Quem vai pagar aos bolseiros daqui a três anos?
Incerteza sobre financiamento dos contratos dos atuais bolseiros doutorados faz investigadores temer que não sejam renovados. Para o PS, tudo depende "da procura de trabalhadores científicos".
Desde agosto, quando o Governo aprovou um novo regime de contratação de bolseiros doutorados com o objetivo de reduzir a precariedade na ciência, que o diploma tem sido criticado de todas as direções por deixar o problema resolvido de forma incompleta. A um dia de serem votadas na Comissão de Educação e Ciência as diferentes propostas de alteração, que pretendem tornar a lei mais clara e eficaz, já parece haver vários pontos de consenso entre os partidos. No entanto, há uma área onde ainda não há acordo e que preocupa os investigadores.
“O que vai acontecer na prática é que, estando as instituições universitárias subfinanciadas e descapitalizadas, daqui a três anos há uma onda enorme de despedimentos coletivos na ciência“, diz ao ECO o investigador Paulo Granjo, representante da Rede de Investigadores contra a Precariedade Científica.
Comecemos pelos consensos. Todos concordam — incluindo o ministro Manuel Heitor, que prometeu no Parlamento que haveria mudanças — que o diploma aprovado pelo Governo tinha uma grande falha. Criava um regime através do qual as universidades deveriam contratar os investigadores doutorados, substituindo as bolsas de investigação que deveriam ser usadas apenas para as necessidades que não fossem permanentes e para investigadores em formação. No entanto, não tornava claro como os investigadores poderiam fazer a transição deste modelo para a carreira científica.
O diploma previa que os investigadores doutorados fossem contratados por três anos, renováveis até seis, e não estabelecia qualquer ponte para, depois desses seis anos, haver acesso à carreira científica. Agora, os diferentes partidos que apresentaram propostas de alteração ao diploma, concordam que deve haver um caminho que leve estes doutorados a entrar na carreira científica no final dos seis anos. O mecanismo de transição em si, porém, tem levantado discórdia.
O PCP e o Bloco de Esquerda, nas suas propostas de alteração separadas, propunham que os investigadores doutorados que chegassem ao final do contrato de seis anos fossem integrados automaticamente na carreira científica, para evitar a criação daquilo a que chamaram uma “carreira paralela” com base em contratos com termo certo.
Não pode ser possível que um doutorado esteja seis anos fora da carreira e depois tenha de entrar. A instituição não é obrigada a contratá-lo.
O Bloco, pelo menos, já mostra abertura para negociar esta quarta-feira que a entrada seja por concurso público. “À imagem de qualquer entrada na carreira”, explica ao ECO o deputado bloquista Luís Monteiro. Para o deputado, as instituições teriam de, no final dos seis anos, abrir concursos públicos para que aquelas vagas fossem preenchidas através da entrada na carreira científica.
Porfírio Silva, deputado do Partido Socialista, não concorda que as universidades sejam obrigadas a abrir concursos para as vagas que, durante seis anos, forem preenchidas por um doutorado. “Não pode ser possível que um doutorado esteja seis anos fora da carreira e depois tenha de entrar. A instituição não é obrigada a contratá-lo”, refere o deputado. Para Porfírio Silva, o diploma reduz a precariedade ao esclarecer que, no final de seis anos de contrato a termo certo, a universidade não pode optar por voltar a fazer um contrato precário ao doutorado. “Para continuar a ter essas pessoas que acumularam essa experiência” a trabalhar na instituição, a faculdade tem de abrir um concurso público, explica. E, além disso, os bolseiros “não têm proteção contratual nem direitos associados a um contrato” o que, com o novo diploma e acesso a contratos de trabalho, passarão a ter.
Investigadores temem onda de despedimentos
Estando acordado que haverá alguma espécie de mecanismo de entrada na carreira científica no final de seis anos de contrato a termo certo, continua a haver preocupações para os investigadores que temem não ver solucionadas. “Há questões em que parece que não há abertura por parte do PS ou pelo menos do Ministério das Finanças”, afirma o investigador Paulo Granjo ao ECO. “E uma delas é particularmente grave”.
