“Investimentos alternativos vão passar a ser parte essencial da carteira”

A "democratização" do acesso a investimentos alternativos vai continuar, prevê Lawrence Calcano, CEO da iCapital. A fintech norte-americana pode chegar aos 300 trabalhadores em Portugal.

A indústria dos chamados investimentos alternativos, como o capital de risco, o financiamento privado ou o imobiliário, disparou nos últimos anos. A consultora Preqin estima que o montante global investido aumente de 10 biliões de dólares em 2021 para perto de 18 biliões em 2026. Lawrence Calcano, CEO da iCapital, uma plataforma tecnológica que facilita o investimento nestes ativos, acredita que vão passar a ser “uma parte essencial da carteira” dos investidores, devido ao seu potencial de diversificação.

A fintech norte-americana, que tem como principais acionistas grandes nomes como a Blackstone, KKR e Carlyle Group, já tem 157 mil milhões de dólares em ativos na plataforma, cuja tecnologia é desenvolvida também em Portugal. A iCapital abriu em 2022 um escritório em Lisboa, na Avenida da Liberdade, onde poderá chegar a 300 empregados nos próximos dois anos.

Lawrence Calcano compara a comunidade tecnológica da capital portuguesa a Silicon Valley e aponta como uma das vantagens a sobreposição do horário de trabalho com a costa leste dos EUA em metade do dia. A iCapital tem reunido com o Governo português e com a Câmara de Lisboa e assegura que a aposta é para continuar.

O dinheiro investido em private equity (capital de risco) e em investimentos alternativos tem crescido muito nos últimos anos. A que se deve este comportamento?

Há muitos anos que os consultores têm vindo a recorrer a investimentos alternativos para diversificar as carteiras dos seus clientes e, potencialmente, gerar melhores retornos ajustados ao risco. Vimos isso especialmente no ano passado, quando os mercados estavam em queda. A tradicional carteira 60/40 [60% ações e 40% obrigações] não tem funcionado.

Quando as coisas ficaram difíceis nos mercados, isso prejudicou muitas dessas carteiras. Por isso, as pessoas estão a descobrir os benefícios dos investimentos alternativos em duas perspetivas — a oportunidade de um retorno incremental e a diversificação da carteira. Os investidores procuram esse crescimento para fazer face às obrigações futuras que têm na sua vida, quer se trate de oportunidades familiares ou a reforma. A diferença é que, no passado, as pessoas simplesmente não tinham acesso a alternativas para o fazer. Nós estamos a permitir isso.

Através da sua plataforma, a iCapital permite aos gestores de ativos e aos gestores de patrimónios alargar o número de clientes que podem investir em investimentos alternativos. Este processo de “democratização” vai continuar?

Os mercados estão desafiantes e as pessoas são naturalmente mais conservadoras nestes períodos, como devem ser. Mas muitos consultores dizem-nos que querem estar a postos para iniciar a afetação a fundos alternativos. Este é exatamente o tipo de mercado que os faz desejar que já estivessem totalmente alocados, porque assim as carteiras teriam mais diversificação. Provavelmente, teriam lidado com as mudanças no mercado de forma mais eficaz e mais defensiva.

Quais são as preocupações que os consultores de investimento e os investidores mais apontam? A menor regulação, por exemplo?

A questão está mais relacionada com a liquidez da carteira do que com o facto de estar ou não regulamentada. Trata-se de saber se os investidores compreendem que estes ativos são ilíquidos e que não terão acesso rápido ao seu dinheiro. Este é provavelmente o principal aspeto em que as pessoas se concentram quando analisam se estes ativos fazem sentido para elas.

[A “bolha” no private equity] já está a esvaziar. Os fluxos abrandaram muito, dado o conservadorismo que as pessoas tendem a adotar em tempos difíceis no mercado.

Recentemente, o Financial Times publicou um editorial com uma pergunta no título: A “bolha” no private equity vai rebentar ou esvaziar lentamente? Qual é a vossa opinião?

