Portugal pode mesmo viver sem investimento chinês?

António Costa considera que "podemos viver" sem investimento chinês. O secretário-geral da CCILC diz que o diálogo difícil entre Pequim e Bruxelas é oportunidade excecional e não vê um desinvestimento

Mais de dez mil milhões de euros depois, o Governo português deu os primeiros sinais de inversão na tendência de forte recetividade ao investimento chinês. A “culpa” é da guerra na Ucrânia, que aproximou a China da Rússia à mesma velocidade com que afastou Pequim do Ocidente.

Em entrevista recente ao Público (acesso condicionado), o primeiro-ministro disse que “podemos viver” sem investimento chinês, uma vez que não há nenhum que “acarrete uma mudança dramática na nossa situação, como implicou, de um dia para o outro, a Europa libertar-se de dois terços de fornecimento de gás da Rússia”.

Antes, o ministro dos Negócios Estrangeiros já tinha afirmado que um potencial apoio militar à Rússia seria um erro grande e mudaria a forma como a China se relaciona com a Europa e “Portugal, naturalmente, não deixaria de ser afetado por esse processo”. “Teríamos de rever o significado do nosso relacionamento político e económico com a China”, afirmou João Gomes Cravinho.

Declarações que ganham maior relevância numa semana em que o Presidente chinês, Xi Jinping, está a efetuar uma visita oficial à Rússia para reforçar a cooperação entre Pequim e Moscovo, sendo expectável que sejam assinados “importantes acordos bilaterais”.

António Costa, na mesma entrevista ao Público, vincou que “o grau de relacionamento” que Portugal tem “com a China não tem nada a ver com o grau de dependência com que designadamente a Alemanha se colocou em relação à Rússia”.

Sendo esta uma declaração factual, também é verdade que a China é atualmente o quinto maior investidor em Portugal e o maior no mercado de capitais português. Poderá mesmo Portugal viver sem investimento chinês? O Governo português tem margem para esfriar as relações com Pequim? Qual será o impacto de um desinvestimento da China no país?

Portugal é uma economia aberta, que trabalha num mercado global e que tem vindo há muitos anos a criar pontes e não muros. Não poderemos querer Investimento Direto Estrangeiro em Portugal, mas depois escolhermos pela qualidade do passaporte.

Miguel Farinha

Partner da EY

Vários países europeus também têm efetuado declarações mais frias sobre as relações económicas com a China, mas em termos práticos pouca coisa mudou. O comércio entre a China e Alemanha atingiu um novo recorde em 2022 (300 mil milhões de euros), com a segunda maior economia do mundo a registar o sétimo ano seguido com o estatuto de maior parceiro comercial da economia germânica.

Estes dados mostram porque o chanceler alemão, em novembro, efetuou uma visita a Pequim acompanhado de uma forte delegação empresarial. Olaf Scholz foi alvo de críticas, em Berlim e Bruxelas, mas não é o único líder europeu com pretensões de visitar a capital chinesa.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, já tem viagem a Pequim marcada para o início de abril. A primeira-ministra de Itália pretende fazer o mesmo e não escondeu o objetivo de reforçar os laços económicos com a China.

“Circunstância histórica” representa “oportunidade excecional” para Portugal

Não é de todo previsível que exista um desinvestimento da China, antes pelo contrário”, diz o secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC). Em declarações ao ECO, Bernardo Mendia vê mesmo oportunidades no novo contexto geopolítico que resultou da guerra na Ucrânia.

“Creio que o diálogo cada vez mais difícil de Pequim com Bruxelas abre uma oportunidade excecional para o incremento do diálogo bilateral entre Pequim e Lisboa, cujos laços históricos e relação política próxima, nos coloca como um interlocutor preferencial”, refere o secretário-geral da CCILC.

“Estamos, mais uma vez, perante uma circunstância histórica que poderá ser curta, pelo que devemos ser céleres a sensibilizar as autoridades chinesas para um maior equilíbrio da balança comercial, como contrapartida de ter em Portugal um interlocutor privilegiado”, salienta Bernardo Mendia, instando Portugal a “tirar proveito desta vantagem”.

Miguel Farinha, partner da EY que lidera a área de Strategy and Transactions da consultora, não acredita que o Governo português pretenda inverter a estratégia de recetividade a qualquer tipo de investimento. “Não poderemos querer Investimento Direto Estrangeiro em Portugal, mas depois escolhermos pela qualidade do passaporte qual o investimento que queremos receber e qual o país que deve ou não investir”.

“Portugal é uma economia aberta, que trabalha num mercado global e que tem vindo há muitos anos a criar pontes e não muros”, pelo que o Governo deve “é trabalhar para ter melhores condições para receber mais investimento de qualidade, que gere mais capacidade produtiva ao país e que crie uma economia mais atrativa para os investidores”, refere Miguel Farinha ao ECO.

O diálogo cada vez mais difícil de Pequim com Bruxelas abre uma oportunidade excecional para o incremento do diálogo bilateral entre Pequim e Lisboa, cujos laços históricos e relação política próxima, nos coloca como um interlocutor preferencial.

