As empresas ligadas à inteligência artificial estão disparar em bolsa, mas o potencial vai muito além do setor tecnológico pois o impacto é global.
O entusiasmo com a inteligência artificial (IA) está a gerar uma bolha nos mercados financeiros ou esta tecnologia tem um potencial transformador na economia global que justifica o desempenho positivo das cotadas ligadas a esta área? Dito por outras palavras, os investidores ainda vão a tempo de aproveitar a onda de ganhos das companhias de IA ou a tendência de alta já foi longe demais, estando à vista uma correção nestas ações?
Embora a opinião não seja unânime, parece consensual entre os analistas que a IA pode ter um impacto similar a outras tecnologias que foram disruptivas no passado e acabaram por impactar a economia global de forma positiva. Estando ainda num estado bastante inicial, a IA tem gerado muitas outras questões, nomeadamente ao nível da ética, impacto no emprego, intervenção dos reguladores, papel das políticas públicas, etc.
Depois do lançamento do ChatGPT no final do ano passado, a polémica tem crescido de tom e dividido opiniões. Muitos acreditam que irá moldar o futuro, outros duvidam do potencial e também há quem peça uma pausa no desenvolvimento da aplicação da IA para avaliar as implicações.
Estas incertezas ilustram os riscos de investir numa tecnologia que está ainda numa fase inicial de desenvolvimento e tem um longo caminho pela frente. Mas também a oportunidade de ganhar desde já exposição aos campeões do futuro. Muitos analistas fazem o paralelo com o boom das dotcom no início do século, que ficou marcado por uma bolha que deixou centenas de empresas pelo caminho. Mas que também impulsionou várias cotadas que são hoje as maiores do mundo, como a Amazon e a Apple.
“A procissão ainda vai no adro, mas é inegável que o setor promete muito e poderá proporcionar excelentes investimentos”, resume Ricardo Evangelista, diretor executivo da ActivTrades Europe.
Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, faz o paralelismo com a intensificação do metaverso no final de 2021, assinalando que a “inteligência artificial oferece um impulso objetivamente mais tangível à economia” e as “perspetivas de descidas das taxas de juros e a perceção de uma massificação da inteligência artificial, têm alimentado o bom comportamento das empresas tecnológicas”.
A procissão ainda vai no adro, mas é inegável que o setor promete muito e poderá proporcionar excelentes investimentos. O impacto da IA será sentido em muitos setores, para além da tecnologia.
Crescimento exponencial
Os diversos estudos que já foram efetuados para avaliar esta indústria são unânimes em apontar para um crescimento exponencial nos próximos anos. A IDC estima que os gastos em sistemas de IA, incluindo software, hardware e serviços, vão atingir 537 mil milhões de dólares em 2023 (crescimento anual de 19,5%) e 900 mil milhões de dólares em 2026.
As previsões da Bloomberg Intelligence apontam para receitas de 1,3 biliões de dólares no setor em 2032, contra os 40 mil milhões de dólares no ano passado, o que traduz uma taxa de crescimento média anual de 42% em dez anos. Segundo a GlobalData, o mercado global de IA terá um valor de 383 mil milhões de dólares em 2030, o que traduz uma taxa de crescimento anual de 21%.
O Goldman Sachs estima que a IA pode impulsionar o PIB mundial em 7%, o que corresponde a um impulso de 7 biliões de dólares num período de 10 anos. O impacto será sentido sobretudo ao nível da produtividade laboral, que deverá beneficiar com um incremento de 1,5 pontos percentuais na taxa de crescimento.
O banco de investimento aguarda um impacto disruptivo no mercado de trabalho, assinalando que a automação de processos induzida pela IA pode colocar em causa 300 milhões de postos de trabalho a nível global. “Embora o impacto da IA dependa, em última análise, da sua capacidade e timing de adoção, existe um enorme potencial económico da IA generativa se cumprir o que está a ser prometido”, referem os analistas do Goldman Sachs.