É bom que as pessoas sejam céticas. Isto sublinha o papel da educação. Se eu fosse um consultor financeiro e estivesse a cuidar do dinheiro do meu cliente, estaria muito concentrado em compreender como funcionam os ativos e como irão afetar o património do meu cliente ao longo de ciclos de mercado diferentes.

Há pessoas que precisam de uma liquidez mais frequente do que a que estes ativos podem proporcionar, e não há problema. Mas para aqueles que conseguem gerir a falta de liquidez destes ativos em relação às ações e obrigações, eles proporcionam uma grande diversificação e proteção. E algumas das estratégias proporcionam, acreditamos, retornos significativamente superiores, o que constitui uma oportunidade para os investidores.

Está então à espera que a bolha esvazie lentamente?

Já está a esvaziar, atualmente. Os fluxos abrandaram muito, dado o conservadorismo que as pessoas tendem a adotar em tempos difíceis no mercado. Mas, como eu disse, muitos consultores estão agora a preparar-se para quando o mercado estabilizar e aumentarem a alocação das carteiras aos seus clientes. A nível global, estamos a ver gestores de patrimónios e outros tipos de consultores a prepararem-se para um mercado mais estável e a implementarem a tecnologia e a capacidade de oferecerem estes produtos aos seus clientes.

Lawrence Calcano, CEO da iCapital, em entrevista ao ECO - 24MAI23
Lawrence Calcano, CEO da iCapital, em entrevista ao ECO.Hugo Amaral/ECO

Ativos como o crédito privado e o imobiliário são mais vulneráveis?

Em muitos aspetos são mais interessantes. Estamos a ver muito interesse no crédito privado porque, em muitos desses investimentos, as taxas de juro são variáveis. Em alturas de taxas de juro mais elevadas, as taxas de juro subjacentes ao produto também sobem. O cliente está, de certa forma, naturalmente protegido contra as subidas das taxas de juro.

No que respeita às ações, a maior área de interesse atual é a das ofertas secundárias, em que o investimento é feito muito mais tarde no ciclo de vida do investimento e a duração dos investimentos é mais curta. Isso é muito atrativo e as rendibilidades também são muito elevadas. Os preços no mercado secundário, quando os mercados estão difíceis, tendem a ser melhores para o comprador, o que, obviamente, também é bom para o investidor. Estamos a ver o crédito e os títulos secundários a liderarem o interesse das pessoas ao longo do tempo.

Acredita que a instabilidade financeira a que assistimos nos bancos regionais dos EUA poderá já ter passado?

Penso que se estabilizou bastante. É óbvio que várias instituições deixaram de existir, o que é lamentável em muitos aspetos. Ainda há alguma preocupação, mas a forma como várias instituições financeiras foram protegidas pelo sistema ou adquiridas, e a forma como os reguladores a nível mundial estão a descobrir como gerir estas situações de forma mais eficaz, está a criar mais estabilidade no mercado.

Quando a base de depósitos diminui, não se consegue emprestar. Por isso, tem havido uma grande oportunidade para as pessoas que gerem ativos de crédito privado entrarem nessa brecha e concederem crédito.

Alguns analistas referem que esta instabilidade também está a empurrar mais empresas para o crédito privado. É também essa a sua opinião?

O que aconteceu foi que muitos dos bancos financiadores nos EUA recuaram. Quando a base de depósitos diminui, não se consegue emprestar. Por isso, tem havido uma grande oportunidade para as pessoas que gerem ativos de crédito privado entrarem nessa brecha e concederem crédito. Esta situação vai manter-se até que os bancos comecem a emprestar de novo de forma agressiva.

A iCapital desenvolveu uma plataforma tecnológica que permite aos gestores de ativos e aos gestores de patrimónios gerir melhor os investimentos em capital de risco e outros ativos alternativos. Qual é a proposta de valor da plataforma?

