Volume de água armazenado nas albufeiras nacionais é de 81%
No Algarve continua com uma situação "muito grave", antevendo-se que "o verão não vá ser nada fácil". Também a situação das barragens no Nordeste Transmontano é muito preocupante.
O volume de água armazenado nas albufeiras do território nacional situa-se atualmente nos 81%, uma subida de 24% desde outubro de 2022, revelou esta quarta-feira Nuno Bravo, da Administração de Região Hidrográfica (ARH) do Centro.
“Em outubro [de 2022] tínhamos uma situação difícil, com 57% do volume de armazenamento nas nossas albufeiras, em média, em todo o território português. Agora, em março, a situação mudou claramente e estamos com um valor de 81% de volume total armazenado”, referiu.
O administrador da ARH Centro participou, durante a tarde desta quarta, numa conferência promovida pela Águas de Coimbra, com a temática das “Secas e Cheias: Uma inevitabilidade no contexto das alterações climáticas? – Soluções estruturais e não estruturais”. Ao longo da sua intervenção, centrada nos novos desafios da gestão da água, Nuno Bravo recordou que o último ano hidrológico foi “extremamente seco”, sendo mesmo “o terceiro ano mais seco de sempre”.
Esse facto obrigou a que, a partir de fevereiro de 2022, fossem delineadas medidas de contingência, centradas especialmente na contenção dos usos nas albufeiras, de forma a precaver o abastecimento público. Neste ano hidrológico, que começou em outubro de 2022, o armazenamento de água nas albufeiras é “mais confortável”, devido à precipitação muito intensa que se registou em dezembro de 2022 e em janeiro.
As chuvas que se fizeram sentir e que até causaram algumas cheias no Porto e no Algarve permitiram que as albufeiras conseguissem “restabelecer os seus níveis” na maioria das albufeiras nacionais, com exceção do Algarve, que continua com uma situação “muito grave”, antevendo-se que “o verão não vá ser nada fácil”.
Segundo Nuno Bravo, também no que toca as águas subterrâneas, o território nacional passou “de uma situação crítica” para “uma situação mais confortável a norte do Tejo e uma situação ainda crítica a sul do Tejo”. A conferência, que decorreu ao longo de todo o dia no Convento São Francisco, em Coimbra, reuniu especialistas e responsáveis políticos, que trouxeram para o centro do debate a ameaça de escassez de água, bem como a ocorrência de cheias.
Durante a manhã, os trabalhos abordaram mais a questão do planeamento dos recursos hídricos, ficando para a tarde o ciclo urbano da água.
APA “muito preocupada” com nível da água nas barragens em Trás-os-Montes
A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) disse que a situação das barragens no Nordeste Transmontano é muito preocupante, adiantando que vai reunir-se em breve os autarcas para avançar com a elaboração de um Plano Regional de Eficiência Hídrica. “Temos uma barragem que é a barragem de Fontelonga, em Carrazeda de Ansiães, que todos os meses contamos os metros cúbicos porque estamos à espera do dia que esta barragem não tenha água para suprir as necessidades de consumo”, afirmou o vice-presidente da APA, Pimenta Machado.
Aquele responsável, que participou via remota na conferência “Uso sustentável da água. Cada gota conta”, promovida pelo Jornal de Notícias, avançou que à semelhança daquilo que foi feito para a região do Algarve, a APA vai avançar com a elaboração do Plano Regional de Eficiência Hídrica para a região de Trás-os-Montes que, alertou, precisa de adaptar à nova realidade climática.
“É verdade que este ano o nordeste transmontano tem uma situação muito difícil, estou mesmo muito preocupado. É outra região que tem de olhar para os seus sistemas, que tem de perceber a nova realidade que o clima lhe traz e tem de se adaptar”, defendeu.
