Portugueses apostam na Web3 para uma internet sem donos

Porto foi a capital europeia da internet descentralizada nos últimos três dias, juntando especialistas e fundadores de negócios ligados à Web3. Conheça algumas das startups portuguesas envolvidas.

Portugal tem uma palavra a dizer na evolução da internet. Nos últimos três dias, a conferência ETHPorto reuniu a comunidade blockchain no antigo Mercado Ferreira Borges. A Web3 foi o ponto de partida dos debates, da exposição de empresas e da maratona de programação (hackaton) de 48 horas que decorreu numa das salas do atual Hard Club.

A Web3 apresenta-se como “a evolução para uma Internet mais descentralizada e mais segura”, no entender de Mário Ribeiro Alves, um dos organizadores da conferência. Fundador da LayerX, Mário Ribeiro Alves tem sido um dos rostos nacionais a apostar no desenvolvimento desta solução.

A comunidade tecnológica quer evoluir a internet para um modelo sem muros. “Enquanto a web1 era basicamente um ambiente de leitura (aparecimento das primeiras páginas de internet), e a web2 focava em interatividade e colaboração (aparecimento das primeiras redes sociais), a web3 procura dar o controlo e monetização dos seus dados ao próprio utilizador, sem a necessidade de um intermediário que tipicamente controla e monetiza estes dados em seu benefício próprio”, explica Mário Ribeiro Alves, em declarações ao ECO.

Para Sílvia Bessa, outra portuguesa envolvida nesta área, a web1 “foi uma espécie de páginas amarelas ou de catálogos digitais” e a web2 “facilitou a criação e publicação de conteúdo pelos utilizadores” embora “essencialmente centralizada numa meia dúzia de atores a nível mundial”. A web3, segundo esta especialista, “é a nova evolução da Internet e tem como principal objetivo descentralizá-la, garantido o acesso de pessoas a conteúdos sem depender de grandes empresas, ou governos, tornando-a assim mais independente, livre e resistente a censura”.

Antigo Mercado Ferreira Borges, no Porto, recebeu a conferência dedicada à Web3. Além de exposições, houve um hackaton e vários painéis de debate.

A nova forma de internet começou a ser utilizada sobretudo para a parte financeira, “especialmente em países cujo acesso a uma conta bancária ou controlo dos próprios fundos se torna difícil pelo seu contexto geopolítico”. A solução permite que “transações e dados sejam protegidos por criptografia e distribuídos através de uma rede descentralizada”.

El Salvador é pioneiro por isso: este país da América Central ficou conhecido, em 2021, por ter adotado oficialmente a bitcoin como meio de pagamento aceite a nível nacional. No início deste ano, o Parlamento local aprovou uma lei para regulamentar a emissão de ativos digitais pelo Estado e por entidades privados. Criar novas oportunidades de financiamento para empresas e cidadãos foi um dos objetivos desta medida, escreveu na altura a estação Al Jazeera.

Da banca para a identidade

Mário Ribeiro Alves também começou a envolver-se com a Web3 enquanto trabalhava na banca de investimento. “De forma autodidata fui absorvendo conhecimento e comecei a construir comunidades em Portugal de forma a disseminar esse conhecimento. Pelo caminho ajudei alguns projetos locais nesta área”, recorda o português, que criou o próprio negócio nesta área em 2018.

Nascida no Porto, a Taikai – agora conhecida como LayerX – liga as empresas a programadores através de experiências personalizadas de hackatons. Através do trabalho em rede com dezenas de milhares de programadoras, são desenvolvidas tecnologias inovadoras em conjunto com empresas como Microsoft, OutSystems, Pfizer e entidades como a Comissão Europeia.

Hackaton de 48 horas serviu para criar novas soluções para a web3, baseadas na tecnologia blockchain.

Sílvia Bessa foca-se no “desenho e desenvolvimento de novos mecanismos de coordenação e incentivos para alinhar os atores relevantes da ciência”, para “acelerar a criação do conhecimento científico e encurtar o ciclo de inclusão dos novos conhecimentos no desenvolvimento de tecnologias para resolver problemas do quotidiano ou melhorar a humanidade em geral”.

Para a portuguesa, a web3 é muito mais do que “incentivos monetários e criptomoedas”. A solução permite outros objetivos, como “garantir o acesso livre a informação, preservar o conhecimento da humanidade, assegurar inclusão financeira ou criar mecanismos alternativos de coordenação, governação e alocação de recursos para a aceleração da criação de bens de utilidade pública”.

Em Portugal há outros exemplos de startups baseadas nesta evolução da internet. Fundada em 2020, a ImpactMarket aproveita a tecnologia descentralizada do mundo financeiro (DeFi) para combater a pobreza nos países em desenvolvimento. Em 2021, a Talent Protocol aposta na área de talento, transformando um trabalhador num ativo digital, através da emissão de um talent token, que pode ser comprado pelos apoiantes.

Com a descentralização e a distribuição da rede, a web3 pode ajudar a reduzir o controlo das grandes empresas sobre a Internet, e permitir que os utilizadores participem mais ativamente na governança e na tomada de decisões, tal como acontecia nos primórdios da internet

Mário Ribeiro Alves

Fundador da LayerX

A Web3 também permite a criação de “novos modelos de negócio descentralizados“, conhecidos pela sigla DAO. Exemplo disso é a AthenaDAO, que com a portuguesa Inês Santos Silva como uma das fundadoras. Este coletivo pretende usar a tecnologia descentralizada e de criptografia para financiar investigações científicas que melhorem a saúde reprodutiva das mulheres. O lusodescendente Mitchell Amador criou, em 2020, a Immunefi, plataforma que recompensa os programadores especialistas em finanças descentralizadas que detetam falhas de segurança em contratos digitais nesta área.

Na área alimentar, a Lota Digital criou um sistema blockchain que envolve barcos de pesca (vendedores), restaurantes, pequenas lojas, grandes retalhistas e indústria (compradores) e também os consumidores. Que, graças à rastreabilidade digital, saberão tudo sobre o peixe à sua frente no momento de o consumir (origem do peixe, quando foi pescado, qual o barco usado e a tripulação, se cumpria todas as condições laborais ou se foi uma pesca sustentável).

A web3 é a nova evolução da Internet e tem como principal objetivo descentralizá-la, garantido o acesso de pessoas a conteúdos sem depender de grandes empresas, ou governos, tornando-a assim mais independente, livre e resistente a censura

Sílvia Bessa

A Web3 também se aplica a áreas como a identidade digital e ao entretenimento, em que os NFT (non-fungible tokens) são os elementos mais conhecidos. A evolução da internet tem ainda “potencial de ser aplicada em áreas como governação, votação, gestão de cadeias de fornecimento e outras indústrias que requerem confiança e transparência”, assinala Sílvia Bessa.

ETHPorto contou com dois dias de debate dedicados ao futuro da internet.

Internet volta às origens

A descentralização proporcionada pela web3 também “pode contribuir para melhorar a ética na Internet e torná-la mais democrática, permitindo que os utilizadores tenham total controlo sobre os seus dados e transações”, entende Mário Ribeiro Alves. Este caminho pode mesmo levar a internet a regressar às origens.

“Com a descentralização e a distribuição da rede, a web3 pode ajudar a reduzir o controlo das grandes empresas sobre a Internet, e permitir que os utilizadores participem mais ativamente na governança e na tomada de decisões, tal como acontecia nos primórdios da internet”, antevê o fundador da LayerX.

A conferência que decorreu no antigo Mercado Ferreira Borges poderá contribuir para acelerar esta transformação digital. Resta saber se a população vai mesmo beneficiar com isso.

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