Exclusivo Trabalhadores portugueses cortam nos gastos com comida devido à inflação

Estudo mostra que mais de seis em cada dez trabalhadores diminuíram despesas com alimentação. Vão menos a restaurantes, não compram tanto no supermercado e reduziram porções e qualidade das refeições.

Mais de metade (54%) dos trabalhadores portugueses assume ter reduzido “muito ou bastante” as suas despesas para fazer face ao aumento da inflação, com apenas 15% a declarar que pouco ou nada teve de alterar para enfrentar o atual contexto. Um corte nos gastos que afetou mais quem tem contratos a prazo (65% vs. 51% nos contratados a tempo indeterminado) e está em regime 100% presencial (55% vs. 44% no modelo de trabalho híbrido).

De acordo com um estudo realizado pela Netsonda para a Edenred Portugal, a que o ECO teve acesso, a comida foi mesmo a categoria em que os portugueses mais reduziram as despesas, com mais de seis em cada dez inquiridos a afirmar ter diminuído o valor despendido com esta categoria, face ao período que antecedeu o disparo nos preços. Um fenómeno que é transversal aos vários segmentos da população.

Depois da alimentação (64%), as outras áreas em que os portugueses mais baixaram as despesas foram o turismo (57%), a categoria de lazer/desporto (54%), os combustíveis (45%) e a tecnologia (40%). Segundo o inquérito realizado pela consultora, que no mês de novembro fez perto de mil entrevistas para recolher esta informação, seguiu-se a redução dos gastos com eletricidade (29%) e noutros bens de primeira necessidade (21%), como os produtos de higiene pessoal ou da casa.

Quais foram as principais alterações nos hábitos dos trabalhadores portugueses no que toca à alimentação? Passaram a ir menos vezes a restaurantes (82%), enquanto dois terços dos que diminuíram este tipo de despesa compram agora uma menor quantidade de produtos no supermercado e fazem atualmente um maior planeamento de refeições, além de terem baixado a quantidade e a qualidade no prato.

Filipa Martins, diretora-geral da Edenred Portugal, salienta ao ECO que “tanto do ponto de vista social como económico estes são dados preocupantes”, uma vez que “evidenciam um risco crescente de incidência de má nutrição e, em situações limite, de fome junto da população ativa, que tradicionalmente está menos exposta a este risco”.

“A diminuição dos índices e qualidade da nutrição tem também impactos enormes nas empresas, uma vez que a alimentação é crucial para a saúde e esta tem uma relação direta com os níveis de absentismo e produtividade, com repercussões na receita e despesa do Estado. Aliás, é por isso que a atribuição do subsídio de refeição, enquanto facilitador de uma nutrição adequada durante a jornada de trabalho, é tão importante”, acrescenta.

Tanto do ponto de vista social, como económico, estes são dados preocupantes. Evidenciam um risco crescente de incidência de má nutrição e, em situações limite, de fome junto da população ativa, que tradicionalmente está menos exposta a este risco.

Filipa Martins

Diretora-geral da Edenred Portugal

Além disso, prossegue a responsável desta empresa, mantendo-se a tendência de redução das idas a restaurantes, “pode avizinhar-se um novo período de retração para o setor, ainda em recuperação dos dois difíceis anos de pandemia, pelo que é fundamental ter políticas que promovam o setor e garantam a continuidade e sustentabilidade destes estabelecimentos” ligados à restauração.

O estudo quantitativo realizado através da aplicação de um questionário online junto do painel Netsonda e de entrevistas telefónicas aponta os 373 euros como o valor médio mensal que os trabalhadores portugueses gastam com a alimentação. Os trabalhadores com mais de 45 anos (vs. 18-24 anos), com contrato de trabalho a tempo indeterminado (vs. a termo) e que trabalham no setor público (vs. privado) são os que mais gastam em comida, diferenciando-se dos outros targets em análise.

No que toca aos hábitos de consumo ao almoço, o relatório elaborado pela Netsonda, que reclama ter o maior painel online exclusivo para estudos de mercado em Portugal, indica que 45% dos almoços durante a semana de trabalho são feitos na copa da empresa com comida que levam para o escritório, enquanto quase 30% almoçam em casa. A cantina é a terceira opção (15%) e 10% vão a restaurantes – quem almoça fora pelo menos uma vez por semana paga, em média, dez euros pela refeição. Só 1% encomenda agora comida através de serviços de delivery.

