Quase todo o Baixo Alentejo está sujeito à desertificação. Em 80 anos, valor médio de precipitação caiu para metade

Clima e as más práticas agrícolas fizeram com que 94% do Baixo Alentejo se tornasse suscetível à desertificação e, em Mértola, essa percentagem chega aos 96%.

A poucos dias do início da primavera, o país começa a “pintar-se” de verde mas, no Baixo Alentejo, o fenómeno é outro, dado que a seca é uma realidade presente, oscilando ao longo do ano. Mesmo após os períodos intensos de chuva, em dezembro, Beja não se viu livre deste “carimbo”, tendo registado níveis de seca fraca e moderada, de acordo com os dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), daquela altura.

Mas agora, os dados divulgados pelo REA Alentejo (projeto que pretende ajudar recuperar a produtividade agrícola e florestal na região) dão conta que, nesta região fustigada pela seca — onde, em 80 anos, o valor médio de precipitação na região caiu para metade –, o clima e as más práticas agrícolas fizeram com que 94% do Baixo Alentejo se tornasse suscetível à desertificação. A região de Mértola chega mesmo a registar 96% de suscetibilidade a este fenómeno.

A informação foi divulgada esta sexta-feira pelo REA Alentejo, iniciativa promovido pela Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM). Este dá conta de que a Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUTS) do Baixo Alentejo, (padrão de geocódigo que serve para referenciar as subdivisões de países para fins estatísticos e que compreende 13 concelhos, entre os quais Beja, Mértola e Serpa), apresenta 38% do seu território com suscetibilidade crítica à desertificação, 35% muito elevada e 21% elevada. Apenas 5% conta com níveis moderados e 1% com níveis reduzidos.

Já na margem esquerda do Guadiana, os valores sobem quase aos 100%, com 96% da área suscetível à desertificação (32% crítica, 37% muito elevada e 27% elevada).

Temos vindo a assistir, nos últimos anos, a um elevado grau de degradação dos solos nesta região, como consequência da desertificação“, cita o comunicado as declarações de María Bastidas, coordenadora do REA Alentejo.

Em 80 anos, o valor médio de precipitação na região caiu para metade

Os dados recolhidos pela Estação Meteorológica de Vale Formoso, e partilhados pela REA Alentejo, pintam um cenário claro: entre 1940 e 2022 assistiu-se a uma diminuição acentuada na média de precipitação anual, por décadas.

Se na década de 40 o valor médio anual de precipitação era de quase 800 (755,4 milímetros), na década de 2010 o valor diminuiu para 474,2 mm. Em particular em Mértola, é clara a diminuição da precipitação registada. De 1940 a 1970, a média anual de precipitação foi de 601 mm, enquanto nos últimos 30 anos (de 1991 a 2021) o valor desce para os 446 mm.

 

Maria José Roxo, investigadora da NOVA FCSH, sublinha que, naquela região, “a aridez tem aumentado”, resultado das temperaturas altas e do declínio acentuado na precipitação nas últimas décadas, “o que contribui para uma alteração na estrutura dos solos e nas quantidade e qualidade dos recursos hídricos”. Mas a agricultura intensiva também contribuiu para o agravamento do fenómeno, “uma vez que esta prática não tem em vista a proteção do mesmo e este vai perdendo qualidade”, acrescenta ainda a investigadora.

Além destes, existe ainda uma responsabilidade a ser atribuída à questão climática, alerta a investigadora da NOVA FCSH que produziu dados sobre esta matéria.

Se por um lado, apontam os dados, o último ano climático (de setembro de 2021 a agosto de 2022) trouxe a seca mais severa de que há registo — apresentando o valor total anual de precipitação na ordem dos 398mm –, por outro , só no período de inverno (de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023) choveram mais 200mm.

“Esta enorme irregularidade na precipitação e na distribuição pelas estações do ano, contribui para uma grande incerteza em termos agrícolas e para o desencadear de episódios de erosão que favorecem a degradação dos solos, quando ocorrem chuvas intensas ”, esclarece Maria José Roxo.

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