Bernardo Mendia

Secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa

China mantém estatuto de quinto maior investidor

Dados do Banco de Portugal, referentes ao final de 2022, mostram que a China mantém o estatuto de quinto maior investidor na economia portuguesa, um lugar que conserva nos últimos anos.

O stock de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) da China em Portugal ascendia a 11,2 mil milhões de euros em dezembro do ano passado, o que representa o valor mais elevado desde (pelo menos) o início de 2019, altura em que o Banco de Portugal disponibiliza estes dados que identificam o investidor último. Representa cerca de 7% de todo o IDE.

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O boom de investimento chinês em Portugal aconteceu na parte inicial da década passada, com a vitória da China Three Gorges na privatização da EDP a abrir caminho para uma onda de venda de ativos a empresas chinesas de capital público e privado.

Na altura, “um país tinha um excesso de liquidez e políticas dirigidas ao investimento no exterior, enquanto o outro tinha um défice de liquidez e necessidade de atrair investimento estrangeiro”, refere Bernardo Mendia, assinalando que esta coincidência de circunstâncias já não se verifica. Ainda assim, o secretário-geral da CCILC assinala que “o investimento chinês em Portugal é muito importante para a economia portuguesa e sobretudo tem um grande potencial em termos de projetos greenfield”.

Miguel Farinha refere que “apesar de uma quebra durante o princípio da pandemia”, o investimento chinês “tem vindo a recuperar desde o primeiro trimestre de 2022”, embora seja relevante dividir em dois tipos.

“Se por um lado, temos o investimento ‘institucional’ feito em grandes empresas portuguesas o qual poderá trazer desafios no futuro caso a China apoie militarmente a Rússia, por outro temos o investimento em imobiliário residencial e em fundos de investimento que procuram oportunidades no imobiliário”, realça o partner da EY.

Miguel Farinha alerta ainda para a importância de a economia chinesa estar a crescer abaixo do esperado e o foco de Pequim estar agora no mercado interno, “mais do que continuar o investimento direto estrangeiro em geografias como a europeia ou a norte-americana”.

Ao contrário do que muitos sugeriram aquando da entrada de capital chinês nas empresas portuguesas, o investimento chinês em Portugal tem demonstrado alguma resiliência mesmo em tempos de alguma incerteza, demonstrando a conhecida preferência chinesa pelo planeamento a longo prazo.

Miguel Farinha

Partner da EY

Desinvestimento chinês é uma ameaça?

Esta estratégia de a China dar mais relevância à economia interna, depois do boom de investimento estrangeiro na década passada a nível global, ficou evidente na sessão anual da Assembleia Popular Nacional da China, que terminou na semana passada.

Contudo, não são para já evidentes quaisquer sinais de intenção da China desinvestir em Portugal. A CTG investiu mais de 200 milhões de euros no recente aumento de capital da EDP, apesar de ter reduzido ligeiramente a posição dominante no capital da elétrica portuguesa.

No ano passado, a chinesa Alibaba Cloud anunciou a abertura no Porto do primeiro centro de serviços na Europa. A Fosun tem vários negócios em Portugal (BCP, Fidelidade e Luz Saúde), sendo que nunca se concretizaram os consecutivos rumores de que iria reduzir a presença no país devido à sua situação financeira mais débil.

De acordo com as operações referenciadas pela CCILC, o investimento chinês acumulado desde 2011 supera largamente os dez mil milhões de euros, sendo muito escassas as operações que já foram vendidas. Uma análise efetuada pelo ECO no final do ano passado quantifica em mais de oito mil milhões de euros o valor das posições detidas por empresas chinesas em companhias cotadas na bolsa portuguesa.

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“Ao contrário que muitos sugeriram aquando da entrada de capital chinês nas empresas portuguesas, o investimento chinês em Portugal tem demonstrado alguma resiliência mesmo em tempos de alguma incerteza, demonstrando a conhecida preferência chinesa pelo planeamento a longo prazo”, realça Miguel Farinha.

Tendo em conta os desenvolvimentos geopolíticos e as declarações do governo português, “teremos de estar atentos não só ao futuro do Investimento Chinês em Portugal, mas também no Investimento já realizado em Portugal, como é o caso no setor de Energia e da Banca e que consequências isso poderia ter”, refere o partner da EY.

Qualquer desinvestimento terá sempre efeitos na economia”, sendo “impossível determinar os impactos” se forem efetuados em função de “potenciais sanções económicas à China”. Se resultar de “venda de empresas portuguesas nas mãos de investidores chineses, penso que aí seria o mercado a falar e por quanto o mercado estaria disponível para pagar por esses ativos”, refere Miguel Farinha.

Salientando não identificar “qualquer dificuldade de diálogo entre as autoridades portuguesas e chinesas”, que classifica de “excelente”, o secretário-geral da CCILC refere que um potencial desinvestimento chinês através de venda de posições em bolsa terá sobretudo efeitos colaterais, “pela perda de contactos comerciais no mercado chinês e de acesso ao financiamento de bancos chineses, que tem sido muito generoso como contributo para a internacionalização das grandes empresas portuguesas”.

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