Do entusiasmo à indiferença: 100 dias de presidente Trump

  • Juliana Nogueira Santos
  • 29 Abril 2017

Com os 100 dias de mandato, chega a altura de fazer um balanço. Quais as promessas de campanha que foram cumpridas e quais as que ficaram pelo caminho?

“Eu, Donald John Trump, juro solenemente que irei executar fielmente o cargo de Presidente dos Estados Unidos, e que irei, da melhor maneira possível, preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos.”

Foi no dia 20 de janeiro de 2017, há precisamente 100 dias, que, na varanda do Capitólio, Donald Trump proferiu estas palavras. De mão direita erguida e a esquerda pousada em duas bíblias sagradas, a da sua família e a de Abraham Lincoln, começava assim o seu mandato como 45.º presidente dos Estados Unidos da América.

A mão sobre as duas bíblias para jurar fidelidade à Constituição. Andrew Harrer/Bloomberg

A campanha do candidato mais improvável da história da política norte-americana fundou-se no facto de este vir de fora do círculo político habitual e de não estar “manchado” com o “pecado” do poder estabelecido. Trump vinha do ramo empresarial, dizia conhecer o país “real” a partir dos seus negócios e prometeu liderar este como se de um negócio se tratasse.

Direcionou o discurso para as populações dos estados interiores, aquelas que se sentiam mal representadas e esquecidas pelos seus governantes — e que a sua concorrente Hillary Clinton também deixou para trás — e garantiu aí a maioria dos votos do colégio eleitoral.

Assim, as promessas feitas durante essa época também se alicerçaram nas vontades gerais dessas pessoas: reduzir os impostos, trazer de volta postos de trabalho que tinham sido extintos, nomeadamente na extração de carvão e na indústria, melhorar o plano de saúde e tornar o país mais seguro através de políticas protecionistas.

Cem dias e 32 ordens executivas depois, vemos do outro lado do oceano um país pouco diferente, cujas esperanças de mudanças foram esmorecendo à medida que os obstáculos foram aparecendo. A taxa de aprovação do presidente está nos 41%, ainda que se registe uma melhoria expressiva dos indicadores económicos, nomeadamente na taxa de desemprego e na inflação. Segundo dados da agência Gallup, os norte-americanos já não estavam tão descontentes com o seu presidente desde que o Furacão Katrina assolou o país, incidente do qual George W. Bush nunca conseguiu recuperar.

Muitas promessas e mais obstáculos

Os 100 dias de presidência estabeleceram-se, desde a época de Franklin Roosevelt, como um barómetro de eficácia. Ainda que equivalha a bem menos que um vigésimo do tempo que um presidente pode permanecer na Casa Branca — oito anos, caso seja reeleito –, este período permite avaliar a forma como este lidou com o período de adaptação. Segundo o que vemos hoje, não lidou muito bem.

Embora não tivesse merecido muita atenção da comunicação social durante o período da campanha — tendo em conta todos os escândalos que se desenrolaram na altura –, Donald Trump redigiu um contrato, bem à moda de empresário, no qual foram estabelecidas 28 alíneas a serem cumpridas nos primeiros 100 dias de mandato. Este já tinha a sua assinatura e era pedido ao eleitor que assinasse também, para assim depositar a sua confiança neste plano.

Com a promessa de “restaurar a honestidade e a responsabilidade, e de trazer mudança a Washington”, foram delineadas medidas tais como:

  • Renegociação do NAFTA e do Tratado Transpacífico;
  • Afastar e substituir o Affordable Care Act por um plano de saúde que providencie melhores condições para os mais velhos e os mais pobres;
  • Bloquear as novas contratações federais, exceto para a força militar, segurança pública e saúde pública;
  • Suspender a imigração e a cedência de vistos a indivíduos oriundos de “regiões propensas ao terror”;
  • Cancelar todas as ordens executivas e memorandos considerados inconstitucionais assinados pelo seu antecessor, Barack Obama.

