IP propõe PPP para alta velocidade chumbadas pelo Tribunal de Contas em 2014

Modelo de implementação de alta velocidade com contratos autónomos por cada troço em vez de contrato único "poderia conduzir à existência de eixos incompletos", escreveu tribunal em 2014.

O modelo de parceria público-privada em que a Infraestruturas de Portugal (IP) pretende construir a linha de alta velocidade Porto-Lisboa foi “chumbado” há praticamente uma década pelo Tribunal de Contas (TdC). Em 2014, o TdC alertou para a colocação de cláusulas abusivas e para um formato de contratação que poderia pôr em risco a execução do investimento.

Para que a linha possa ganhar forma entre Porto e Lisboa, a IP propõe três contratos de concessão para a conceção, construção, manutenção e financiamento da empreitada (modelo DBFM). Cada um dos contratos corresponde aos três troços no eixo Porto Lisboa: Porto-Aveiro, Aveiro-Soure e Soure-Carregado, segundo a apresentação feita em setembro de 2022. A empresa justifica a opção com a “redução dos custos de ciclo de vida, a otimização dos recursos disponíveis e a alocação ajustada dos riscos”. Depende depois das transportadoras a colocação dos comboios na linha.

A IP pretende seguir o mesmo modelo para a instalação da sinalização e das telecomunicações na linha. O “número limitado de fornecedores”, o “elevado risco tecnológico” e a “vida útil mais reduzida” são os motivos que justificam a opção, segundo a gestora da rede ferroviária nacional. Sob responsabilidade da IP ficarão as restantes obras, como por exemplo a ampliação da Gare do Oriente e a quadruplicação do troço entre Alverca e Azambuja.

“Se quisermos implementar a alta velocidade sem grandes perturbações ao longo do tempo e sem custo de oportunidade, a melhor abordagem que podemos seguir é a das parcerias público-privadas”, defendeu em março o presidente da IP, Miguel Cruz, num debate sobre mobilidade que decorreu no campus de Azurém da Universidade do Minho. “Quando se contrata uma PPP, normalmente, o processo é mais longo mas depois existe uma execução mais rápida do processo”, acrescentou, em abril, o vice-presidente da empresa, Carlos Fernandes (entre 2005 e 2012 presidente da RAVE).

Em 2014, o Tribunal de Contas analisou o mesmo modelo de contratação para a alta velocidade, proposto pela extinta RAVE – Rede Ferroviária de Alta Velocidade, S.A. Em causa estavam cinco PPP para a conceção, construção, financiamento e manutenção da substrutura e superstrutura ferroviárias, por um período de 40 anos. Quem ganhasse o concurso receberia depois uma renda por garantir o funcionamento da linha. Haveria ainda uma única PPP para os sistemas de sinalização e de telecomunicações a instalar nas linhas Lisboa-Madrid, Lisboa-Porto e Porto-Vigo. Os investimentos nas estações ficariam a cargo da Refer (empresa que então geria a rede ferroviária nacional).

Risco de linhas incompletas

Tal como agora, a RAVE quis duas PPP para cada uma das linhas. Ora, em 2014, o TC notou que “os estudos preliminares foram feitos para eixos ferroviários. Mas o modelo de implementação previu a segmentação daqueles eixos em troços, cada um com um processo de contratação autónomo”. Para aquele tribunal, “no limite”, haveria o risco de “existência de eixos incompletos”.

Por exemplo, quando em setembro de 2010 foi cancelada a PPP para o troço Lisboa-Poceirão “deixou de ser objetivamente possível invocar, para justificação da contratação da PPP do troço Poceirão-Caia, os resultados dos estudos efetuados para o eixo Lisboa-Madrid”, segundo o TdC. No entanto, o concurso foi ganho pelo consórcio Elos, em 2010, e acabou por ser o Tribunal de Contas, em 2012, a recusar o contrato. Em 2023, ainda está por resolver a contenda entre o Estado e o consórcio Elos, que exige uma indemnização num valor acumulado de 220 milhões de euros, segundo o cálculo de novembro de 2022 do jornal Expresso (acesso pago).

O TdC alegou que o contrato para o troço Poceirão-Caia incluía disposições, consideradas ilegais, que “pretendiam permitir ao concessionário receber uma indemnização por custos além dos permitidos pela Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, em caso de recusa de visto”. Duas das razões para essa ilegalidade era que a norma “pretendia permitir pagar mais do que os trabalhos realizados ou os bens e serviços adquiridos após a celebração do contrato e até à data de notificação da recusa de visto” e “era contrária ao requisito de, para poderem ser pagos, os bens ou serviços adquiridos terem que se enquadrar dentro da programação contratualmente estabelecida”.

O mesmo tribunal defendeu ainda que a mesma cláusula “pretendia atribuir ao Estado a responsabilidade pela recusa de visto «em exclusividade» e independentemente de eventual conduta culposa da concessionária e fossem quais fossem os fundamentos da recusa de visto”. Para o TdC, “dificilmente se poderia imaginar uma cláusula inserida num contrato público do Estado(!) tão desproporcionada, despropositada e abusiva contra o próprio Estado e, claro, tão descuidada com o interesse público e, em concreto, com os interesses financeiros do Estado”.

Confrontado pelo ECO com a semelhança do modelo de contratação para a alta velocidade que levantou dúvidas há quase uma década, o Tribunal de Contas refere que “apenas se pronuncia colegialmente no âmbito dos processos de auditoria que desenvolve, não estando previsto neste momento proceder à apreciação que é solicitada”. No entanto, o tribunal lembra que “além da fiscalização prévia, pode exercer fiscalização concomitante ou realizar auditorias, bem como, se for caso disso, efetivar as responsabilidades financeiras”.

Segundo o calendário, o primeiro concurso para a construção do primeiro troço da linha Porto-Lisboa deve ser lançado no final de 2023, para que as obras se iniciem ainda em 2024 e fiquem concluídas no final de 2028. Nesse momento, a ligação ferroviária entre Porto e Lisboa deverá demorar cerca de duas horas.

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