Bolso dos portugueses vai continuar afastado da pujança da economia
A subida dos juros e a persistente taxa de inflação vão continuar a fazer mossa no rendimento das famílias até ao final do ano. Nem o aumento das exportações ou do PIB podem mudar este cenário.
A economia nacional está a atravessar um bom momento. E isso não é apenas visível pela dinâmica recente do PIB, que registou um crescimento homólogo de 2,5% no primeiro trimestre e uma expansão em cadeia de 1,6% entre janeiro e março, que colocou Portugal entre os países da Zona Euro com o melhor desempenho em 2023.
A pujança da economia nacional é dada também pela redução homóloga de 4% do défice da balança de bens no primeiro trimestre, como resultado das exportações terem crescido 1,5 vezes mais que as importações e pelo crescimento extraordinário de 55% do excedente da balança de serviços, “sobretudo justificada pelo aumento de 1.115 milhões de euros do saldo das viagens e turismo”, refere o Banco de Portugal.
No tecido empresarial, os resultados do primeiro trimestre das maiores empresas nacionais mostram também uma dinâmica bastante positiva, como ficou espelhado pela subida significativa dos lucros dos bancos, da Galp, da EDP, da Jerónimo Martins e da maioria das empresas do PSI.
O vigor da economia nacional em 2023 chega também ao mercado de trabalho. Os números mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que os níveis de desemprego continuam em níveis historicamente baixos, com a taxa de desemprego a cair para 6,8% em abril, ficando abaixo dos valores de março e janeiro.
Além disso, o ministro das Finanças, Fernando Medina, revelou que as declarações para a Segurança Social aumentaram 8% no primeiro trimestre, sublinhando que “o mercado de trabalho está a assegurar, do ponto de vista da sua dinâmica privada, um crescimento das remunerações com significado, nomeadamente para aqueles que procuram novos empregos.”
Do setor exportador de bens ao turismo, do tecido empresarial ao mercado de trabalho, os números referentes ao primeiro trimestre mostram uma economia vibrante como há muito não se via.
No entanto, as boas notícias tardam em chegar ao bolso das famílias, como referiu recentemente o Presidente da República e também o ministro da Economia, numa alusão à ausência da melhoria qualidade de vida dos portugueses. E o problema é que a expectativa que se está criar de que a pujança da economia levará a um aumento dos rendimentos na maioria das pessoas não se deverá concretizar, pelo menos até ao final do ano.
Um sinal dessa previsão é dado pelas últimas projeções do Banco de Portugal, que apontam para um modesto crescimento de 0,3% do consumo privado este ano, bem longe de uma previsão de 1,8% do crescimento do PIB. Mas há mais sinais que mostram que a carteira das famílias continuará longe dos números “pomposos” da economia.
Inflação e juros pesam (muito) no bolso dos portugueses
As observações de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Costa Silva assentam em indicadores que têm um impacto significativo no PIB, como seja o comércio internacional ou os lucros das empresas, mas com pouco impacto no presente na carteira das pessoas. “O PIB está a chegar, mas as boas notícias não contagiam todos ao mesmo tempo”, refere João Duque, professor do ISEG.
Os lucros das empresas e as vendas geradas com o crescimento das exportações, por exemplo, foram contabilizados durante os primeiros três meses do ano, mas não foram ainda distribuídos (dividendos) e, por norma, não se refletem na carteira dos trabalhadores das empresas da mesma forma que no bolso dos acionistas.
E as declarações para a Segurança Social aumentaram no primeiro trimestre, como referiu o ministro das Finanças, mas, em larga medida, porque houve um aumento de quase 1% da população empregada entre janeiro e abril, como revelou o INE, e que, com isso, gerou uma natural subida dos descontos realizados.
Além disso, João Duque nota que o benefício no bolso da maioria dos portugueses, cujos rendimentos provêm na sua generalidade de salários, já foi incorporado no início do ano, com a normal atualização salarial. Por essa razão é expectável que os próximos meses sejam marcados por poucas variações no rendimento das famílias, o que torna a situação complicada para o orçamento familiar num ambiente marcado por uma contínua subida das taxas de juro e uma persistente taxa de inflação.