O plano era arrojado e o seu autor estava entusiasmado para o cumprir. Este entusiasmo era transmitido aos eleitores em todos os rallies da campanha, numa atmosfera que fazia adivinhar mudanças estruturais radicais. Quando entrou definitivamente na Sala Oval, Trump não teve mãos a medir e protagonizou uma semana intensa, tendo assinado mais de uma dezena de ordens executivas.

Trump mostra uma das primeiras ordens executivas que assinou no seu mandato.Shawn Thew/Pool via Bloomberg

Contudo, os obstáculos que apareceram foram mais do que este estaria à espera. Os democratas têm-se oposto a todas as propostas que saem da Casa Branca, incluindo as escolhas para a própria administração e o ramo jurídico já entrou em ação, tendo bloqueado a implementação das novas regras para a imigração. Numa posição menos provável, os republicanos têm visto com maus olhos algumas decisões, como a primeira proposta para o novo plano de saúde que não avançou por falta de apoio dos congressistas conservadores.

À medida que o tempo foi passando, o plano foi perdendo potência e passou de arrojado a impossível. Das 28 promessas, foram cumpridas, ou parcialmente cumpridas, apenas 10. Das 18 que ficaram para trás, destaca-se a que ditava a “limpeza de Washington” ou a “drenagem do pântano” para reduzir a corrupção e os interesses especiais na política. Além de não ter sido cumprida, muitos afirmam que a administração conseguiu avançar na direção exatamente oposta, tendo nomeado figuras como Steven Mnuchin e Michael Flynn que representam precisamente o “pântano”.

Primeiro a política externa, depois a economia

Por entre promessas cumpridas e decisões marcantes, não há nenhuma que tivesse tido impacto forte na economia do país. O novo plano fiscal que prometia cortes “massivos” nos impostos ainda não saiu do papel, os novos empregos na indústria e no carvão não estão a surgir devido aos avanços tecnológicos — a indústria foi automatizada e a energia do futuro não passa pelo velho carvão –, e da desregulação dos mercados nem sinal.

Em termos orçamentais, o plano para o ano de 2018 já foi apresentado, prevendo-se um corte de 15 mil milhões de dólares nas despesas. Os departamentos mais castigados são o Departamento de Estado, que vai ver o seu orçamento cortado em 10,9 mil milhões de dólares, e o Departamento da Agricultura, que vai sofrer um corte de 4,7 mil milhões de dólares. Os felizes contemplados com um aumento do orçamento são os Departamentos da Defesa, da Segurança Interna e dos Assuntos dos Veteranos, que vão ganhar mais de 54 mil milhões de dólares, sendo que uma parte será para o muro.

E se a mensagem da campanha de Trump era bem clara — “Tornar a América grande outra vez” –, a maior preocupação da administração tem sido a política externa. Os EUA retiraram-se do Tratado Transpacífico e começaram da renegociação do NAFTA, contando assim como uma promessa cumprida. Por outro lado, as conversações com o México, o Canadá e a China não trouxeram qualquer mudança para a forma como estes fazem negócios — a não ser para Ivanka Trump — e ainda que se tenha reunido com nove chefes de estado, ainda não saiu nenhuma vez do seu país.

As duas decisões com maior impacto mundial nestes 100 anos partiram do ramo militar, com o lançamento da “Mãe de todas as bombas”, tendo uma base do Estado Islâmico (EI) no Afeganistão como alvo e o bombardeamento de uma base aérea na Síria — inspirado pela “mais bonita fatia de bolo de chocolate”. A primeira resultou na morte de 100 militares do EI e a segunda na morte de cerca de 10 civis e na deterioração das relações entre os EUA e a Rússia, tendo esta afirmado que o ataque foi “ilegal”.

Esta centena de dias foi também um período de transformação pessoal para Donald Trump, tendo este mudado a sua opinião em tópicos tão diversos e sérios como a NATO — que estava obsoleta, mas afinal já não está –, a luta com a China — que manipulava a moeda para seu benefício, mas que agora passou a ser aliada –, a Rússia — com a qual ter uma amizade era de valorizar, mas que deixou de ser possível depois do ataque à Síria.