O Deutsche Bank tem uma visão mais benigna do impacto da IA no mercado de trabalho. “Devemos confiar na história e não viver com medo de que os robôs e computadores roubem as nossas perspetivas de emprego, mesmo que o tipo de trabalho que fazemos possa mudar drasticamente no futuro. Pode haver um período de turbulência, mas é provável que sejam criados mais empregos e oportunidades”, refere o banco alemão.
“Se aproveitada corretamente, a IA deve contribuir para a aumentar a produtividade, e, finalmente, libertar recursos para novos projetos e indústrias que atualmente não sabemos que precisamos ou desejamos”, destaca o Deutsche Bank, acrescentando que o desafio dos decisores de políticas passa por garantir que as suas ações “não desaceleram o potencial produtivo da tecnologia, até porque precisamos de crescimento da produtividade à medida que lidamos com dívidas elevadas, demografia enfraquecida e crescimento económico lento”.
Devemos confiar na história e não viver com medo de que os robôs e computadores roubem as nossas perspetivas de emprego, mesmo que o tipo de trabalho que fazemos possa mudar drasticamente no futuro. Pode haver um período de turbulência, mas é provável que sejam criados mais empregos e oportunidades.
A estrela Nvidia
A Nvidia tem sido a face mais visível da impressionante cavalgada em bolsa das empresas de IA. A fabricante de chips para a indústria atingiu em junho a fasquia de 1 bilião de dólares de capitalização bolsista depois de ter anunciado resultados e previsões que esmagaram as estimativas dos analistas.
Outrora conhecida como uma empresa apenas especialista na indústria do gaming, a Nvidia acumula uma valorização de quase 190% este ano, o que lhe garante o estatuto de quinta maior cotada de Wall Street. Esta escalada atirou os múltiplos da empresa para valores bem acima da média, que são questionados por alguns analistas.
A Nvidia está a negociar a 45 vezes os lucros estimados para os próximos meses. Ou seja, apostar atualmente na empresa significará esperar quase meio século para garantir o retorno a 100% do investimento, isto no cenário teórico de a empresa devolver todos os lucros aos acionistas. Por outro lado, o múltiplo da Nvidia era bem superior (62 vezes) antes da empresa anunciar os últimos resultados, o que demonstra a capacidade da fabricante de chips continuar a surpreender com taxas de crescimento dos lucros muito elevadas.
A Nvidia está longe de ser a única cotada em evidência devido a esta febre com a IA. Muitas empresas têm disparado em bolsa devido a meras menções a aposta nesta tecnologia, um comportamento habitual em períodos de exuberância como a que se vive atualmente nesta área. Outras cotadas de grande dimensão, como a Microsoft, Alphabet (dona do Google) ou Amazon, também marcam ganhos assinaláveis desde que o ChatGPT explodiu no ano passado.
O índice S&P 500 entrou em bull market (valorização de 20% face a mínimos) no mês de junho, acumulando um ganho superior a 15% em 2023 que anula uma parte substancial das fortes perdas do ano passado. Se no cálculo do índice fosse atribuído o mesmo peso a todas as 500 empresas, o S&P500 estaria a marcar ganhos nulos no ano, o que ilustra a importância das grandes tecnológicas no desempenho de Wall Street e como a IA está a ser fundamental para o rally nos mercados acionistas. Sozinhas, a Nvidia e a Microsoft são responsáveis por mais de 40% dos ganhos do S&P 500 este ano. O tecnológico Nasdaq Composite valoriza mais de 30% em 2023, depois de registar o melhor primeiro semestre em 40 anos.
Impacto vai além das tecnológicas
“Apesar da nova onda de inovação tecnológica”, o Goldman Sachs espera que sejam os incumbentes a liderar a indústria. “Ao adotar a IA generativa na sua carteira de produtos, estas empresas podem moldar a forma como a tecnologia vai evoluir”, refere o banco de investimento, que assim recomenda a aposta nas seguintes cotadas: Microsoft, Alphabet, Nvidia, Amazon, Salesforce, Meta, Intuit e Adobe.