As mulheres, os trabalhadores mais novos, os que trabalham em modo 100% presencial ou em empresas privadas com mais colaboradores optam mais vezes por almoçar na copa/levar comida de casa. Pelo contrário, são os homens, os inquiridos na faixa dos 45-54 anos (vs. os mais novos), os que estão parcialmente em trabalho remoto e os que trabalham em organizações privadas quem vai mais vezes aos restaurantes durante a semana de trabalho.

O período de almoço durante o dia de trabalho – para a maioria dos inquiridos (46%), a pausa mais comum dura 45 a 60 minutos – é considerado principalmente uma “maneira de regenerar e obter energia para a continuação do trabalho após o almoço” (82%). Para 37% é um “método exclusivamente necessário para garantir a nutrição”; para 30% uma “oportunidade de aprofundar o relacionamento com os colegas; e há ainda 26% que aproveita para “tratar de assuntos privados”. Apenas 1% diz não fazer intervalo para almoçar.

Para aqueles que abdicam “às vezes ou sempre” de fazer um almoço completo durante o dia de trabalho, como assumem fazer quatro em cada dez dos participantes neste estudo, os principais efeitos sentidos são fadiga/cansaço (33%) e irritabilidade (21%).

Valor médio de 5,9 euros no subsídio de alimentação

O perfil estabelecido na amostra deste estudo é o seguinte: mais de metade da população portuguesa trabalhadora é constituída por indivíduos entre os 35 e os 54 anos, vivendo cerca de um quarto na Grande Lisboa e tendo mais de um terço completado o ensino universitário ou técnico. Perto de 70% trabalha numa organização privada, a maioria tem filhos e 50% recebe entre 751 euros e 1.250 euros líquidos mensais.

Ora, outra das conclusões é que quase nove em cada dez trabalhadores recebem subsídio de alimentação, com o valor médio mensal de 127 euros (equivalente a 5,9 euros diários), isto é, um terço daquela que é a necessidade mensal calculada neste estudo. Por segmentos da população, o valor do subsídio é superior para os homens, para os funcionários abaixo dos 45 anos, para os trabalhadores em regime de trabalho 100% remoto ou híbrido, que trabalham no privado ou em empresas com 50 ou mais colaboradores.

Entre os que têm direito a subsídio de alimentação, 55% recebem-no em dinheiro e os restantes em cartão/voucher – algo que, segundo os dados deste estudo, é uma prática para mais de metade (58%) no setor privado, por contraponto com os funcionários públicos, para os quais receber o subsídio junto com o salário “continua a ser claramente a forma mais comum” (88%).

Um em cada cinco inquiridos reconhece que não sabe onde utiliza o valor do subsídio de alimentação, isto é, não faz distinção entre subsídio e ordenado. Sem surpresa, 98% dos que têm cartão/voucher conseguem mais facilmente identificar onde gastam o subsídio de refeição. A satisfação média com o cartão refeição é de 7,7, numa escala de classificação de 1 a 10.

Filipa Martins, diretora-geral da Edenred Portugal

A diretora-geral da Edenred Portugal defende que o recebimento do subsídio de refeição em cartão / vale “permite que as pessoas tenham uma maior visibilidade do seu orçamento para alimentação e onde o gastam, promovendo uma gestão mais eficiente desta verba”. “Mais do que isso, o recebimento através de vale social, seja em cartão ou voucher, assegura que o montante será, de facto, gasto com o fim para que foi atribuído”, completa.

“A maioria das pessoas que recebe o subsídio de refeição em dinheiro tem dificuldade em perceber se utilizou o valor em alimentação ou para outro fim, uma vez que os rendimentos estão todos englobados. O facto de não se conseguir identificar onde é gasto o subsídio em dinheiro pode significar que o mesmo está a ser canalizado para outros fins que não aquele com que foi atribuído [ter uma alimentação adequada], pondo em causa o benefício fiscal que lhe está associado”, sustenta Filipa Martins.

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