Nova Lei do Trabalho tem normas inconstitucionais, conclui parecer jurídico pedido pelos patrões
Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) inicia ronda de audiências com deputados visando a retirada das normas consideradas inconstitucionais.
A proibição de outsourcing depois de um despedimento coletivo, o alargamento do direito à atividade sindical onde não há trabalhadores filiados e a remissão abdicativa dos créditos dos trabalhadores são as normas da nova Lei do Trabalho que o parecer jurídico pedido pelos patrões considera serem inconstitucionais. O Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) inicia agora uma ronda de audiências com deputados visando a retirada das normas que podem violar a Constituição.
“A nova Lei laboral sofre de diversas inconstitucionalidades e não é aceitável a sua aplicação, à luz desse documento máximo da nossa legislação, que é a Constituição portuguesa. O CNCP não desistirá assim de prosseguir, no sentido de que seja reposta a legalidade com a sua retirada”, afirma o Conselho Nacional, em comunicado.
O Conselho Nacional — que integra a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), a Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) e a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) — defende há muito que várias normas introduzidas pelo Parlamento à Lei do Trabalho, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, são inconstitucionais, tendo inclusive feito chegar essa posição a Marcelo Rebelo de Sousa. A Presidência da República promulgou a Lei, que entra em vigor a 1 de maio.
O parecer, assinado pelos juristas Pedro Romano Martinez — Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e presidente do Instituto de Direito do Trabalho — e Luís Gonçalves da Silva — Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e vice-presidente do Instituto de Direito do Trabalho — conclui, no entanto, pela inconstitucionalidade de diversas alterações à Lei laboral.
O Conselho Nacional, tal como já tinha sido noticiado pelo ECO, inicia agora uma ronda de reuniões com os grupos parlamentares. Se conseguirem o apoio de 25 deputados poderá ser feito o pedido de fiscalização sucessiva do Código de Trabalho no Tribunal Constitucional.
O que diz o parecer?
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Proibição da terceirização de serviços após despedimento coletivo
É a norma que tem gerado mais discussão e junto dos juristas que assinam o parecer, a proibição do recurso ao outsourcing depois de um despedimento coletivo ou extinção do posto de trabalho, durante 12 meses, cujo não cumprimento constitui uma contraordenação muito grave (artigo 338.º-A), “suscita diversas perplexidades, com especial destaque para incongruência teleológica da solução e a manifesta incompatibilidade com a Lei Fundamental”, pode ler-se no parecer do Instituto do Direito do Trabalho, da Faculdade de Direito de Lisboa, a que o ECO Trabalho teve acesso.
“Consideramos evidente que existe uma incompatibilidade teleológica entre a credencial de cessação e consequente proibição de contratação, com recurso a vínculos de diferente natureza“, consideram os juristas. E explicam porquê. “O empregador pode recorrer – com habilitação constitucional e legal – ao despedimento coletivo (ou extinção de postos de trabalho) por razões empresariais – na terminologia legal, “motivos económicos”, reconhecidos como motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos –, mas fica impedido, durante 12 meses, de adequar a gestão empresarial à estratégia delineada, se esta consistir na externalização de serviços”, continuam. Ou seja, “em termos práticos, o legislador impõe uma ‘sanção’ por ter despedido, não obstante, reitera-se, a base constitucional e legal de tais despedimentos.”
Uma proibição que, consideram, entra em conflito com diversos direitos fundamentais, entre os quais “num quadro de liberdade de gestão das empresas privadas (artigos 80.º, alínea c), e 86.º, n.º 2, da Constituição) – a liberdade de escolha de profissão (artigo 47.º, n.º 1, da Constituição), a liberdade de iniciativa económica (artigo 61.º, n.º 1, da Constituição), o direito de propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição), preceitos que radicam, em última instância, na dignidade da pessoa humana”.
Os juristas recordam ainda que as restrições e os condicionamentos dos direitos fundamentais – e “o direito à iniciativa tem a natureza de direito fundamental” – só se justificam quando se mostrem necessários e adequados à salvaguarda de outros direitos ou valores constitucionais, mas “têm sempre de ser proporcionados”. Ora, “não sendo o caso, a conclusão surge naturalmente: o artigo 338.º-A é inconstitucional”, concluem.
