Humanidade “vampírica” enfrenta crise global iminente de água, alerta ONU
A humanidade "vampírica" está a esgotar os recursos hídricos do planeta, alertou a ONU. Se nada for feito, entre 40 e 50% da população continuará sem acesso aos serviços de saneamento.
A humanidade “vampírica” está a esgotar os recursos hídricos do planeta, alertou esta quarta-feira ONU antes do início de uma conferência que procura corresponder às necessidades de biliões de pessoas, em risco perante uma iminente crise hídrica mundial.
“O superconsumo e o superdesenvolvimento vampírico, a exploração insustentável dos recursos hídricos, a poluição e o aquecimento global descontrolado estão a esgotar, gota a gota, esta fonte de vida da humanidade“, alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres, no prefácio de um relatório publicado algumas horas antes da Conferência da Água de 2023 das Nações Unidas,
“A humanidade embarcou cegamente num caminho perigoso e todos nós sofremos as consequências”, realçou o diplomata português.
Água insuficiente em alguns locais, demais em outros onde as inundações estão a aumentar ou água contaminada: o relatório da ONU-Água e da Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura], divulgado na terça-feira, destaca o “risco iminente de uma crise global de água”.
“Quantas pessoas serão afetadas por esta crise global de água é uma questão de enquadramento”, sublinhou à agência France-Presse (AFP) o seu principal autor, Richard Connor.
“Se nada for feito, entre 40 e 50% da população continuará sem acesso aos serviços de saneamento e cerca de 20 a 25% à água potável”, vincou, lembrando que mesmo que as percentagens não mudem, a população mundial está a crescer, bem como o número de pessoas afetadas por estes problemas.
Numa tentativa de inverter a tendência e na esperança de garantir o acesso de todos a água potável ou casas de banho até 2030, objetivos definidos em 2015, cerca de 6.500 participantes, entre os quais cerca de uma centena de ministros e uma dezena de chefes de Estado e de Governo, reúnem-se até sexta-feira em Nova Iorque, chamados a alcançar compromissos concretos.
Mas alguns observadores já estão preocupados com o alcance destes compromissos e a disponibilidade do financiamento necessário para implementá-los.
No entanto, “há muito o que fazer e o tempo não está do nosso lado”, realçou Gilbert Houngbo, presidente da ONU-Água, plataforma que coordena o trabalho das Nações Unidas, que não tem uma agência dedicada ao assunto.
Nenhuma conferência desta magnitude tinha sido organizada desde 1977 sobre esta matéria vital, mas ignorada durante muito tempo.
No mundo, nos últimos 40 anos, o uso de água potável aumentou quase 1% ao ano e o relatório da ONU-Água destaca que a escassez de água “tende a espalhar-se” e a piorar com o impacto do aquecimento global, alertando que em breve atingirá até mesmo as regiões poupadas atualmente, como o leste da Ásia ou a América do Sul.
Assim, aproximadamente 10% da população mundial vive num país onde o stresse hídrico atingiu um nível alto ou crítico.
E de acordo com o relatório de especialistas em clima da ONU (IPCC) publicado na segunda-feira, “cerca de metade da população mundial” sofre de escassez “severa” de água durante pelo menos parte do ano.
Esta matéria também evidencia as desigualdades: “Onde quer que você esteja, se for rico o suficiente, conseguirá ter água”, observou Richard Connor.
O problema não é apenas a falta de água, mas a contaminação daquela disponível, devido à ausência ou deficiência de sistemas de saneamento.
Pelo menos dois biliões de pessoas bebem água contaminada com fezes, expondo-as à cólera, disenteria, febre tifoide e poliomielite.
A água é ainda afetada pela poluição por produtos farmacêuticos, químicos, pesticidas, microplásticos ou nanomateriais.
ONU vai tentar alcançar compromissos para uma mudança radical na gestão da água
As Nações Unidas vão tentar alcançar compromissos mundiais para uma transformação da forma como a água é gerida, durante a Conferência da Água 2023 que começa esta quarta-feira, Dia Mundial da Água, e é a primeira do género desde 1977.
“A Conferência da Água de 2023 pode e deve ser um ponto de viragem”, disse, numa apresentação da conferência da ONU, Henk Ovink, enviado especial para a Água dos Países Baixos, que juntamente com o Tajiquistão preside à reunião mundial, com o tema “Água para o Desenvolvimento Sustentável”.
De acordo com informação divulgada pela ONU, pelo menos 12 chefes de Estado e de Governo, cerca de 80 ministros e altos funcionários governamentais e mais de 6.500 representantes da sociedade civil deverão participar na conferência, que decorrerá até sexta-feira.
O encontro pretende definir uma nova Agenda de Ação para a Água, no quadro dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, especificamente no que diz respeito ao Objetivo 6, sobre água potável e saneamento.
O enviado holandês enfatizou que o mundo não pode continuar a tratar a água como algo local ou regional, mas como uma questão global e “mudar radicalmente” a forma como ela é gerida.
Segundo a ONU, são urgentes compromissos e ações em áreas que vão desde a proteção dos aquíferos, o combate à poluição, o abastecimento de água potável ou a integração das políticas hídricas com as políticas climáticas.
Ao contrário de outras conferências das Nações Unidas, na conferência da Água os países não irão negociar um grande acordo global, mas tentar alcançar compromissos voluntários concretos de Governos, empresas e outros atores.
Além de sessões plenárias, a conferência inclui diálogos sobre temas específicos como “Água e Saúde”, “Água e Desenvolvimento Sustentável” ou “Água e Mudanças Climáticas” e cerca de 550 eventos paralelos.
A última Conferência das Nações Unidas sobre a Água foi realizada em 1977 em Mar del Plata, na Argentina.
O dia 22 de março foi proclamado como Dia Mundial da Água através da Resolução 47/193 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 22 de dezembro de 1992.
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