Travão a fundo no rally Trump

As promessas de corte nos impostos, aumento do investimento público e desregulação deixaram os investidores cheios de apetite. Entre o dia 8 de novembro e o novo recorde histórico estabelecido a 1 de março deste ano, o índice bolsista norte-americano S&P 500 disparou 12%, enquanto neste período o Dow Jones ultrapassou a barreira dos 20.000 pontos. Este entusiasmo dos mercados norte-americanos, apelidado mais tarde de “rally Trump”, estendeu-se aos restantes mercados.

Os recordes acumularam-se, os juros da dívida subiram e o dólar valorizou. A Reserva Federal norte-americana reconheceu os sinais de melhoria e subiu o valor da taxa de juro diretora. Tudo a seguir os caminhos que Donald Trump queria, até ao momento em que os investidores perceberam que talvez o presidente não conseguisse prosseguir com todos os seus planos.

Os investidores começaram a ficar céticos em relação às políticas expansionistas de Trump e, ao mesmo tempo, receosos das consequências do protecionismo excessivo, tendo-se retraído. A administração ainda tentou, esta semana, animar os mercados com a apresentação do novo plano fiscal, mas os efeitos não foram os esperados, com os principais índices a manterem um comportamento morno.

Tendo estes fatores em conta, fala-se agora da existência de um efeito combinado: as melhorias não tiveram como principal causa a eleição do republicano, mas foram o resultado da soma de vários fatores, entre os quais uma tendência de crescimento que já se estava a registar na economia norte-americana. Entre outros, os analistas da Schroders, consideram então que “convém notar que as condições para um rally (os sinais expansionistas por parte da Fed e os sinais de recuperação global) já estavam a instalar-se no último verão”, ainda antes da eleição de Donald Trump para a Casa Branca.

Analisando outros dados como a taxa de desemprego e a inflação, este efeito combinado também se torna claro. A taxa de desemprego está em queda desde 2010, ano em que atingiu máximos históricos, situando-se nos 4,5%. A inflação, por sua vez, tem estado a aumentar desde agosto de 2016, sedo que o último número é de março de 2016 e equivale a 2,4%.

Ainda assim, existem indicadores que não estão tão positivos como estes. É o caso do PIB, cujo crescimento abrandou nestes três primeiros meses do ano, e a balança comercial, que regista valores de 43,5 mil milhões de dólares. Parece, portanto, compreensível que Trump já tenha ido jogar 14 partidas de golfe.

Gaffes para todos os gostos

Mas se há algo que não faltou nestes 100 dias foram as gaffes, que vieram não só do presidente, mas também da sua equipa de assessores. Desde acusações de espionagem, a nomes de países e chefes de estado trocados, a nova administração norte-americana teve mais cobertura mediática devido às “verdades alternativas” que foi divulgado, do que pelas medidas eficazes que tenha tomado.

Kellyanne Conway e Sean Spicer, os dois responsáveis pela comunicação da Casa Branca, foram os principais transmissores destas “inverdades”, repetidas e justificadas, mesmo quando não haveria justificação possível. Mas o presidente conseguiu atuar muitas vezes sozinho, através do Twitter. Trump tweetou cerca de 1.000 estados na sua conta pessoal, muitos deles a horas pouco diplomáticas ou mesmo sobre temas que não teriam ali lugar.

Chegando então ao fim desde ciclo político, o balanço não é o melhor: poucos avanços, promessas não cumpridas e muitos retrocessos. Contudo, e conhecendo já a atuação da equipa Trump, o presidente já veio dizer que os 100 dias não são assim tão importantes, tratando o assunto com indiferença. Em entrevista à Associated Press, este fez questão de reiterar que a sua presidência é de “um tipo diferente” e que o contrato acima referido nem sequer tinha sido ideia dele. No Twitter repetiu que é “um standard ridículo”. Ridículo ou não, os resultados estão à vista.

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