Luís Miguel Ribeiro, prestes a ser reeleito na AEP, valoriza a estabilidade política para “captar investimentos” e avisa o Governo que “fundos comunitários não podem ser um problema para as empresas".
Em entrevista ao ECO, o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), que a 29 de maio será eleito para um novo mandato de quatro anos no cargo, reconhece que a instabilidade política é “uma ameaça à atividade empresarial” e sublinha que os empresários e os trabalhadores “não têm de estar de costas voltadas”.
Luís Miguel Ribeiro defende que as associações patronais devem “voltar a ter um papel ativo na formação e requalificação” profissional e avisa o Executivo socialista que os fundos comunitários “não podem ser um problema para as empresas”, lamentando igualmente que o PT2030 esteja a “demorar demasiado tempo a arrancar”.
Quais serão as prioridades para o novo mandato à frente da AEP?
Temos de continuar a consolidar o apoio à internacionalização das empresas, à valorização da atividade empresarial e da iniciativa privada, às questões ligadas à sustentabilidade, à economia circular e às transições digital e climática, que trazem grandes desafios às empresas. Temos vindo a adequar os nossos serviços para dar resposta a essas áreas.
E vamos estar muito atentos, interventivos e exigentes em relação à execução dos fundos comunitários. Porque este dinheiro tem de chegar às empresas e à economia. Temos de exigir que chegue em tempo útil, nas melhores condições e que aceder a fundos comunitários seja uma vantagem e não um problema para as empresas, como muitas vezes é. Porque com a burocracia na execução dos programas e os atrasos que acontecem, as empresas que se candidatam, em vez de estarem a ter uma ajuda à sua atividade e aos investimentos que têm de fazer, passam a ter um problema. Isso tem de mudar radicalmente.
Este mandato vai acompanhar o período de execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Sim. Há timings que coincidem, nomeadamente o final da execução do PRR. Além disso, o PT2030 está a demorar demasiado tempo a arrancar. É urgente que arranque, nomeadamente na parte da formação e requalificação dos ativos. Deixou-se cair muito do papel que as associações empresariais tinham nessas ações e continuamos com défices enormes nessa área.
A que se deveu essa perda de relevância?
A opções políticas, que entenderam colocar os recursos todos no IEFP, nas escolas públicas e noutros lados. As associações foram deixadas para segundo plano nessa aposta. É um erro. Temos de voltar a exigir que as associações, que estão perto das empresas, que conhecem as suas necessidades de formação e que têm know-how, voltem a ter um papel ativo na formação e requalificação dos ativos, para que tenham o nível e as competências que as empresas precisam de contratar. Se o papel das associações fosse mais ativo e interventivo na identificação dessas áreas, certamente seria minimizado esse desajuste e o problema da falta de mão-de-obra nas empresas. É claro que nem tudo foi bem feito, mas as associações já demonstraram ter capacidade para o fazer.
Quando vamos para o terreno, percebemos que há associações empresariais que não acrescentam o valor que deviam no serviço que prestam às empresas. Muitas vezes estão, elas próprias, com dificuldades em manter-se.
Não continua a haver muitas associações desligadas do tecido empresarial?
O movimento associativo empresarial precisa também, ele próprio, de ter capacidade de resposta junto das empresas, que muitas vezes não tem. É preciso inverter essa realidade. Quando vamos para o terreno, percebemos que há associações empresariais que não acrescentam o valor que deviam no serviço que prestam às empresas. Muitas vezes estão, elas próprias, com dificuldades em manter-se.
Temos um tecido empresarial muito micro, que tem dificuldade de acesso a informação que lhes permita candidatar-se a programas, sobre legislação, sobre questões fiscais ou laborais. E as associações empresariais podiam e deviam ser a estrutura de apoio a esse tecido empresarial micro que o país tem.
Porque falam numa nova fase na vida da AEP?
Terminámos um ciclo de recuperação e de consolidação da nossa estrutura, com o fecho de dossiês que gastaram muito tempo e recursos, alguns deles com complexidade e impacto na vida da AEP. Hoje, tendo esse assunto resolvido, temos de olhar para o futuro e para os novos desafios. Temos um parque de exposições [Exponor] que tem de ser repensado e adequado aos desafios dos novos tempos. Temos o foco, o ADN e a presença mais marcada no Norte, mas somos uma instituição de âmbito nacional.