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Remissão abdicativa dos créditos trabalhador
Outro dos temas que levantou questões sobre a sua constitucionalidade tem a ver com a norma que acaba com a possibilidade de os trabalhadores abdicarem de créditos que lhes são devidos, como os subsídios de férias ou de natal, quando são despedidos ou o contrato cessa. Segundo este parecer, a norma constitui uma “limitação negocial” (artigos 863.º e 1248.º do Código Civil), e suscita, desde logo, duas questões: em primeiro lugar, a participação na elaboração da legislação do trabalho; em segundo, a restrição ao princípio da autonomia privada.
“Na elaboração das leis ordinárias, há a ter em conta, em especial, as leis da Assembleia da República e os decretos-leis do Governo. Quanto às leis da Assembleia da República, importa referir que, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, é da exclusiva competência deste órgão de soberania legislar sobre direitos, liberdades e garantias, salvo autorização concedida ao Governo“, explicam os advogados. Ora, parte das normas da chamada Constituição Laboral inserem-se na regulamentação constitucional sobre direitos, liberdades e garantias. Por conseguinte, os artigos 47.º e 53.º a 57.º da Constituição regulam questões laborais e são normas que, segundo o artigo 165.º, n.º 1, al. b), da Constituição, “fazem parte da competência relativa da Assembleia da República”.
Relativamente à segunda questão identificada — restrição ao princípio da autonomia privada –, “o legislador tutela de forma acrescida os créditos laborais face à própria cessação do vínculo, o que demonstra, de forma manifesta, a desproporcionalidade da opção e, portanto, a sua inconstitucionalidade”, concluem.
Os especialistas classificam ainda a norma de “perniciosa para o trabalhador, porquanto inviabiliza que o empregador se disponha a negociar um valor para a cessação do contrato de trabalho, superior ao que resulta do regime legal”.
A segunda consequência negativa apontada respeita ao facto de “a norma em apreço implicar um aumento da litigância, levando a que os trabalhadores que tinham acordado um valor indemnizatório global recorram a tribunal. E nessas ações discutir-se-á necessariamente a complexa questão de determinar a que acordos se aplica a renúncia abdicativa”.
Assim, os advogados concluem que a norma é “inconstitucional” por “violação do direito de participação na elaboração da legislação do trabalho” (artigo 54.º, n.º 5, alínea d) e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição) e, por outro lado, por corresponder a uma “restrição desproporcional do princípio da autonomia privada” (v.g., artigo 26.º da Constituição).
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Direito à atividade sindical na empresa
Os juristas têm “algumas dúvidas” sobre as alterações que visam a atividade sindical na empresa. Com a nova Lei, o sindicato “mesmo não tendo qualquer trabalhador filiado a realizar a sua atividade na empresa, tem o direito de convocar reuniões (dentro e fora do horário de trabalho), a usufruir de um espaço no interior daquela e a afixar e distribuir informação sindical”, referem no parecer.
“Trata-se, portanto, de um apoio do empregador, imposto pelo legislador, ao sindicato, que, recorde-se, é independente do patronato (conforme determina o artigo 55.º, n.º 4, da Constituição)”, destacam.
A alteração introduzida suscita dúvidas, “devido à compressão da liberdade de iniciativa económica (artigo 61.º, n.º 1, da Constituição) e do direito de propriedade privada (artigo 62.º da Constituição)”, consideram.
A questão que assume maior relevância tem a ver com o direito a instalações (artigo 464.º). “O legislador, ao impor, de forma acrescida, um conjunto de encargos ao empregador, numa situação de ausência de qualquer representação na empresa, “coage” o responsável desta a disponibilizar, a titulo permanente, um espaço apropriado, no interior ou na proximidade da empresa, para o exercício da atividade sindical; e, note-se, esta obrigação a cargo do empregador pode mesmo levar a que este tenha de assumir encargos específicos e acrescidos para cumprir a norma, mesmo, reiteramos, inexistindo quaisquer filiados na associação que exerce o direito (artigo 460.º, n.º 2)”, realçam.
Mais, lembram, existindo vários sindicatos no setor onde a empresa atua, e “não tendo o legislador fixado quaisquer critérios”, o empregador terá de “suportar os custos da disponibilização de uma multiplicidade de espaços”. Um número de espaços “ilimitado” na justa medida em que o Código de Trabalho não determinar requisitos quantitativos para a constituição de um sindicato.
