Bilhete único em transportes? Especialistas criticam sistema antiquado

Fundador de solução de bilhética em Portugal defende a introdução de sistema totalmente aberto em vez de tentar adaptar modelo fechado a cartões bancários e a aplicações móveis.

Está previsto que a partir do final deste ano seja possível um passageiro com um cartão da Área Metropolitana de Lisboa (AML) possa utilizar os transportes públicos da Área Metropolitana do Porto (AMP), e vice-versa. Mas o projeto para o bilhete único nacional – “1bilhete.pt” – não convence dois especialistas contactados pelo ECO, que defendem um novo sistema para registar os bilhetes em vez de adaptar a atual plataforma a cartões bancários e a aplicações móveis.

Atualmente, AML e AMP têm o próprio modelo de tarifário de transportes mas partilham a mesma base tecnológica e de segurança, da marca Calypso. Esta base tecnológica foi instalada em 2007 e 2008, funcionando a partir de um sistema fechado (close-loop). Para que a plataforma “1bilhete.pt” chegue ao resto do país e incorpore os diferentes sistemas, será necessário usar adaptadores (tecnicamente designados de SDK) e rever toda a arquitetura de sistemas. Será uma espécie de “tradutor”, imprescindível para serem calculados os preços dos bilhetes e a divisão das receitas entre empresas de transportes.

Os especialistas defendem um novo sistema para registar os bilhetes. “O cartão close-loop obriga a que a informação fique registada no cartão. Isto implica máquinas e infraestrutura, da qual ninguém se quer livrar”, lamenta Paulo Ferreira dos Santos. O empresário defende um sistema totalmente aberto (open-loop): “Com esta tecnologia, será possível que use o mesmo cartão para pagar um café ou uma viagem de comboio“.

Paulo Ferreira dos Santos é o fundador da plataforma portuguesa Ubirider, que pretende que os passageiros paguem os bilhetes ou passes de transportes públicos a partir de uma só aplicação móvel. Para as transportadoras, a empresa transforma um telemóvel com impressora numa máquina para vender e validar bilhetes com moedas, notas, cartão bancário e outros dispositivos sem contacto.

Novos validadores da Fertagus são compatíveis com meios de pagamento sem contacto

Em Portugal, a solução está a funcionar na rede de autocarros do concelho de Évora, a Trevo. A Ubirider também está a trabalhar com a Fertagus: nas estações servidas pelo comboio da ponte 25 de Abril, há validadores em que dá para comprar um bilhete com meios de pagamento sem contacto, como cartão bancário, relógios ou telemóveis. Seleciona-se o destino e a viagem fica paga na hora, sem ser necessário ir às bilheteiras ou a uma máquina de venda.

Dentro do comboio, basta mostrar o cartão bancário ao revisor para confirmar que a viagem é válida. Se for preciso pedir uma fatura com número de contribuinte, há um portal próprio para o efeito.

O sistema é uma evolução do cartão Caixa Viva – lançado em 2013 pela Caixa Geral de Depósitos para viagens de transportes na AML – e também do sistema pós-pago Viva Go, que associava uma conta bancária ao cartão de transportes Lisboa Viva.

Do físico para a “nuvem”

Atualmente, na Europa, as autoridades de transportes estão a evoluir a forma como as viagens ficam registadas em sistema. “Há 15 anos, vieram os cartões como o Calypso e o Myfair, com uma antena incorporada e um chip para registar todas as informações. Eram a melhor solução na altura”, recorda um consultor português ao ECO, que pediu para não ser identificado.

“Nos últimos anos, o sistema evoluiu para a cloud, deixando de haver um registo num suporte físico, como um cartão. A pessoa tem uma conta de utilizador e fica tudo registado no servidor“, destaca este especialista nacional. Os passageiros identificam-se através de opções sem contacto como o telemóvel ou o cartão bancário. Num sistema baseado em contas e não em cartões, os dados são transferidos virtualmente, sem ser necessário deslocar-se a uma bilheteira.

Nos autocarros, por exemplo, “os telemóveis conseguem dar informação ao motorista muito mais orientada e saber onde o motorista está. Não obriga a saber os códigos todos as paragens para emitir um bilhete”. As empresas de transportes também deixam de imprimir cartões e faturas, gastando menos papel e reduzindo o orçamento.

Já imaginaram o que seria ir a diferentes restaurantes ou supermercados e usar diferentes cartões? É o que se passa nos transportes públicos em Portugal. Porque não trazemos a experiência de chegar com qualquer meio a qualquer sítio e depois pagar? É uma operação com custos mais baixos para o operador e proporciona uma experiência mais simples para o utilizador

Paulo Ferreira dos Santos

Fundador da Ubirider

No projeto “1bilhete.pt”, a ideia é concentrar todas as soluções numa plataforma única. Assim, com “qualquer cartão de transporte público ou aplicação móvel” será possível “adquirir e validar títulos de transporte de outros sistemas, não sendo necessária a compra de novo cartão ou a instalação de outra aplicação no seu telemóvel”, explica o IMT na página criada para o efeito. Também ficará aberta a porta para serem atribuídos “benefícios decorrentes da utilização de uma conta unificada”.

Paulo Ferreira dos Santos lamenta que “não tenha sido apresentado qualquer estudo que analisasse quanto custa evoluir o atual sistema de bilhética ou substituir” por um novo. “Não sei em que vão ser gastos os 2,7 milhões de euros no projeto do bilhete único”, critica. O empresário considera que em menos de um ano seria possível mudar toda a infraestrutura para comprar e validar bilhetes, “para permitir um sistema aberto e uma mobilidade sem obstáculos de Valença do Minho até à ponta de Sagres”.

No final, o fundador da Ubirider deixa um desabafo: “O pagamento contactless [sem contacto) é um caminho sem regresso. É aquilo que as pessoas querem. Já imaginaram o que seria ir a diferentes restaurantes ou supermercados e usar diferentes cartões? É o que se passa nos transportes públicos em Portugal. Porque não trazemos a experiência de chegar com qualquer meio a qualquer sítio e depois pagar? É uma operação com custos mais baixos para o operador e proporciona uma experiência mais simples para o utilizador”.

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