A questão que se coloca prende-se, não com o regime em si, mas com a norma transitória que servirá para integrar neste novo regime de contrato a termo aqueles investigadores que estão atualmente nas universidades com bolsas. O decreto-lei original é vago num dos aspetos, dizendo apenas que, no caso dos bolseiros da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), “os encargos resultantes da respetiva contratação são suportados por esta, através de contrato a realizar com a instituição de acolhimento do bolseiro”. Sem estar esclarecido por quanto tempo a FCT financiaria a contratação, entende-se que seria até ao término da bolsa — se o bolseiro tivesse apenas mais seis meses restantes na sua bolsa, a FCT financiaria esses seis meses.
Agora, os partidos têm propostas diferentes para melhor esclarecer esta alínea. Para o PCP e para o Bloco, a FCT deve financiar os seis anos de contrato, no final dos quais o doutorado tem acesso ao mecanismo de entrada na carreira científica. Mas é a proposta do Partido Socialista que preocupa os investigadores, ao determinar que “os encargos resultantes da respetiva contratação apenas são suportados [pela FCT] por um período de três anos”, lê-se no documento.
“O que vai acontecer na prática é que, estando as instituições universitárias subfinanciadas e descapitalizadas, daqui a três anos há uma onda enorme de despedimentos coletivos na ciência“, considera Paulo Granjo, da Rede de Investigadores contra a Precariedade na Ciência.
"O risco é as instituições dizerem: ‘Não estou a abrir concurso porque não tenho orçamento para contratar essas pessoas’. ”
Luís Monteiro, do Bloco de Esquerda, também está preocupado com este hiato. “Ao fim de três anos, as instituições podem não conseguir pagar” para renovar o contrato do doutorado por mais um, dois, ou três anos. Ana Rita Bessa, do CDS, também reconhece que pode existir um problema, embora a proposta dos centristas não preveja uma alteração nesta área. “Eu percebo a preocupação”, afirma. “O risco é as instituições dizerem: ‘Não estou a abrir concurso porque não tenho orçamento para contratar essas pessoas'”. No entanto, continua Ana Rita Bessa, “se a tutela estabelece estes princípios é porque acautelará, de forma orçamental, estas questões”.
O Partido Socialista, porém, defende a sua opção de alocar financiamento da FCT para os primeiros três anos do contrato. “É preciso ter em conta o seguinte: não são as leis que mudam a natureza das instituições”, afirmou Porfírio Silva ao ECO. “Vai continuar a haver contratação, na medida em que as instituições tenham estratégias que passem pelo reforço da investigação e precisem de investigadores”.
O decreto-lei incentiva, por si só, a contratação através de vínculos duradouros. “Queremos que as instituições, precisamente por causa deste enquadramento, precisem de contratar e contratem cada vez menos precários”, concluiu Porfírio Silva. No entanto, não quis falar de um possível aumento da dotação para a ciência que pudesse facilitar essa contratação, a não ser para dizer que “em abstrato” seria a favor de um maior investimento nessa área.
Muitos destes impasses poderão ficar nas mãos do PSD. Embora o partido tenha inicialmente prometido apresentar uma proposta de alteração ao decreto-lei, tendo mesmo chegado a pedir um adiamento do prazo de entrega de propostas, esta intenção acabou por não se concretizar. No debate da apreciação parlamentar, a deputada social-democrata Nilza de Sena afirmou que o PSD não se revia na proposta. O ECO tentou contactar a deputada, mas não obteve resposta.
“Ninguém sabe o que o PSD vai fazer”, conclui o investigador Paulo Granjo. “Acham que o decreto é uma porcaria, e têm razão, mas que não é responsabilidade deles estar a melhorá-lo”. Esta quarta-feira, essa posição tornar-se-á mais clara na discussão de todas as propostas no Parlamento — as aprovadas pela Comissão de Educação e Ciência serão depois votadas por todos os deputados, no plenário.
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