Portugal conta mais secas e em mais território

No seu canto no sul da Europa, Portugal sente com severidade as alterações climáticas e os períodos de seca têm vindo a multiplicar-se. Uma tendência que deve continuar a agravar-se.

2022 fica marcado como um dos anos mais quentes a nível global e Portugal não escapou: viveu-se um dos onze episódios de seca mais severa dos últimos 80 anos. E as previsões não são animadoras, já que o país está a tornar-se mais vulnerável a este fenómeno.

Nos anos mais recentes tem-se observado uma maior frequência destes episódios [de seca] e alguns deles têm-se prolongado por mais de um período húmido (outono e inverno) e seco (primavera e verão), e também têm abrangido uma maior percentagem do território”, indica fonte oficial do Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA) ao Capital Verde. As regiões Nordeste e Sul têm sido as mais afetadas, aponta ainda. Nota-se assim “um aumento do risco e da vulnerabilidade a este fenómeno, o que poderá obviamente trazer um aumento dos impactos, nomeadamente ao nível dos setores agrícola e hidrológico e, necessariamente social”, conclui.

E a vulnerabilidade não é reconhecida apenas pelo IPMA. Este ano começou com fortes chuvas mas, esta segunda-feira, o Ministério da Agricultura e Alimentação alertou que a situação de seca severa e extrema já afeta cerca de 40% do território nacional, apontando impactos significativos na atividade agrícola e rendimentos dos agricultores.

Por seu lado, a Confederação dos Agricultores de Portugal adiantou à Lusa que a produção cerealífera e a pecuária estão entre os setores mais afetados pela seca, notando que o abate de animais para evitar o encerramento das explorações pode vir a ser inevitável. Já no que diz respeito à campanha de olivicultura, por detrás da produção de azeite, as perspetivas são preocupantes, dizem alguns representantes do setor. Os agricultores da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (FAABA) esperam que este ano se verifique uma situação seca “ainda mais grave” do que a do ano passado.

No futuro, Portugal será mais quente, conduzindo a uma maior evaporação e, portanto, à diminuição do conteúdo de água no solo, aumentando assim a frequência, intensidade e duração das situações de seca no território nacional. Uma justificação para este problema em Portugal é a situação geográfica, que é favorável à ocorrência de episódios de seca, quase sempre associados a situações de bloqueio em que o anticiclone subtropical do Atlântico Norte se mantém numa posição que impede que as perturbações da frente polar atinjam a Península Ibérica, explica o mesmo instituto.

Secas graves são cada vez mais frequentes

Nos últimos 20 anos há dois episódios de seca que se destacam pela gravidade. O primeiro foi a seca de 2004-2006, que se destacou por ser a de maior extensão territorial, com 100% do território a ser afetado. Em segundo lugar, o IPMA destaca um episódio muito recente: a seca de 2016-2017. Esta foi diferente. Iniciou-se mais tarde do que o habitual, só na primavera, agravou-se no outono, e manteve-se durante os meses de inverno. Nas secas ocorridas anteriormente, em nenhuma se verificou um aumento da área em seca severa e extrema no outono. À data de 31 de outubro, o ano de 2017 foi o único a apresentar todo o território nas classes de seca severa e extrema.

Desde 1980, já se registaram nove ocasiões em que mais de 10% do território estava em situação de seca extrema e quatro em que mais de 75% de Portugal continental estava em seca severa ou moderada. Já no horizonte dos últimos 80 anos, os episódios de seca que o IPMA vê como mais severos foram 11, espalhados de forma muito desigual ao longo do tempo – com destaque para as últimas décadas.

Desde os anos 80 que cada década tem tido, pelo menos, um registo com maior severidade, e entre 2010 e 2020 concentram-se quatro destes episódios: o de 2011-2012, 2015, 2017-2018 e 2019. Antes, registou-se um outro em 2004-2006, precedido dos de 1994-1995, 1991-1992, 1980-1982, 1948-1949 e 1943-1946. Na presente década já há um novo registo, o de 2022.

2022 foi um dos anos mais quentes

Os termómetros chegaram a marcar os 46.ºC em algumas zonas do país em 2022. Em Portugal continental, o ano de 2022 classificou-se como extremamente quente em relação à temperatura do ar e seco em relação à precipitação, lê-se no boletim climatológico anual preliminar do ano 2022, lançado pelo IPMA. Foi o ano mais quente desde 1931. A temperatura mais elevada registada nesse ano coincide com o registo mais baixo de 2022.

80% do território encontrou-se em seca severa extrema durante os primeiros nove meses desse ano, um efeito contrariado apenas pela precipitação intensa que se verificou em novembro e dezembro – meses marcados por inundações devastadoras em vários pontos do país. Das albufeiras em contenção, com limitações aos usos dados à água tendo em conta o baixo volume disponível, Portugal passou a fenómenos de precipitação tão fortes que deixaram carros a boiar nas ruas e estabelecimentos comerciais com graves prejuízos. De um extremo ao seu oposto.

Globalmente, este foi o quinto ano mais quente, com a temperatura média a situar-se 0,49°C acima do habitual entre 1981 e 2010. Na Europa, foi o segundo ano mais quente de sempre e em todas as regiões do Velho Continente verificaram-se temperaturas mais altas do que a média. “Isto faz de 2022 o oitavo ano consecutivo de temperaturas superiores a 1°C acima do nível pré-industrial”, frisou o Copernicus Climate Change Service. Um número significativo, tendo em conta que, em 2015, na conferência climática em Paris, os países participantes comprometeram-se a limitar o aquecimento global a 1,5.ºC até 2050.

Secas vão agravar

“As projeções futuras do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) indicam que haverá um aumento acentuado nos eventos extremos na Europa, em particular, nas ondas de calor, secas e precipitações fortes”, indica o IPMA. É nas regiões mais secas que a precipitação deverá diminuir, enquanto nas regiões húmidas aumenta.

Portugal, como já referido, ficará mais quente. Dois dos elementos climáticos que mais influenciam as situações de seca, a precipitação, que fornece a humidade ao solo, e a evapotranspiração, que consome a humidade do solo, deverão mudar no pior sentido. No final do século, ou seja, entre 2091 e 2100, a precipitação anual em Portugal continental deve diminuir, cerca de -55 milímetros (mm) no cenário intermédio e cerca de -148 mm no cenário mais gravoso. Nos mesmos cenários, a evapotranspiração aumenta 77 mm ou 184 mm. A região Norte do país é a que sofre uma menor diminuição da precipitação (entre 5 a 15%), o centro receberá menos 10 a 20% de precipitação e, no sul, a redução estará entre 15 e 30%.

Este artigo integra a segunda edição do anuário do Capital Verde, Yearbook, que será publicada no primeiro semestre de 2023.

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