Presidente do TC alerta para tentativas de pressão sobre tribunais
O presidente do Tribunal Constitucional disse que a “intensificação da exposição” dos casos judiciais portugueses esconde, algumas vezes, “tentativas de pressionar os tribunais".
O presidente do Tribunal Constitucional alertou esta quinta-feira que a “intensificação da exposição” dos casos judiciais portugueses esconde, algumas vezes, “tentativas de pressionar os tribunais no sentido de decidir em certo sentido”.
Num discurso na sessão de abertura da conferência internacional comemorativa dos 40 anos do Tribunal Constitucional, João Caupers salientou que, nos últimos tempos, se tem assistido “à intensificação da exposição das jurisdições constitucionais à opinião pública”.
Caupers afirmou que “os casos mais relevantes pendentes nos tribunais portugueses, incluindo o Tribunal Constitucional, são abundantemente comentados, nos meios de comunicação e nas redes sociais, ainda antes de serem conhecidos”, embora sem apontar situações concretas.
Para o presidente do Tribunal Constitucional, esses comentários são feitos “por quem, pouco ou nada conhecendo das questões envolvidas – frequentemente muito delicadas -, nem por isso se abstém de emitir juízos precipitados e mal fundados”.
“Se umas vezes o desconhecimento é compreensível e demanda um esforço mais intenso nos tribunais no sentido de explicar melhor os seus mecanismos decisórios, outras vezes disfarça mal tentativas de pressionar os tribunais no sentido de decidir em certo sentido”, alertou.
João Caupers considerou que “não parece possível reverter esta situação, pelo que haverá que ponderar a melhor forma de lhe fazer face, sem afetar a reserva da atividade jurisdicional e a tranquilidade indispensável à ponderação judicial”.
Este aviso de João Caupers foi feito num discurso em que indicou que estão a ocorrer “muitas mudanças” no mundo da justiça constitucional e no qual se referiu à questão dos metadados.
Entre as várias mudanças que identificou, o presidente do Tribunal Constitucional abordou designadamente o problema do “equilíbrio entre os valores da liberdade e da segurança”, considerando que, depois de a implantação da democracia ter tornado a “defesa das liberdades” no “bem mais precioso”, está-se agora a assistir a uma alteração nessa “hierarquia de valores”.
João Caupers salientou que “as transformações que o mundo conheceu nos últimos anos”, designadamente devido a “fenómenos como a globalização e o terrorismo”, fizeram acentuar “pulsões securitárias”.
“O valor da segurança foi ganhando peso, o medo – intensificado devido ao impacto da pandemia de covid-19 – foi acentuando as pulsões securitárias, incrementando restrições às liberdades até há pouco tidas como inaceitáveis e agora consideradas inevitáveis”, vincou.
Segundo o presidente do Tribunal Constitucional, “não foi apenas a preocupação com a segurança, no sentido mais estrito desta, que pôs em causa a liberdade: somou-se-lhe a normalização da devassa da privacidade dos cidadãos, também facilitada pelas medidas de combate à pandemia, sem a qual não há liberdade que resista”.
Neste ponto, João Caupers referiu-se à chamada lei dos metadados, que está atualmente a ser revista pelo parlamento, depois de, em abril de 2022, o Tribunal Constitucional ter declarado algumas das suas normas inconstitucionais.
“A acumulação de dados pessoais sobre os cidadãos, com alegado fundamento na defesa destes, dramatizou o respetivo acesso, situação que se encontra refletida na controvérsia que grassa na Europa e nas suas instituições sobre os chamados metadados”, frisou.
Caupers referiu-se ainda a uma decisão recente do Tribunal Constitucional alemão, que declarou inconstitucional a utilização, pelas forças policiais e de segurança, de algoritmos preditivos, que possibilitavam “o estabelecimento de perfis de possíveis culpados ainda antes de qualquer crime ser cometido”.
“Percebe-se que um futuro ameaçador já nos bate à porta. Mas a decisão do prestigiado tribunal também demonstra que se pode e deve lutar contra ele. As jurisdições constitucionais e também o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) terão, acredito, um relevante papel na resolução deste grave problema”, disse.
Caupers considerou assim que “o futuro das jurisdições constitucionais apresenta-se complexo, problemático e desafiador”. “Para lhe fazer face, estas irão ter de se reinventar. Saberão fazê-lo? Poderão fazê-lo? Quererão fazê-lo?” questionou.
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