Quer reduzir essa conotação com a região Norte do país?
Não. Seremos sempre e queremos ser uma associação com ADN e com grande representação e força no Norte. Mas com um âmbito e reflexo da nossa atuação a nível nacional. Não podemos nem devemos minimizar ou desvalorizar o facto de termos sede no Porto, de termos grande parte das nossas empresas associadas no Norte e Centro do país. Temos cerca de 1.500 sócios com as quotas em dia e o Norte pesa à volta de 80%.
Até para se diferenciar de outras, que estão em Lisboa.
Exatamente. Senão somos só mais uma associação empresarial no meio das outras, a fazer o que outras já fazem.
No plano de ação para o mandato falam numa “forte determinação em influenciar as políticas públicas”. Querem ser uma voz mais ouvida, a partir do Norte?
Esse tem de continuar a ser um dos nossos grandes papéis: alertar, reivindicar e dizer que quem cria riqueza e emprego são as empresas — e que as empresas não podem estar aqui apenas para pagar impostos, mas para serem atores com condições para desempenharem bem a sua função. Registámos todos com agrado a melhoria nas perspetivas de crescimento do PIB, que resulta também do grande esforço de associações empresariais, como a AEP, que organizam anualmente dezenas de missões empresariais e participações em eventos internacionais, juntamente com as empresas.
As empresas têm feito um esforço na internacionalização e nas exportações, que começam a trazer resultados e a dar contributos que começam agora a notar-se ao nível da recuperação do PIB. Um país que tem um PIB fortemente composto por consumo privado tem de fazer este caminho. Que se faz em competição com empresas de outros países, cujos custos de contexto são muito mais baixos, nomeadamente ao nível da carga fiscal, da legislação laboral, nos custos do transporte e logística.
A instabilidade política que o país atravessa pode ser uma ameaça a essa recuperação?
É sempre uma ameaça para a atividade empresarial. Precisamos de estabilidade para captar novos investimentos, para desenvolver a atividade económica em melhores condições, para que não se gastem energias e recursos em discussões muitas vezes fúteis. Uma crise política não traz benefícios para a atividade empresarial. Agora, vivemos numa democracia e as democracias têm dinâmicas próprias. Somos promotores e defensores da estabilidade, mas também devemos perceber que quando não há condições [políticas], as coisas têm de ser ajustadas. Mas ainda não estamos nesse ponto.
Somos promotores e defensores da estabilidade, mas também devemos perceber que quando não há condições [políticas], as coisas têm de ser ajustadas. Mas ainda não estamos nesse ponto.
Que relacionamento tem e quer ter com a CIP e o seu novo presidente, Armindo Monteiro?
A CIP é um parceiro social, defendendo também os interesses e as posições da AEP na concertação social. Hoje sou vice-presidente da comissão executiva da CIP, onde também se pretende que a AEP tenha um papel mais ativo e interventivo – e que leve a que a CIP faça aquilo que se espera de uma confederação empresarial, sobretudo ao nível da influência sobre as políticas públicas. Esperamos que a concertação social contribua para alterar alguns paradigmas que temos vindo a ter no país, sobretudo ao nível da legislação laboral. Não se podem fazer acordos e a seguir esquecer-se deles.
O novo líder da CIP já prometeu desenhar um “pacto para o crescimento” com os sindicatos, que só depois será apresentado ao Governo. Concorda com essa abordagem?
Sim. A CIP vai ter um papel mais ativo a criar pontes e consensos até com os próprios sindicatos, tentando fazer propostas em conjunto e conciliar vontades. Dando um sinal de que os empresários não têm de estar de costas voltadas com os seus colaboradores, nem eles com os empresários. Devemos encontrar pontos comuns para que possamos reivindicar em conjunto. Porque, no final do dia, o interesse é o mesmo: que as empresas tenham boas condições para ter um bom desempenho e pagar bons ordenados, conseguirem fixar as pessoas e reter as melhores porque é dessa forma que seremos competitivos. Não há empresas sem pessoas e quanto melhores trabalhadores tiverem – mais qualificados e adequados aos seus desafios –, melhor será o seu desempenho. Não temos de estar uns do lado e outros do outro. Temos de estar do mesmo lado. Este é um caminho que não se faz de um dia para o outro, mas é um caminho que tem de se começar a fazer.
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“Crise política? Estamos a gastar energias e recursos com discussões fúteis”
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