“A alteração introduzida impõe a empregadores a obrigação de facultar instalações para a realização da atividade sindical de estruturas sem filiados na empresa, bem como sem quaisquer patamares mínimos de representação, que podem, no limite, ter como inscritos apenas os titulares dos órgãos; ie, os que reclamam as instalações”, referem.
Um direito a instalações que “pelos custos suscetíveis de representar para os empregadores” que “não são delimitáveis, ficando dependentes do número de sindicatos existentes em cada momento” que, consideram os juristas, “afeta indelevelmente a liberdade de iniciativa económica e a propriedade privada.”
E nem a liberdade sindical justifica essa alteração, já que “sempre teríamos uma violação do princípio da proporcionalidade, mais especificamente da proporcionalidade em sentido estrito (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição)”, já que “se trata de uma afetação de dois direitos fundamentais, cuja dimensão não se poderá identificar, uma vez que inexistem limites e critérios – de representatividade – para o exercício do direito a instalações”, dizem.
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Proibição às discriminações remuneratórias relacionadas com atribuição de prémios de assiduidade e produtividade
A Lei n.º 13/2023 aditou um novo preceito, em matéria de proibição de discriminação: “São ainda consideradas práticas discriminatórias, nos termos do número anterior, nomeadamente, discriminações remuneratórias relacionadas com a atribuição de prémios de assiduidade e produtividade, bem como afetações desfavoráveis em termos de avaliação e progressão na carreira” (n.º 7 aditado ao artigo 25.º).
A nova redação do artigo 25.º, n.º 7 não é inconstitucional, “desde que o preceito seja interpretado no sentido conforme à Constituição que não impede – rectius, impõe – um tratamento diferenciado, justificado objetivamente, sob pena de o ‘igualitarismo’ violar o princípio da igualdade”, salientam os advogados.
Pois, o próprio princípio da igualdade tem uma dimensão negativa — traduzindo-se na proibição de privilégios e discriminações (artigo 13.º da Constituição) –, mas, por outro lado, uma vertente positiva — o princípio exige o “tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes); tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e objetivamente desiguais – «impostas pela diversidade das
circunstâncias ou pela natureza das coisas» – e não criadas ou mantidas artificialmente pelo legislador; tratamento em moldes de proporcionalidade de situações iguais ou desiguais”.
Ora, a nova redação deste artigo pode, numa primeira leitura, colocar problemas de harmonização com a Lei Fundamental. Poder-se-ia ponderar se estaria na intenção do legislador proibir diferenciações “relacionadas com a atribuição de prémios de assiduidade e produtividade, bem como em termos de avaliação e progressão na carreira”.
Perante o exposto, a conclusão é “segura e com manifesto apoio no elemento literal”: “não são admissíveis discriminações remuneratórias, mas nada impede diferenças assentes em critérios objetivos, razoáveis e justificados“. Dito de outro modo, no entender dos advogados, e segundo uma interpretação conforme à Constituição, os prémios de assiduidade e de produtividade não integram uma discriminação remuneratória se, no caso concreto, assentarem em critérios objetivos e razoáveis de diferenciação.
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Arbitragem para a apreciação da denúncia de convenção coletiva
A nova Lei introduziu mais uma situação de arbitragem, em caso de denúncia da convenção coletiva, podendo o pedido ao Presidente do Conselho Económico Social suspender os efeitos da denúncia (artigo 500.o-A).
“O regime agora introduzido suscita mais duas dificuldades: 1) a imposição da arbitragem em detrimento do tribunal judicial; 2) harmonização com o conteúdo da liberdade de iniciativa económica”, consideram os juristas.
“A arbitragem para a apreciação da denúncia de convenção coletiva, ao estabelecer uma nova arbitragem coerciva – ao lado da arbitragem obrigatória e necessária –, direciona-se para uma restrição desproporcional do direito de contratação coletiva. Não se podendo concluir, atendendo aos dados legislativos existentes, que seja per se violadora da Constituição. No cômputo geral das diferentes vias da arbitragem coerciva, e dependendo do modo como vier a ser concretizada, pode colidir com vetores essenciais, mormente a liberdade coletiva (de associações sindicais e de empregadores)”, dizem.
(Última atualização às 12h20)
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