Carris podia parar durante três dias úteis sem violar regras de desempenho
José Manuel Viegas denunciou problemas nos contratos da Carris e da CP, criticando a atuação do Governo nesta última. Já o Metro de Lisboa nem sequer tem contrato, lembrou.
O especialista em mobilidade José Manuel Viegas denunciou esta terça-feira que o contrato de serviço público da Carris permite à empresa parar durante três dias úteis sem violar as regras de desempenho. Além disso, o professor emérito da Universidade de Lisboa e presidente da consultora TIS lembrou que o metro de Lisboa está a operar sem contrato de serviço público, que diz ser obrigatório desde 2019, criticou o facto de as cláusulas de desempenho do contrato da CP serem “confidenciais” e acusou o Governo de ter violado a autonomia da administração da CP.
No primeiro encontro dos reguladores, promovido pela Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), José Manuel Viegas disse que o contrato de serviço público da CP “tem uma coisa espantosa”: “As cláusulas de desempenho estão num anexo que é confidencial. E o regulamento europeu diz que são devidas especiais preocupações de transparência quando se trata de um operador interno. Nós não sabemos quais são os indicadores de desempenho a que a CP está obrigada. Por isso, a CP pode desempenhar mal e os cidadãos, e a imprensa e todos os stakeholders interessados não têm maneira de saber se está a violar o contrato ou não“, explicou.
Nós não sabemos quais são os indicadores de desempenho a que a CP está obrigada. Por isso, a CP pode desempenhar mal e os cidadãos, e a imprensa e todos os stakeholders interessados não têm maneira de saber se está a violar o contrato ou não
Sobre isto, e na presença da presidente da AMT, Ana Paula Vitorino, o especialista reforçou: “Não consigo entender o que há de confidencial nas cláusulas de desempenho da CP, a não ser pudor. Vergonha.”
Mas houve mais críticas além do metro de Lisboa e da CP. José Manuel Viegas apontou para a Carris dizendo que o contrato, que é público, permite, na prática, a não existência de serviço durante três dias úteis, sem violação do indicador de desempenho.
“A Carris podia não produzir transporte público durante três dias úteis por mês e continuava a desempenhar como se estivesse tudo bem. Se compararmos este contrato da Carris (que é aquele que é conhecido – o do metro não existe, o da CP é confidencial) com os contratos que são conhecidos, quer dos operadores de autocarros, quer dos contratos por exemplo da Fertagus e da Metro do Porto, que são concessões públicas (no caso do Metro do Porto, uma subconcessão), que têm critérios de desempenho múltiplos e exigentes, não é que não saibamos fazer. É que, quando a empresa é de capitais públicos, temos vontade de não fazer, ou não somos capazes de fazer. Isto, no meu entendimento, é grave”, atirou.
José Manuel Viegas explicou porquê: “Porque os serviços suprimidos por greves e as más qualidades sistemáticas que temos não geram penalização para os operadores, desde logo, e devia haver penalização. Mas pior do que isso, do ponto de vista da sustentabilidade, são o melhor instrumento para induzir os cidadãos que disponham de carro particular optarem pelo carro particular. E depois a treinarem-se, porque têm muitos dias em que há greve e se o itinerário do primeiro dia não for bom, pode experimentar o segundo e o terceiro.”
“É um programa de formação contínua em não utilização de transportes públicos”, atirou o especialista durante a intervenção.
“Se não resolvermos isto, corremos o risco de deitar fora boa parte do dinheiro que se está a investir em infraestruturas e os apelos a mais ferrovia e a expandir as redes do metro de Lisboa, em termos da transferência modal que se pretende, porque, depois de feita a infraestrutura e posto lá o material circulante, o serviço é muito mau. Temos de ser capazes de acompanhar o esforço de infraestrutura pelo esforço de bom funcionamento, o que passa, em parte, pela exigência do regulador”, defendeu.
José Manuel Viegas disse, então, que as penalizações para os operadores públicos de transporte não podem ser financeiras. “Quando o operador é público, a penalização não pode ser financeira como no caso de um operador privado. Porque, senão, sai de um bolso do Estado e entra noutro bolso do Estado”, explicou.
“Violação” da autonomia da CP, acusa Viegas
Quanto à atualidade, o especialista acusou o Governo, através do Ministério das Infraestruturas, de violar a autonomia da gestão da CP ao negociar diretamente com os sindicatos.
Falando numa “coisa chocante”, José Manuel Viegas apontou que “foi o Governo que negociou o recente acordo com os sindicatos” anunciado na semana passada e que pôs fim às greves que ocorriam “há vários meses” na CP. “Mas isto é um total desrespeito pelo contrato, a parte que se conhece do contrato, e pela autonomia de gestão do Conselho de Administração. É uma coisa que me parece inacreditável. E a pergunta que tenho de fazer é a seguinte: e os custos acrescidos vão aparecer como adicional às indemnizações compensatórias para o contrato do próximo ano ou vão diretamente para o défice de exploração?”, interrogou. “Nada disso foi dito. Sinceramente, espero que seja a última vez que um Governo desautoriza desta maneira o Conselho de Administração de uma empresa pública”, concluiu.
O 1.º Encontro das Entidades Reguladoras Portuguesas é uma conferência de dias promovida pela AMT em Lisboa e que reúne representantes dos reguladores portugueses. O evento decorre esta terça e quarta-feira na Fundação Oriente, em Lisboa.
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