Lauren Goodwin, economista e responsável por gestão de carteiras na New York Life Investments, destaca que “os vencedores diretos da AI podem ainda não ser conhecidos”, pelo que uma abordagem “diversificada e temática pode ser a mais apropriada, dando aos investidores uma probabilidade potencial de maior sucesso”.
A economista sugere a exposição às empresas tecnológicas norte-americanas que já apresentam resultados líquidos positivos e cash flow elevados, destacando ainda outras indústrias que podem expandir o crescimento com a adoção da IA.
“As empresas diretamente ligadas a IA, como a Nvidia, estão com certeza a beneficiar já das expectativas quanto ao futuro impacto da tecnologia”, refere Ricardo Evangelista, salientando que o impacto vai além da tecnologia, pois os “esperados ganhos de produtividade que se espera devido à utilização da inteligência artificial deverão galvanizar vários outros setores”.
“As empresas mais diretamente relacionadas à inteligência artificial, sobretudo as fornecedoras de ‘picaretas”, tais como as fabricantes de chips, serão as mais influenciadas pela evolução desta tecnologia, mas o fenómeno é transversal a toda a economia”, assinala Paulo Rosa.
O UBS publicou um estudo onde cita dezenas de cotadas não tecnológicas que estão “posicionadas de forma favorável” para tirar partido do avanço da IA, com os benefícios a advirem do corte de custos e aumento das receitas.
Entre os vários exemplos, o banco suíço destaque a McDonald’s, que pode beneficiar ainda mais com os pedidos automáticos e preparação de refeições com base na procura. A IA vai ajudar a Walmart a compreender melhor os padrões de consumo seus dos clientes e o setor automóvel conseguirá acelerar a redução de custos na distribuição e manutenção. Os bancos podem tirar partido através do fornecimento de conteúdos e dados aos seus clientes.
O Goldman Sachs estima que a IA vai impulsionar os lucros das cotadas do S&P 500 em 30% ao longo da próxima década, evidenciando como os ganhos com a evolução da tecnologia podem ser captados pela generalidade das companhias.
As empresas mais diretamente relacionadas à inteligência artificial, sobretudo as fornecedoras de ‘picaretas’, tais como as fabricantes de chips, serão as mais influenciadas pela evolução desta tecnologia, mas o fenómeno é transversal a toda a economia.
Além da aposta em ações, mais ou menos diretamente ligadas à IA, existem outras formas de apanhar a onda. Tal como em qualquer investimento, a diversificação e o longo prazo são duas formas essenciais para gerir eficazmente uma carteira e que também devem ser seguidas neste caso.
“Fazer uma gestão inteligente do risco será o melhor conselho que podemos dar”, diz Ricardo Envagelista, recomendando “diversificar a carteira, com uma mistura de ações individuais e ETF, por exemplo”. O diretor executivo da ActivTrades Europe assinala que as ações diretamente expostas à inteligência artificial, como a Nvidia ou a Microsoft, “poderão ser uma boa opção, tal como vários ETF que têm o seu foco no ramo da IA, como por exemplo o Global X Robotics & Artificial Intelligence”.
Com um ganho médio anual de 10% desde a criação (2016), este fundo cotado de 2,33 mil milhões de dólares acumula uma valorização de 33% em 2023. Atualmente conta com um portefólio de 44 empresas, maioritariamente a operarem na área da robótica e no setor tecnológico, e localizadas nos EUA ou no Japão.
Paulo Rosa também sugere os ETF que replicam determinado setor, economia ou geografia, pois são “dos ativos mais aconselháveis na diversificação do risco”. O economista sénior do Banco Carregosa salienta que é “importante uma escolha criteriosa dos títulos e a sua diversificação, sendo uma das ameaças mais visíveis a escolha de títulos com valorizações demasiadamente acima dos lucros esperados”.
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