Pimenta Machado, que nada adiantou quando questionado sobre ponto de situação do plano do Governo para poupança de energia e água apresentado em setembro de 2022, referiu que nesta altura a APA está a fechar o plano para a região do Alentejo, avançando depois para Trás-os-Montes e para Viseu, afetada pelos incêndios de 2017. “Muito em breve, será convocada uma reunião. Vamos juntar todos os municípios e também a agricultura e trabalhar em conjunto para a resiliência desta região que, no ano passado, viveu situações muito complicadas. A mesma coisa em Viseu”, revelou.
O vice-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente reconheceu que, embora Portugal esteja hoje mais bem preparado para os cenários de seca, “há regiões do país que não deixam descansar”, e onde os níveis de água nas barragens se ficam pelos 14%.
“Em Portugal consumimos anualmente duas barragens do Alqueva, seis mil hectolitros, sendo que a agricultura pesa 75% e o setor urbano cerca de 19%. E este ano, apesar das chuvas de dezembro e de janeiro e até deste mês, está a ser um ano acima da média. Ainda temos neste país barragens com 14%. A Barragem de Bravura no Barlavento, que abastece três municípios, está com 14%. A mesma coisa que a Barragem de Monte da Rocha ou se quiserem a Barragem do Mira”, indicou.
Para Pimenta Machado, a prioridade de Portugal deve assentar na aposta na eficiência na gestão da água, ainda que sem prejuízo da aposta em novas barragens, novas formas não convencionais de gestão e reutilização de água. “Nós temos de usar melhor a água que temos. Não é aceitável termos sistemas que perdem cerca de 50% de água. Além do prejuízo ambiental, há também o prejuízo económico”, disse, recordando que em 2019, no Algarve, aquando da elaboração do Plano de Eficiência Hídrica, andavam a lavar caixotes do lixo com água potável.
A ideia de maior eficiência na gestão dos recursos hídricos foi também defendia por Joaquim Poças Martins que, como especialista na área da gestão da água, considera que é no setor agrícola que há maior caminho a percorrer e onde é necessário fazer avanços significativos.
Reconhecendo as dificuldades decorrentes de interferir numa atividade privada, onde cada um decide o que quer plantar, o ex-governante e ex-gestor público referiu que apesar do setor ser responsável por 75% do consumo de água em Portugal, tal não resulta num ganho efetivo, com o país a ser forçado a importar matéria-prima para suprir as suas necessidades. “Se quisermos ter cereais são precisos cinco Alquevas”, disse.
Interpelado sobre a necessidade de aumentar o preço da água para travar comportamentos de desperdício, o docente defendeu que se houvesse gestão eficiente em todas as entidades públicas que gerem a água seria possível garantir uma “segunda geração sem aumentar tarifas”, contudo, vaticinou, “há uma bomba-relógio” para a qual as empresas não estão a preparar-se.
“Há aqui uma bomba-relógio que é o envelhecimento das condutas. Foram construídas sobretudo nos anos 90, estão a aproximar-se do período que começam a dar problemas e nenhuma entidade está a incluir nas tarifas o valor necessário para fazer face a isto”, alertou.
Já no setor agrícola, Poças Martins defende que neste caso a autorregulação deve passar também pelo preço para incentivar a poupança, uma vez que em Portugal não se paga para utilizar a água do poço, pelo que não há um incentivo à poupança. O ex-governante destacou ainda como bom exemplo as políticas de gestão da água levadas a cabo pelos autarcas da Área Metropolitana do Porto (AMP) que conduzir à redução significativa das perdas de água.
No caso, Porto, adiantou o seu presidente Rui Moreira, na sessão de abertura, foi possível reduzir este valor para os 13%. Sublinhando a importância dos municípios nesta matéria, o presidente da AMP, Eduardo Vítor Rodrigues defendeu que importa avançar com políticas públicas de combate ao desperdício antes que a seca chega ao Norte do país, deixando um aviso de não se pode pensar em estratégias de gestão em agosto quando confrontados com um cenário de seca.
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