Há várias peças essenciais na equação. A primeira é a educação. A segunda é o acesso. No passado, muitos dos melhores gestores não estavam disponíveis para os consultores de investimento e os seus clientes. Disponibilizar esses gestores é uma grande parte da proposta de valor, mas também fazê-lo com valores de investimento que fazem sentido para uma carteira individual.

Disponibilizar esses gestores [de ativos alternativos] é uma grande parte da proposta de valor, mas também fazê-lo com valores de investimento que fazem sentido para uma carteira individual. Nalguns casos, a partir de 25 mil dólares, noutros os mínimos são de 100 mil dólares.

Quais são os montantes?

Nalguns casos, a partir de 25 mil dólares, noutros os mínimos são de 100 mil dólares. Muitos dos fundos a que damos acesso têm mínimos institucionais de 5 ou 10 milhões de dólares. Mesmo para uma pessoa muito rica, não é possível investir tanto dinheiro num só fundo. Com a possibilidade de investirem com níveis muito mais baixos, as pessoas podem incorporar estes ativos na sua carteira de uma forma sensata que lhes permite criar diversificação. E a posse destes ativos é realmente melhorada pela automatização que fornecemos.

Automatizar a documentação que se assina quando se investe, automatizar os processos de mobilização de capital, de distribuição, de resgate, de obtenção de relatórios, de todo o ciclo de vida. Esta é uma parte muito importante da equação, uma vez que muitos gestores de patrimónios não têm capacidade para continuar a contratar mais e mais pessoas para processar manualmente estes investimentos. A automatização ajuda os consultores a serem bem-sucedidos na oferta destes ativos aos seus clientes. Neste momento, estamos a gerir 157 mil milhões de dólares em ativos na plataforma, dos quais 30 mil milhões de dólares provêm de investidores que vivem fora dos EUA.

Que novas funcionalidades podemos esperar na plataforma?

Uma das funcionalidades realmente interessantes e importantes é a criação de uma ferramenta que permita a um consultor trabalhar com o seu cliente para compreender as implicações reais de um investimento alternativo na sua carteira. Historicamente, a forma como as pessoas compram investimentos alternativos baseia-se no historial do gestor. E este é um ponto muito importante porque, nos ativos alternativos, a diferença entre os gestores do quartil superior e os gestores do quarto quartil inferior é enorme – pode ser de mil pontos de base. Por outras palavras, é absolutamente fundamental ter os gestores certos nesta classe de ativos, pelo que estamos a criar ferramentas para que os consultores ajudem os seus clientes a escolher os gestores do quartil superior que os ajudem a atingir os seus objetivos.

Lawrence Calcano, CEO da iCapital, em entrevista ao ECO - 24MAI23
Lawrence Calcano, CEO da iCapital, e Marco Bizzozero, head of International.Hugo Amaral/ECO

A iCapital tem como principais acionistas grandes nomes como Blackstone, KKR e Carlyle Group. Continua a sentir o apoio total desses acionistas, mesmo nestes tempos turbulentos?

Sem dúvida. Temos acionistas que gerem os ativos e temos acionistas que são gestores de património que têm consultores de investimento e clientes. Estamos a tentar reunir um ecossistema de pessoas que trabalham em colaboração. Queremos trabalhar em conjunto de forma automatizada, e não de forma manual, pelo que estamos a reunir todo o ecossistema. E eles apoiam-nos muito.

Quando olhamos para a alocação de ativos dos diretores de investimentos das várias grandes gestoras de ativos verificamos que os investimentos alternativos representam 15%, 20%, 25% das carteiras dos clientes. Eu diria que se a sua alocação for de 25% a uma classe de ativos, não se trata de uma alternativa. É, de facto, uma parte essencial da carteira.

