Nível de endividamento das famílias está em mínimos de 1999
No final do ano passado, o montante de dívida acumulado pelas famílias era de 22,2% do seu património líquido. É preciso recuar 23 anos para se observar um rácio de endividamento tão baixo.
Há dez anos consecutivos que o património das famílias está a crescer. Só no ano passado, a riqueza global das famílias nacionais cresceu 5,6% para 978 mil milhões de euros, o valor mais elevado de sempre.
Na equação do deve e do haver, também a dívida das famílias tem engordado, mas a um ritmo muito inferior: segundo dados do Banco de Portugal, além de em 2022 o passivo das famílias ter aumentado 4,1% para 178 mil milhões de euros, também nos últimos dez anos a dívida aumentou, em média, a um ritmo de apenas 0,1% por ano, que compara com um crescimento médio anual de 3,7% dos ativos das famílias.
Esta dinâmica contribuiu para uma melhoria significativa do “balanço” dos agregados familiares. O impacto deste movimento no ano passado foi de tal ordem que há 23 anos, desde a adoção do Euro, que as famílias não apresentavam uma robustez financeira das suas contas tão grande como em 2022.
De acordo com cálculos do ECO com base nas mais recentes séries longas do património das famílias (1980-2022) publicadas pelo Banco de Portugal no boletim económico de junho, o rácio da dívida face ao património era de 18,2% no final do ano passado, cerca de 3,84 pontos percentuais abaixo da média dos últimos 24 anos (22%) e menos 7,69 pontos percentuais face aos 25,9% registados em 2012, o valor mais elevado desde 1980.
Com base na evolução dos agregados familiares, estima-se ainda que cada família detenha, atualmente, em média, um património de 237 mil euros e um volume de dívida de 43 mil euros. Isto significa que, por cada 1.000 euros de ativos, as famílias têm 182 euros de dívida. Há dez anos, este rácio era 38% superior, com o endividamento das famílias a contabilizar 251 euros por cada 1.000 euros de riqueza.
Estes números mostram que, atualmente, as famílias têm maior margem de manobra para liquidarem as suas dívidas recorrendo à venda dos ativos do que tinham há uma década. Só os ativos financeiros (depósitos, ações, seguros, etc.), que pesam atualmente cerca de 49% do património global, são suficientes para cobrir até 1,7 vezes o montante de dívida por agregado familiar.
Em 2008, quando esse rácio atingiu o valor mais baixo de sempre, os depósitos e restantes aplicações financeiras não eram suficientes para pagar os créditos e todas as outras responsabilidades financeiras das famílias.
As famílias não têm vivido acima das suas possibilidades. A prudência na gestão dos seus ativos e da dívida têm orientado o comportamento da larga maioria dos agregados familiares.
“Os rácios de endividamento das famílias portuguesas, quer em percentagem do rendimento disponível, quer em percentagem dos ativos, reduziram-se significativamente desde a crise da dívida soberana”, refere o Banco de Portugal ao ECO. A atual almofada financeira espelhada por uma situação patrimonial “robusta” evidencia isso mesmo.
Contudo, não significa que não exista um número significativo de famílias endividadas, sobre-endividadas ou em risco de pobreza e exclusão social, que pela observação da média dos valores (tanto do património como da dívida) não são detetados — em 2021, 16,4% a população estava em risco de pobreza em 2021, segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística.
A evolução do património das famílias em 2022, mas sobretudo ao longo dos últimos dez anos, revela também que as famílias não têm vivido acima das suas possibilidades. A prudência na gestão dos seus ativos e da dívida têm orientado o comportamento da larga maioria dos agregados familiares.
“A redução dos rácios de endividamento tem subjacente um nível de dívida relativamente estável em termos nominais e um aumento do rendimento, por um lado, e um aumento do valor dos ativos, por outro”, sublinha o Banco de Portugal em resposta ao ECO.
Isso é notório também no plano do crédito à habitação. Apesar da forte subida das taxas de juro em 2022, Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, revelou, na audição parlamentar de 4 de abril, que, “para metade das famílias, 15,5% do seu rendimento líquido de impostos e contribuições é suficiente para fazer face às prestações do crédito à habitação.”
O governador do Banco de Portugal lembrou ainda que, em 2022, apenas 12,3% das famílias tinha taxa de esforço superiores a 36% em 2022 e que, para três quartos dos agregados familiares, a taxa de esforço era inferior a 25%.
Naturalmente que estes números terão sofrido um agravamento este ano, como resultado da contínua subida das taxas de juro e da taxa de inflação em 2023. No entanto, Mário Centeno revelou aos deputados que, no primeiro trimestre, metade das famílias aumentou a parcela do rendimento destinada ao crédito à habitação em menos de 2,4 pontos percentuais.
Esta pequena oscilação no esforço do orçamento destas famílias ocorreu, em grande medida, pelo recurso aos depósitos e a outros ativos financeiros para amortizar parte ou mesmo a totalidade do crédito à habitação e de outros créditos: só nos primeiros três meses do ano, as amortizações de crédito à habitação dispararam 70% face ao mesmo período de 2022, num total de 2,6 mil milhões de euros, segundo dados do Banco de Portugal.
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