O Código de Processo Civil ainda não está em 2023
Num mundo cada vez mais global, o Código de Processo Civil não pode estar desenhado para um modelo regional, sem qualquer correspondência com a realidade de facto.
A Constituição da República Portuguesa prevê que a nenhum cidadão poderá ser denegada a justiça por insuficiência de meios económicos.
Mas e os cidadãos e as empresas portuguesas que não preenchem os requisitos da carência económica, quando confrontados com um processo judicial, têm alguma forma de controlar ou mitigar os custos que aquele processo importa, e que em muito ultrapassam a taxa de justiça? Não.
Essa possibilidade de gestão de custos seria possível com pequenas alterações ao Código de Processo Civil, que passariam pelo Legislador olhar para a realidade do processo, que já há muito tempo deixou de ser a dos litígios circunscritos a uma única comarca, e com advogados também eles da comarca do processo.
E a forma como as audiências prévias ainda decorrem é o paradigma da ineficiência.
Por que razão continua a ser necessária a presença física dos advogados numa audiência prévia? Principalmente quando, correndo o processo noutra comarca, a mera presença do advogado implicar uma deslocação de várias horas, muitas vezes – a maioria, dir-se-ia – absolutamente desproporcional face à duração da própria audiência? Pense-se no caso de um advogado com escritório em Faro, que represente um cliente com um litígio no Porto e que, para estar presente numa audiência prévia, que dura cerca de 1 hora (às vezes, nem tanto), vai demorar cerca de 12 horas na deslocação.
Quem suporta o custo desse tempo de deslocação? E o advogado, como explica esta desproporcionalidade ao cliente?
Recentemente, a Pandemia mostrou-nos que não só é possível que estas audiências sejam realizadas através de meios de comunicação à distância, como ainda que a presença física dos mandatários no Tribunal pouco ou nada acrescenta, nem em termos de garantias nem em termos de andamento do processo. Mais: as finalidades a que a audiência se destina não saem prejudicadas pelo facto de o juiz estar no Tribunal e os advogados das partes, cada um no respetivo escritório.
Inexistindo uma razão ponderosa, exigir a presença dos advogados em Tribunal não é razoável do ponto de vista da racionalidade económica, da eficiência, nem mesmo da sustentabilidade ecológica.
Dir-se-á ainda que, em muitas situações, também a presença dos advogados nas audiências de julgamento pode chegar a ser absurda. Pense-se, nos casos em que todas as testemunhas arroladas pelas partes residem fora da comarca e, como tal, são inquiridas por videoconferência nos Tribunais da área de residência. Que sentido faz obrigar os advogados a deslocarem-se ao Tribunal onde o litígio corre, para olhar e falar para uma televisão?
Num mundo cada vez mais global, o Código de Processo Civil não pode estar desenhado para um modelo regional, sem qualquer correspondência com a realidade de facto.
É certo que, pelo menos no caso das audiências prévias ao abrigo do dever de gestão processual – e a requerimento das partes – o juiz pode permitir que os mandatários participem nas mesmas através de meios de comunicação à distância. Mas essa decisão, que tem um impacto financeiro direto para a parte, ficar sujeita ao livre-arbítrio do julgador não será uma forma de denegar ou, pelo menos, condicionar o acesso à justiça?
Sendo o processo civil um processo das partes, justificava-se que estas pudessem pelo menos decidir se preferem que os respetivos advogados participem nas audiências prévias presencialmente, ou através de meios telemáticos, sem estarem condicionadas ao entendimento perfilhado pelo juiz do processo.
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