A proteção social não pode ser apenas garantida pelo Estado. As empresas e a responsabilidade individual têm uma papel crucial. Mas Jorge Bravo lembra que é preciso haver uma promoção pela poupança.
Os portugueses não têm por hábito pensar e, tão pouco, acautelar a sua reforma. Segundo os resultados do último Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa, publicado em 2021, menos de um quarto dos inquiridos refere que poupava para a reforma. Jorge Bravo, professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa – Information Management School (Nova IMS), afirma em entrevista ao ECO, que “a responsabilidade pela proteção social tem de ser tripartida“.
Isso significa que além do pilar público da Segurança Social é importante haver uma envolvência das empresas e da própria responsabilidade individual. Mas, para que qualquer uma destas soluções tenha sucesso, é importante haver uma aposta por parte das entidades públicas na promoção da poupança, algo que o professor nota que existe muito pouco.
O supervisor deveria olhar com atenção no sentido de promover uma maior transparência e promover uma comparabilidade de produtos.
Por diversas ocasiões tem sublinhado a necessidade de complementar o sistema público de pensões com outros sistemas de poupança para a reforma. Como é que isso se consegue?
A responsabilidade pela proteção social tem de ser tripartida. Primeiro através do pilar público, no caso de um sistema de repartição desenhado desejavelmente sob os princípios de justiça atuarial, de equidade em equilíbrio de gerações. E depois tem de ser complementada com dois pilares: empresarial e individual.
Como pode ser garantido o segmento empresarial no processo de proteção social?
Em conjunto com os trabalhadores, as empresas podem oferecer um mecanismo que melhore a proteção social das pessoas que vá além da proteção social durante a fase ativa do trabalhador, nomeadamente, por exemplo, através de fundos de pensões.
Como tem evoluído o peso deste segundo pilar na proteção social dos trabalhadores?
Hoje é praticamente insignificante. Por causa da integração dos grandes fundos de pensões (Portugal Telecom, ANA, Caixa, etc.) no sistema Previdencial e na Caixa Geral de Aposentações (CGA), a cobertura por planos do segundo pilar reduziu-se significativamente e tornou-se praticamente insignificante. O que tem havido e aumentando com alguma expressão são as funções complementares individuais, através dos seguros de vida, dos planos de poupança reforma (PPR), dos planos de pensões individuais.
Sente que as pessoas têm mostrado maior preocupação em pouparem no presente para construírem um complemento de reforma?
Não quero acreditar que as gerações atuais, as gerações que são mais qualificadas, não se sintam com a responsabilidade pelo seu próprio processo social. É um princípio que não aceito. Não aceito que as gerações que trabalham, que se esforçam uma vida inteira para ter condições de vida condignas, se desresponsabilizem de um período bastante importante do seu ciclo de vida, sobretudo na velhice, que vai ser de 25, 30 anos ou mais.
Há incentivos suficientes para estimular a construção de um complemento reforma por parte dos mais jovens?
O que temos tido é uma insuficiente aposta da parte das entidades públicas em promover a poupança. Aliás, até temos tido uma cultura de ostracização da poupança, como se vê no esforço fiscal que é aplicado sobre a poupança. Até nas mais elementares formas de poupança, como um depósito, há a aplicação de uma taxa unilateral de 28%. Isso é absurdo.
E qual o papel dos privados em fomentar a poupança e a criação de um complemento de reforma?
Há alguns instrumentos, como os fundos PPR, que têm uma tributação mais favorável à entrada e à saída. E isso explica porque são ainda hoje o instrumento individual de poupança para a reforma mais popular.
O caminho para fomentar o terceiro pilar da proteção social passa apenas por uma tributação mais favorável?
Já se percebeu que os portugueses reagem muito aos incentivos fiscais. No entanto, não deveriam apenas reagir fortemente aos incentivos fiscais. Deveriam reagir e reforçar o seu papel, o seu contributo para a proteção social, pelo seu próprio interesse. E isso obriga claramente a reforçar matérias como a literacia financeira, nomeadamente em ajudar os cidadãos a fazer uma planificação do seu ciclo de vida.
Olhando para a oferta de PPR no mercado, contam-se atualmente mais de 700 produtos ativos. E, na sua maioria, apresentam rendibilidades muito baixas e comissões bastante elevadas. Mais do que incentivos fiscais, o relevante na construção de um terceiro pilar são as boas soluções para as poupanças dos portugueses?
Parece-me que essa oferta é excessiva para o nosso mercado, o que dificulta bastante a escolha. E, obviamente, se um fundo não tiver uma massa suficiente não consegue diluir mais eficazmente os custos da operação, acabando por transferir menores rentabilidades para o aforrador. Isso é uma matéria que, porventura, o supervisor deveria olhar com atenção no sentido de promover uma maior transparência e promover uma comparabilidade de produtos.
Como é que isso poderia ser feito?
Fornecer aos aforradores ferramentas que permitam facilmente identificar no mercado, de acordo com o seu perfil de risco e horizonte temporal de investimento, quais são os melhores gestores, aquelas entidades que historicamente oferecem melhor desempenho. Sabemos que o desempenho histórico não é garantia de desempenhos futuros, mas se é um desempenho histórico consistente, se calhar é melhor garantia de gestão.
(Para ler a primeira parte da entrevista, em que Jorge Bravo faz um quadro preocupante do sistema da Segurança Social, carregue neste link. E para ler a segunda parte da entrevista, em que Jorge Bravo sugere algumas medidas para garantir a sustentabilidade da Segurança Social, carregue neste link).
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“Temos tido uma cultura de ostracização da poupança”
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