamente alucinadas, a dar a sua versão da história da guerra, que ele não chama guerra, chama uma operação especial, enfim por receio de dizer a verdade, e acusa o Ocidente em geral de ser responsável, quando há um único responsável por esta guerra que é ele próprio”, disse o chefe da diplomacia portuguesa.
Na terça-feira, o Presidente russo acusou o Ocidente de querer impor à Rússia uma “derrota estratégica” na Ucrânia e acabar com o país “de uma vez por todas”. “As elites do Ocidente não escondem o seu objetivo: infligir uma derrota estratégica à Rússia, ou seja, acabar connosco de uma vez por todas”, afirmou Putin, num discurso sobre o Estado da Nação.
Para o chefe da diplomacia portuguesa, “ao longo de duas horas e um quarto tivemos um Presidente a falar com o seu povo, a tentar desesperadamente encontrar um raciocínio para aquilo que ele não pode explicar”, disse em reação ao discurso de Putin.
“Está a pôr em perigo todo o desenvolvimento do seu país, para não falar de dezenas e dezenas de milhares de mortos, entre as suas próprias forças armadas e, evidentemente, muitas dezenas de milhares de mortos também do lado ucraniano, incluindo civis. Tudo isto sem nenhuma explicação que não seja as ilusões de grandeza do Presidente Putin”, declarou o ministro.
No mesmo discurso, o líder russo anunciou a suspensão da participação russa no tratado New START, de controlo de armas nucleares, aumentando a tensão com Washington sobre a invasão da Ucrânia. Falando no seu discurso sobre o Estado da Nação, Vladimir Putin disse também que a Rússia deveria estar pronta a retomar os testes de armas nucleares se os Estados Unidos o fizessem, uma medida que poria fim à proibição global de testes de armas nucleares, em vigor desde os tempos da Guerra Fria.
Explicando a sua decisão de suspender as obrigações da Rússia no âmbito do New START, Putin acusou os Estados Unidos e os seus aliados da NATO de declararem abertamente o objetivo da derrota da Rússia na Ucrânia. João Gomes Cravinho alinha com as reações de repúdio às palavras do líder russo entretanto tornadas públicas de vários dirigentes norte-americanos, europeus e da NATO, comentando que “é uma atitude perigosa e irresponsável por parte do Presidente Putin”.
O governante esclareceu, no entanto, que uma parte importante desse acordo entre Moscovo e Washington são os mecanismos de verificação de parte a parte, mas este processo já estava paralisado. “Na prática, não há desde o início de 2020, por causa da pandemia [de covid-19] inicialmente, mas, no final do ano passado, já com a pandemia dominada, os russos recusaram encontros para marcar novos processos de verificação“, porque “esse é o receio dele [Putin], referiu João Gomes Cravinho.
Por outro lado, prosseguiu o chefe da diplomacia portuguesa, “também é uma forma que ele tem de dizer, como tem dito várias vezes ao longo deste último ano, ‘não se esqueçam que nós somos uma potência nuclear'”, destacando ainda que se trata de um comportamento “mau para o mundo, desestabilizador, irresponsável”, mas não crê que “vá alterar os acontecimentos”.
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