Com o tempo, as pessoas vão deixar de pensar nestes ativos como alternativas. Vão passar a pensar neles como uma parte essencial da carteira de um cliente e tanto os gestores de patrimónios como os sócios gerais querem que isso aconteça. Embora o mercado esteja difícil hoje em dia, toda a gente está otimista quanto ao papel que estes investimentos irão desempenhar e à forma como se tornarão uma parte essencial das carteiras dos clientes.

A iCapital abriu um escritório em Portugal no ano passado. Estão a planear abrir noutros locais?

Temos 13 escritórios, metade dos quais nos EUA. Daí servimos os EUA, a Europa, a Ásia, a América Latina, o Médio Oriente, a Austrália e o Canadá. Continuamos a crescer de forma muito significativa fora dos EUA. Esperamos abrir um escritório no Japão e continuaremos a abrir outros escritórios por todo o mundo. Temos planos de crescimento global ambiciosos e esperamos abrir escritórios para os apoiar.

Os escritórios de Lisboa têm espaço para pelo menos 250 pessoas. Quando é que esperam atingir esse número?

Provavelmente no próximo ano ou dois. Utilizando uma combinação de trabalho presencial e remoto, podemos provavelmente chegar aos 300 com o espaço que temos aqui. Estamos a apoiar toda a nossa atividade a partir de Lisboa. Um número muito significativo de programadores e engenheiros aqui está a criar tecnologia que não é apenas utilizada fora dos EUA, mas também dentro dos EUA.

A equipa tem feito um excelente trabalho na construção de relações fortes com o Governo e a Câmara de Lisboa. Queremos apoiar o que consideramos ser uma comunidade tipo Silicon Valley aqui em Lisboa.

Já estão a vender os serviços da iCapital a bancos portugueses?

Acabámos de finalizar o processo regulatório para distribuir os nossos produtos em Portugal e em breve vamos disponibilizá-los aos gestores de patrimónios e aos seus clientes. Além do centro de desenvolvimento em Lisboa, apoiámos a Web Summit no ano passado. Vamos voltar a apoiá-la este ano. Também colaboramos numa variedade de programas com as universidades daqui.

A equipa tem feito um excelente trabalho na construção de relações fortes com o Governo e a Câmara de Lisboa. Queremos apoiar o que consideramos ser uma comunidade tipo Silicon Valley aqui em Lisboa. O desenvolvimento dessa comunidade é do interesse de todos. E, certamente, aos nossos olhos, uma vez que continuamos a recrutar talentos para o desenvolvimento.

Então acredita que Lisboa tem potencial para ser uma espécie de Silicon Valley, à sua escala?

Acreditamos plenamente. É por isso que continuamos a recrutar pessoas para cá, porque achamos que é um ótimo mercado para nós. Tivemos uma série de reuniões com a embaixadora, a liderança da cidade e ministros de diferentes ministérios. Estamos entusiasmados por estar aqui e fazer parte desta comunidade.

Além do talento, que outras características fazem de Lisboa um local interessante para investir como centro tecnológico?

Os EUA e Portugal têm a oportunidade de fazer mais em conjunto, em parte porque metade do nosso dia coincide. Quando passamos pelos escritórios em Nova Iorque, como eu fiz ontem de manhã, vemos pessoas em chamadas Zoom com os seus homólogos em Lisboa ou nos EUA. Também é fácil para as pessoas atravessarem o Atlântico e estarem juntas. Culturalmente, a possibilidade de interagir proporciona uma experiência mais rica para as pessoas.

Estamos também a enviar pessoas para viveram cá. Só nas últimas semanas, anunciámos a mudança de três quadros superiores para Lisboa e também para Hong Kong e Singapura porque achamos que as pessoas se cruzarem nos escritórios é uma coisa ótima do ponto de vista cultural. As pessoas que se mudam para cá estão na iCapital há quatro, cinco ou seis anos e, por isso, trazem para cá muita história da empresa. Encaramos a cultura como uma vantagem competitiva para uma organização.

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