A exceção é a Função Pública, que após uma atualização salarial em janeiro de 52,11 euros para salários até cerca de 2.600 euros e de 2% para remunerações superiores, contaram ainda com um aumento de 1% pago a partir de maio com retroativos a janeiro e com um acréscimo para 6 euros do subsídio de refeição.
Também não é displicente o facto de o peso das remunerações do trabalho (labour share) no PIB estar a cair há vários anos, “muito como consequência da forte adoção de tecnologia que proporcionou também um aumento da produtividade”, refere Pedro Brinca, professor da Nova SBE.
De acordo com dados do Eurostat, o peso das remunerações do trabalho no PIB caiu de 47,9% em 2021 para 47,1% em 2022. No entanto, Pedro Brinca ressalva que ainda é cedo para considerar que esta queda seja uma mudança estrutural e permanente na economia nacional.
O certo é que há duas variáveis que vão continuar bem presentes na vida dos portugueses e que vão penalizar o rendimento disponível dos agregados familiares: a subida das taxas de juro e uma taxa de inflação a níveis acima da média dos últimos anos.
- Taxas de juro: as taxas Euribor continuam a subir e, com isso, a aumentar os custos dos créditos bancários indexados à taxa variável (sobretudo do crédito à habitação). As previsões dos analistas é que as taxas de juro comecem a corrigir a partir do verão, mas os contratos forward rate agreements sobre a Euribor a 3 e 6 meses apontam para que isso só suceda no final do ano.
- Inflação: a taxa de inflação homóloga contabiliza atualmente um abrandamento há sete meses consecutivos, tendo inclusive fechado nos 4% em maio, o valor mais baixo desde janeiro de 2022. Fernando Medina também já referiu que espera “vários meses de inflação abaixo de 3%”. Porém, isso não significa que os preços estejam a baixar, mas a crescer de forma mais moderada. João Duque refere que “só quando houver uma estabilização dos preços é que as pessoas sentirão uma melhoria.”
Subida de preços não vai desaparecer, mas apenas abrandar
Portugal é ainda um país de salários e de pensões baixas. Os últimos dados da Autoridade Tributária mostram que 53% dos agregados familiares vivem com menos de 964 euros brutos e que mais de um terço vive com menos de 714 euros por mês.
Entre os pensionistas, de acordo com dados da Conta da Segurança Social 2021, que foi publicada a 10 de maio, cerca de dois terços dos reformados têm pensões inferiores a 443 euros e 82% dos reformados recebem menos de 665 euros.
Nas contas da maioria da população, a subida da inflação no último ano, que contou inclusive com uma taxa homóloga de 10% em outubro, provocou uma perda salarial real de 3,5% em 2022, segundo o relatório “Taxing Wages 2023”, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Numa economia de baixos rendimentos como Portugal, o impacto da subida da inflação ganha ainda maior dimensão. Não apenas porque a subida dos preços no último ano se esgotou no passado com uma forte pressão dos orçamentos familiares em 2022, mas porque esse estrangulamento do rendimento líquido das famílias se irá manter no futuro. É isso que espelham as expectativas dos agentes económicos para a inflação, que não apontam para uma queda generalizada dos preços, mas para um abrandamento.
No entanto, isso não invalida que se possa assistir a uma redução do preço de alguns produtos, como admitiu na quarta-feira Fernando Medina referindo-se aos combustíveis. “Hoje estão objetivamente com preços mais baixos do que estiveram nas fases mais agudas e críticas”, referiu o ministro das Finanças, mostrando ainda confiança de que “as pessoas vão passar a notar menos diferenças nos preços em determinados produtos.”
Porém, isso não invalida que se possa assistir a uma rigidez dos preços nominais nos próximos meses, após nos últimos meses se ter verificado uma subida significativa dos preços dos produtos, mantendo-se assim uma forte pressão sobre o rendimento disponível das famílias.
Essa situação terá lugar caso as empresas se mostrem relutantes em baixar os preços dos produtos, apesar dos custos de produção poderem cair, com o intuito de aproveitarem para aumentar as suas margens. Todavia, Pedro Brinca salienta que “se a estrutura comercial em que operam as empresas não se alterou, esse comportamento não é justificável”, mas não deixa de ser possível.
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